quinta-feira, novembro 30, 2006

Alteração do CPPT

Leio no Público (aqui) que a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2007 inclui a revogação da norma de caducidade da garantia prestada pelo contribuinte para suspender a execução fiscal, quando a decisão de reclamação graciosa tarde mais do que um ano ou a decisão da impugnação pelo tribunal de primeira instância demore mais do que três anos. A norma em causa encontra-se no artigo 183.º-A do CPPT. Curiosamente, consultando a dita Proposta de Lei na página da Direcção-Geral do Orçamento (aqui), não encontro tal norma revogatória. Significará isto que a Proposta disponibilizada naquela página não está actualizada?

quarta-feira, novembro 29, 2006

A dupla conforme e a reforma dos recursos em processo civil

A fazer fé nas informações que têm vindo a público, a alteração do regime dos recursos em processo civil impedirá o recurso para o STJ em caso de dupla conforme (cfr. aqui), salvo "quando existir um voto vencido na Relação ou quando o STJ entenda que se trata de um caso de relevância jurídico-social".

Mas o que será um caso "de relevância jurídico-social"? É aquele cuja previsível repetição torna mais importante a sua apreciação pelo STJ? É aquele em que estejam em causa bens jurídicos indisponíveis ou de valor jurídico mais elevado? Se a cláusula vier a ser formulada nestes termos, tenho alguma dificuldade em precisar-lhe os contornos.

Paradoxalmente, ou talvez não, encontro precisamente nas decisões do STJ que revogaram acórdãos da Relação que confirmaram decisões da primeira instância um interesse suplementar, reconhecendo-lhes um papel especial na densificação da jurisprudência. Aliás, o recurso da dupla conforme está, para o relator, as mais das vezes, facilitado pela fundamentação das duas instâncias ou, no caso de afastamento dos argumentos ou do sentido de decisão anteriores, logo se tornará especialmente relevante fixar jurisprudência sobre a matéria.

Reproduzo aqui um conjunto de decisões do STJ que alteraram o sentido da dupla conforme. Não os alinho por nenhum critério especial, nem os escolhi em função do tema, e desafio o leitor a escolher quais excluiria por não verificar o tal requisito de "relevância". Para além disso, olhando o caso concreto em cada um deles e tendo em conta as considerações supra expostas, tente isolar um interesse público de administração da justiça que justifique o afastamento da possibilidade de recurso em tais hipóteses, especialmente quando cotejado com o interesse da parte em recorrer (cumprindo os requisitos gerais de recorribilidade).

É claro que a toda esta argumentação se poderá objectar afirmando que são muitos mais os casos de dupla conforme que conduzem a "tripla conforme" do que os de alteração e que isso denota uma tendência para um uso excessivo do recurso, que importa temperar. A isto só poderemos responder com uma dupla interrogação: "o que vale o caso concreto, face a tudo isto?" e "o seu valor relevante poderá medir-se seguramente pelo critério da "relevância jurídico-social?".

Não tenho certezas. Tudo isto é para pensar.


- Acórdão do STJ de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1765: "Em acção para reconhecimento da titularidade do direito às prestações por morte de beneficiários do regime da Segurança Social das pessoas que se encontrem na situação de união de facto, impende sobre o autor o ónus de alegar e provar que se encontra nas condições exigidas pelo art. 2020º do Código Civil;
(...)
- A impossibilidade de prestação de alimentos pelos familiares elencados no art. 2009º apresenta-se como um pressuposto ou condição substantiva da titularidade do direito às prestações a par das demais cumulativamente exigidas pelo art. 2020º-1, não configurando qualquer excepção, nomeadamente na modalidade de facto impeditivo, relativamente aos requisitos enunciados no primeiro segmento do preceito."


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Acórdão do STJ de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A3417: "Estando-se no domínio das relações imediatas (sacador-sacado) e pretendendo o autor provar através da data que apôs como emissão da letra, e que quesitada mereceu a resposta de non liquet, a anterioridade do seu crédito não é possível, sob a invocação da característica da literalidade da letra, alterá-la para «provado»."

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Acórdão do STJ de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A4653: "I - Destinando-se o andar arrendado a "boutique de senhora", não existe afectação do locado a fim diverso do contratado (artigo 64º n.º 1, alínea b) do RAU), se aí se vender roupa de senhora e se realizar pequena e artesanal confecção de alguma.
(..)
IV - O autor ao incorrer em contradição com comportamentos anteriores ("venire contra factum proprium"), pedindo que seja decretado o despejo por exercício de uma actividade que durante anos foi autorizada, e sem que tenha existido qualquer nova ocorrência ou alteração da situação existente, atenta contra a boa fé."


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Acórdão do STJ de 18-05-2004, proferido no processo n.º 04A4412: "II - A exploração comercial de uma piscina aberta ao público onde, independentemente da idade ou de uma eventual incapacidade, qualquer pessoa pode entrar mediante o pagamento de certa importância, impõe especiais cuidados por parte de quem usufrui dos proventos que a mesma proporciona.
III - A utilização da piscina por todos aqueles que pagarem o ingresso é, quando em funcionamento, uma actividade perigosa.
IV - A responsabilidade do proprietário só será assim excluída se provar que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos, para impedir um afogamento evitável na piscina de que é dono."


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Acórdão do STJ de 18-05-2004, proferido no processo n.º 02A2143: "A renúncia ao usufruto, como acto abdicativo, é mero negócio jurídico unilateral. A renúncia remunerada e orientada para determinado fim contém todos os elementos integrantes de um acto oneroso, de transmissão, ainda que atípico, subsumível à forma ampla a que a lei chamou de trespasse do direito."

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Acórdão do STJ de 21-05-1998, proferido no processo n.º 98B1043: "A usucapião considera-se invocada desde que se mostre alegado o complexo fáctico subjacente.
Tal invocação pode pois ser implícita ou tácita, se os factos alegados integrarem, de modo manifesto, os respectivos elementos ou requisitos constitutivos e revelarem a intenção inequívoca de fundar o seu direito na usucapião.
A usucapião implica sempre a existência de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, tendo a posse de ser sempre pública e pacífica; os restantes caracteres (boa ou má-fé, título ou não título e registo ou não registo) apenas influem no prazo necessário para a prescrição aquisitiva."


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Acórdão do STJ de 07-01-1999, proferido no processo n.º 99B470: "1. Na legislação reguladora de farmácias o princípio fundamental é o da indivisibilidade entre a propriedade da farmácia e a sua exploração, e gerência técnica.
2. O direito social de requerer a anulação de deliberações sociais compete, no caso de quotas pertencentes a uma herança indivisa, ao conjunto de todos os herdeiros, sendo caso de litisconsórcio necessário activo."


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Acórdão do STJ de 26-10-1998, proferido no processo n.º 99A281: "Atenta a natureza excepcional do nº 1 do artigo 75º do RAU, no uso residencial do prédio arrendado, inclui-se o exercício de qualquer indústria doméstica, mas já não o exercício do comércio doméstico."

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Simulação - propósito de enganar terceiros

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2006, proferido no processo n.º 2755/2006-2, escreve-se que «as situações de simulação relativa o requisito “intenção de enganar terceiros”, resulta desde logo evidenciado pelo propósito das partes criarem uma aparência que não corresponde à verdade».

Embora não me pareça que deva ser automática tal conclusão (não é teoricamente impossível uma divergência bilateral e consciente entre vontade e declaração a que não se ligue a intenção de enganar terceiros - daí, aliás, a lei se lhe referir como requisito autónomo), a verdade é que quase sempre ambos os requisitos se verificarão simultaneamente, o que se torna mais evidente se atentarmos na interpretação que a jurisprudência tem dado à expressão "propósito de enganar", procurando destacá-lo do propósito de prejudicar (cfr., sobre esta distinção os fundamentos os acórdãos do STJ de 29-06-2004, proferido no processo n.º 04A2062, de 11-02-2003, proferido no processo n.º 03B2536, de 12-07-2001, proferido no processo n.º 02B511 e de 22-05-2001, proferido no processo n.º 02A4233, do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2005, proferido no processo n.º 0532737, de 02-06-2005, proferido no processo n.º 0531454 e de 09-03-2004, proferido no processo n.º 0326481).

Aqui ficam as palavras de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume , página 170, abertamente invocadas ou indirectamente assumidas pela maior parte daquelas decisões: “não se deve confundi-lo [o intuito de enganar] com o intuito de prejudicar. Enganar quer dizer iludir. E pode ter-se em vista enganar terceiro não para prejudicá-lo, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar terceiro”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Eis as conclusões a que se chegou em algumas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa recentemente disponibilizadas no website www.dgsi.pt:

1)
Acórdão de 02-11-2006, proferido no processo n.º 6388/2006-8 - "As varas cíveis são os tribunais competentes (...) para julgar os procedimentos de injunção, de valor superior à alçada do Tribunal da Relação, que prosseguem os seus termos aplicando-se a forma de processo comum ou porque foi deduzida oposição ou porque se frustrou a notificação naquele procedimento (Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro)".

2)
Acórdão de 26-10-2006, proferido no processo n.º 8139/2006-8 - Ainda que a realização de obras de conservação do imóvel constitua obrigação do senhorio, pode, em concreto, a responsabilidade por danos decorrentes de infiltrações recair sobre o inquilino, se este, conhecendo o estado degradado da canalização e o alastramento da humidade, não cuidou de informar o senhorio de tal facto.

3)
Acórdão de 24-10-2006, proferido no processo n.º 4195/2006-7 - O pedido de demolição de uma parede, edificada em parte comum, pode ser deduzido por qualquer condómino dada a sua qualidade de comproprietário dessa parte comum (artigos 1405.º e 1406.º do Código Civil).

4)
Acórdão de 24-10-2006, proferido no processo n.º 7531/2006-7 - "Se a autorização concedida ao tutor, nos termos do artigo 1938º/1, alínea e) do Código Civil, não abranger todos os pedidos deduzidos na acção, deve o tribunal suspender a instância de acordo com o disposto no artigo 1940.º/3 do Código Civil".

5)
Acórdão de 19-10-2006, proferido no processo n.º 6084/2006-8 - No contrato de arrendamento, o fiador do arrendatário não garante o cumprimento da obrigação de indemnização (de montante equivalente ao valor da renda) devida por atraso na restituição do imóvel (artigo 1045.º do Código Civil).

6)
Acórdão de 19-10-2006, proferido no processo n.º 6681/2006-2 - O pedido de prorrogação do prazo para apresentação da tréplica com fundamento nos arts 486 nº 5 e 504 do CPC não pode já ser feito no decurso do prazo de 3 dias úteis a que alude o art 145 nº 5 do CPC.

7)
Acórdão de 19-10-2006, proferido no processo n.º 4956/2006-6 - "Os Tribunais Comuns e não os Tribunais da Jurisdição Administrativa são os competentes para o julgamento de uma acção intentada, com base na responsabilidade civil por factos ilícitos intentada contra um Hospital que, à data da instauração da acção, é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos regulada pela lei das sociedades anónimas, ainda que os factos em que o pedido de condenação se baseia tenham tido lugar quando o referido Hospital era uma pessoa colectiva de direito público."

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terça-feira, novembro 28, 2006

Julgados de paz - competência exclusiva (?)

Continua muito incerta na jurisprudência a resolução da questão da exclusividade ou alternatividade da competência dos julgados de paz(1).

Penso que, de iure constituendo, a exclusividade não é boa solução, pelo menos hoje em dia, quando o modelo de justiça do julgado de paz ainda não se encontra consolidado (a prática demonstra-o) e as garantias que rodeiam o juiz de paz não são as mesmas de que goza o magistrado judicial, mas parece-me que a intenção do legislador foi efectivamente a de consagrar a exclusividade.

Esta questão é importantíssima para os advogados, que podem ser surpreendidos com a incompetência do tribunal judicial de primeira instância
. Impõe-se, por isso, uma clarificação urgente (talvez fosse aqui adequada a via da interpretação autêntica). Bem pior que uma má solução é uma solução sempre incerta.

Outra matéria ainda instável quanto à competência dos julgados de paz é a que se prende com a inclusão ou não, nessa competência, de acções de dívidas em que o credor seja uma pessoa colectiva.


(1) Pela exclusividade da competência dos julgados de paz, nas matérias que lhe são confiadas, e consequente incompetência dos tribunais judiciais alinham os acórdãos
do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2006, proferido no processo n.º 0623377 (por unanimidade) e de 08-11-2005, proferido no processo n.º 0525540 (por unanimidade), do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2006, proferido no processo n.º 8573/2006-8 (com um voto de vencido), de 29-06-2006, proferido no processo n.º 5726-2006-6 (com um voto de vencido que, porém, não abrange a referida questão), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4929/2006-6 (por unanimidade). Contra a exclusividade, defendendo a competência alternativa entre tribunais judiciais e julgados de paz nas matérias confiadas a estes, podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, profeirod no processo n.º 3554/2006-7 (por unanimidade), seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3896/2006-8 (por unanimidade). Defendendo a concorrência de competência, transitoriamente, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2006, proferido no processo n.º 4664/2006-8. As opiniões mais citadas a favor da exclusividade são do Conselheiro Cardona Ferreira ("Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento") e do Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira ("Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários").

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Eis as principais conclusões a que se chegou nas seguintes decisões do Tribunal da Relação do Porto, recentemente disponibilizadas sobre temas de direito processual civil.

Acordão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634459: o valor probatório reforçado da escrituração comercial previsto no artigo 44.º do Código Comercial vale apenas entre comerciantes. Nas relações entre comerciantes e não comerciantes, a escrituração tem valor semelhante ao dos documentos particulares.

Acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0636015: A suspensão da execução com o fundamento na impugnação da assinatura do documento particular não bão é automática, mas também não se deve ser demasiado exigente na sua apreciação.

Acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0635709: a petição não acompanhada de taxa de justiça deve ser recusada; se for recebida, não deve ser distribuída; se for distribuída, não deve o juiz, quando se aperceba da omissão, indeferi-la liminarmente, devendo antes aplicar-se o regime previsto para a contestação (artigo n.º 486.º-A do CPC), dando oportunidade ao autor de suprir aquela falta.

Acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634494: o réu que apenas conteste e não deduza reconvenção não tem que pedir o cancelamento do registo - não tendo a obrigação, o réu tem todavia a faculdade de pedir esse cancelamento.

Acórdão de 14-11-2006, proferido no processo n.º 0625867: os julgados de paz não têm competência para acções de cobranças de dívidas em que são credores os hospitais públicos (EPE).

Acórdão de 14-11-2006, proferido no processo n.º 0624769: quando uma acção de responsabilidade civil contra o Estado assente na prática de actos por juízes, são competentes para apreciá-la os tribunais judiciais, porque os juízes não actuam no exercício da função administrativa; quando o acto supostamente ilícito seja imputado ao Ministério Público, são competentes os tribunais administrativos; quando se combinem, como fundamento, actos de ambos (porque, em processo crime, um deduziu acusação e o outro exarou despacho de pronúncia) são competentes os tribunais judiciais.

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Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa sobre "Geografia da Justiça para um novo mapa judiciário"

Via blog Verbo Jurídico, fiquei a saber o endereço do ficheiro onde se disponibiliza o dito relatório (aqui), mas atenção: são 84.7 Mb (aconselha-se ligação rápida e usar a opção "guardar como" ou o uso de um download manager).

segunda-feira, novembro 27, 2006

Jurisprudência do STJ

Eis uma indicação sumária das principais conclusões retiradas de alguns acórdãos recentes do STJ, disponibilizados no website www.dgsi.pt:

1) Salvo raríssimas excepções, o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia matéria de direito. Não curando, por regra, de questões de facto, não lhe é lícito recorrer a presunções judiciais, nem controlar a aplicação das mesmas pelas instâncias. -
Acórdão do STJ de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3564, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 26-01-2006, proferido no processo n.º 05B4252.

2) O pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data em que a coabitação tenha cessado deve ser formulado até ao encerramento da discussão em primeira instância. -
Acórdão do STJ de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A2918, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 19-10-2004, proferido no processo n.º 04A2781, este último com um abundante levantamento jurisprudencial.

3) Se, numa acção de anulação de deliberações sociais, concretamente após a interposição de recurso, a sociedade R. vier dar conhecimento ao processo de que as deliberações (no caso, renováveis) foram renovadas, deve o Tribunal recorrido julgar a acção improcedente, com custas pela referida R. -
Acórdão de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A3446, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 23-03-1999, proferido no processo n.º 99A166 (também na Colectânea de Jurisprudência, ano VII, tomo II, págs. 31 e ss.).

4) A condenação do réu ao pagamento de quantia a liquidar em execução de sentença é possível no caso do autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, e é possível também no caso de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação. -
Acórdão de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A3623, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 04-12-2003, proferido no processo n.º 03B2667.

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Notícias

A ler: uma curta entrevista a Saldanha Sanches e um texto breve que dá nota do parecer do Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais sobre a reforma processual penal (ligações recolhidas no blog Verbo Jurídico).

sábado, novembro 25, 2006

Aos meus alunos - uma nota breve sobre o artigo 31.º-B do CPC

Por vezes, o disposto no artigo 31.º-B do CPC (pluralidade subjectiva subsidiária) pode revelar-se confuso. Esta norma, de grande utilidade prática, é aplicável em quatro categorias de hipóteses em que existe dúvida sobre a titularidade da relação material controvertida.

1) Litisconsórcio subsidiário passivo (dedução pelo autor do mesmo pedido contra um réu, a título principal, e contra outro, a título subsidiário). Por exemplo, não sabendo se foi agredido por B ou C, A intenta acção contra B, pedindo deste uma indemnização pelos danos sofridos, deduzindo o mesmo pedido, subsidiariamente, contra C, caso se venha a determinar ter sido ele, e não B, o agressor.

2) Coligação passiva subsidiária (dedução pelo autor de um pedido, a título principal, contra o réu e outro pedido, a título subsidiário, contra outro réu). Por exemplo, A celebra um contrato de fornecimento de bens com B (fornecedor). Neste contrato, intervém também C, garantindo ao primeiro uma compensação em dinheiro quando os bens a fornecer padecerem de defeitos que não possam ser reparados por B. A, recebendo alguns bens defeituosos e tendo dúvidas fundadas sobre se podem ou não ser reparados, intenta acção contra B, pedindo a condenação deste a reparar os defeitos e, subsidiariamente, contra C, pedindo a condenação deste a pagar a acordada compensação em dinheiro, caso se venha a determinar a impossibilidade de reparação.

3) Litisconsórcio activo subsidiário (dedução, contra o réu, de um mesmo pedido, por um autor, a título principal, e por outro autor, a título subsidiário). Por exemplo, C causa danos numa coisa móvel. Há dúvidas sobre a identidade do proprietário da coisa, que pode ser A ou B, pois não é claro se foi doada a um ou a outro. A intenta acção contra C, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização pelos danos causados, sendo o mesmo pedido formulado, subsidiariamente, por B, caso se venha a determinar ser este, e não A, o proprietário da coisa.

4) Coligação activa subsidiária (dedução de pedido contra o réu por um autor, a título principal, e de pedido diferente, por outro autor, a título subsidiário). Por exemplo, C, titular de uma marca registada, celebra um contrato de licença de marca
, com A e B, pelo qual transmite temporariamente o direito à exploração da mesma a estes, cada um numa área geográfica distinta, obrigando-se ainda C a não explorar ele próprio a marca durante o prazo da licença, nas áreas geográficas em causa. No entanto, C continua, na vigência do contrato, a explorar a marca, através de um estabelecimento comercial situado na localidade x. Há dúvida fundada sobre se a localidade x se situa na zona de exploração de A ou de B, pois o contrato não é claro a este respeito. A intenta acção contra C, na qual pede indemnização por danos decorrentes da violação da obrigação de não exploração assumida por este. Subsidiariamente, para o caso de se vir a determinar que a localidade x pertence à zona a que se refere a licença de marca de B e não a de A, B pede a condenação de C a fazer cessar a exploração da marca naquela localidade.

Note-se, finalmente, que a dúvida sobre a titularidade da relação material controvertida tanto pode assentar na incerteza de facto como na incerteza de interprtetação de uma norma jurídica (cfr. José Lebre de Freitas / João Redinha / Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 70).

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sexta-feira, novembro 24, 2006

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Dos acórdãos recentemente lançados na página da DGSI que se ocupa do Tribunal da Relação do Porto, alguns despertaram a minha atenção. Dou agora notícia sumária das suas conclusões.

1) No acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0635473, decidiu-se que os habitantes de uma certa localidade têm legitimidade para intentar acção popular, na qual pedem a declaração de que um determinado caminho é público e a condenação dos réus, sujeitos de direito privado, a cessarem a ocupação ilegítima que dele fazem, restituindo-o ao domínio público. Tal legitimidade funda-se, segundo a decisão, directamente na lei de acção popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), não sendo, pois, de exigir dos autores o cumprimento prévio do disposto no artigo 316.º, §1 do Código Administrativo(1).

2) No
acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0632617, entendeu-se que é válida a renúncia expressa ou tácita de uma ou ambas as partes ao direito de invocar a invalidade decorrente do não reconhecimento das assinaturas em contrato-promessa.

3) No
acórdão de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0635459, entendeu-se(2), em matéria de aluguer de longa duração (ALD), que quando o nº 4 do art. 17º do DL nº 354/86 refere que "é lícito à empresa de aluguer sem condutor (...) rescindir o contrato nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais", a expressão "nos termos da lei" não se refere às normas da locação, no livro das obrigações do Código Civil, mas sim às normas gerais da resolução (especialmente ao artigo 436.º do Código civil), pelo que o direito à resolução pode ser validamente exercido pelo locador extrajudicialmente.
Nota: foram aplicadas as normas do Código Civil na redacção anterior às alterações decorrentes da entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano.

4) No acórdão de 13-11-2006, proferido no processo n.º 0656042, decidiu-se que o interesse da descoberta da verdade pelos tribunais prevalece sobre o direito ao sigilo bancário. Recomenda-se vivamente a leitura completa da fundamentação desta decisão, que parte do dever de cooperação das partes e terceiros (cfr. artigo 519.º do CPC) para as seguintes considerações:

"Como se escreve no Ac. do S.T.J., de 14.1.1997, “o direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra “o civilizado” artigo 1º do Código de Processo Civil, se privilegiasse a “justiça privada”) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente, o artigo 519º do Código de Processo Civil, quer antes, quer depois da recente reforma […] o pensamento legislativo seria no sentido de paralisar a acção dos tribunais na realização de direitos subjectivos, quando é certo que, ao invés, a ordem jurídica existe, justamente, como um conjunto de meios que deve conduzir à efectiva realização dos fins da actividade judicial previstos basicamente pelo art.205º da Constituição”- BMJ 463, 472.

Do “Halsbury’s Laws of England” enciclopédia jurídica britânica, extraí-se o seguinte:

“O contrato firmado entre o banqueiro e seu cliente contém uma cláusula implícita que obriga o banqueiro a não revelar a terceiros, sem consentimento expresso ou tácito do cliente, nem a situação da conta do cliente nem as suas transacções com o banco, nem qualquer informação que chegue ao conhecimento do banqueiro em virtude do relacionamento com o cliente”.

Na Inglaterra não existe disposição legal expressa a respeito do sigilo, mas a teoria é amplamente aceite pelo costume.

Nelson Hungria que incluiu o banqueiro no rol das pessoas obrigadas ao sigilo profissional, ensina:

“Na actualidade, é geralmente reconhecido que entre os confidentes necessários, legalmente obrigados à discrição, figuram os banqueiros.
Notadamente nas operações de crédito, o sigilo bancário é uma condição imprescindível, não só para a segurança do interesse dos clientes dos bancos como o próprio êxito da actividade bancária.
Raros seriam, por certo, os clientes de bancos, se não contassem com a reserva dos banqueiros e seus prepostos...”.

O segredo bancário terá de cessar perante “justa causa”, visando a salvaguarda de interesses manifestamente superiores.

No caso em apreço, colidem interesses diversos, ambos dignos de protecção – o dos Tribunais em proferirem decisões conformes à Verdade, agindo sob o impulso de pessoas jurídicas em sentido lato, e o dos Bancos, em preservarem o sigilo bancário dos seus clientes.

Prepondera a nosso ver aquele, mesmo que se trate de um pleito civil, sendo que o caso dos autos indicia contornos de mega-fraude que a Justiça tem o dever de averiguar sem peias que limitem a sua actividade soberana, não sendo de sobrepor a esse interesse o do Banco, em não revelar os movimentos de conta bancária de um seu cliente
."



(1) Que, no âmbito da acção popular supletiva, exige a prévia exposição circunstanciada ao respectivo órgão autárquico titular do direito a exercer, acompanhada da prova a produzir ou juntar, bem como o decurso de três anos sem iniciativa do dito órgão no sentido de propor a acção.

(2) Com este abundante levantamento jurisprudencial concordante, ali citado: acórdãos do STJ de 16-04-2002, proferido no processo n.º 02A532; do Tribunal da Relação do Porto de 3-11-2005, proferido no processo n.º 0534720, de 20-12-2005, proferido no processo n.º 0521192, de 23-5-2005, proferido no processo n.º 0551194, de 14-06-2004, proferido no processo n.º 0453206, de 04-05-2004, proferido no processo n.º 0421774, de 12.5.2005, proferido no processo nº 0635459, de 7-10-2004, proferido no processo n.º 0434328, de 8-07-2004, in CJ, 2004, III, 204, de 4.12.2001, in CJ, 2001, V, 204, e de 21.11.2002, in CJ 2002, V, 180, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2001, in CJ, 2001, IV, 112, de 14.01.99, proferido no processo n.º 0064456, e de 29.01.98, proferido no processo n.º 0051212.

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quinta-feira, novembro 23, 2006

...m'espanto às vezes, outras m'avergonho...

Ocorreu-me esta passagem de Sá de Miranda, que serve de divisa no blog Abrupto, ao atentar em duas afirmações com as seguintes características comuns: (i) foram proferidas por membros de órgãos do Governo; (ii) constituem generalizações abusivas, não apoiadas em factos concretos; (iii) dificultam uma reacção eficaz dos visados, ao diluir um juízo negativo em considerações vagas.

1) A primeira é do senhor Ministro das Finanças que afirmou, na Assembleia da República, que a redução da verba atribuída às universidades e politécnicos é salutar, para que aprendam a gerir melhor os seus orçamentos. Esta afirmação, que leva implícita uma outra - as universidades e politécnicos gastam mal o seu dinheiro - não se suportou numa razão concreta. Não se ouviu uma palavra sobre quem gere mal as verbas (algumas instituições? todas as instituições?) ou em que consiste essa má gestão (são mal afectadas? há despesismo?), muito menos uma indicação positiva sobre como melhorar.

2) A segunda está aqui e foi proferida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, João Amaral Tomaz, segundo o qual são os tribunais que atrasam o combate à evasão fiscal. "O Estado dispõe de meios cada vez mais expeditos para detectar situações de fraude fiscal, mas este esforço da máquina acaba por esbarrar numa justiça excessivamente lenta, que tarda em sancionar os criminosos." (...) "Quando não há uma sanção rápida, fica-se com a ideia de que o sistema não funciona, o que, por si, constitui um estímulo ao incumprimento".
O que o cidadão médio retira ou conclui destas declarações, fazendo fé nelas, é o seguinte: o combate à evasão fiscal envolve a cooperação de dois poderes - o executivo e o judicial. O executivo cumpre o seu papel, descobrindo e perseguindo os infractores, acumulando informação e entregando os suspeitos à justiça. Esta é lenta e ineficaz, deitando a perder o belíssimo trabalho anterior.
Uma parte da população fará as perguntas certas: porque se diz que é lenta e ineficaz a justiça?; quais as razões dessa lentidão (falta de recursos? insuficiência legislativa? incompetência de magistrados e/ou advogados?...); que participação é de imputar ao poder executivo nas razões dessa ineficiência?

Para os que nada questionam, por falta de tempo ou atenção, a memória regista apenas as conclusões. Com isto, ninguém ganha. Perdemos todos.

Jurisprudência - Tribunal da Relação de Lisboa

Foram disponibilizados os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, no website www.dgsi.pt (chamo especial atenção para o uso dado à figura da presunção judicial, na segunda decisão):

1)
Acórdão de 07-11-2006, proferido no processo n.º 7570/2006-7: "I- O tribunal competente em razão do território para o julgamento de uma acção em que se pede o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, pelo fornecimento de determinadas mercadorias, não se tendo convencionado o local do pagamento, é, à escolha do credor, o do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou o do domicílio do réu.
II- E a tanto não obsta a circunstância de terem sido feitos alguns pagamentos anteriores, via “Multibanco”, de local diferente, designadamente o do domicílio do devedor."

Nota: esta decisão aplica o artigo 74.º do CPC na redacção anterior à sua última alteração (Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril).

2)
Acórdão de 07-11-2006, proferido no processo n.º 7938/2006-7: "I- Para efeito de ponderação de insuficiência económica, justificando a atribuição da casa de morada de família (artigos 1793.º do Código Civil e 1413.º do Código de Processo Civil), não é atendível que o salário líquido auferido pela parte enquanto sócio-gerente da sociedade seja a sua única fonte de rendimento, provando-se despesas que excedem tal montante, provando-se também que a sociedade lhe afectou veículo cuja renda mensal excede aquela quantia.
II- É, assim, inteiramente justificado o entendimento, com base em presunção judicial (artigo 351.º do Código Civil), de que o interessado na atribuição da casa de morada de família dispõe de proveitos muito superiores àquela quantia ainda que se desconheça a sua origem.
III- Se assim não fosse, e considerando que a requerida declarou com exactidão os ganhos por si auferidos e provou ainda as despesas que suporta, desrespeitar-se-ia o princípio da igualdade de tratamento de ambas as partes no processo, beneficiando quem escamoteia realidades que são do seu conhecimento e prejudicando quem actua com lisura processual.
"

3)
Acórdão de 02-11-2006, proferido no processo n.º 5162/2006-8: "I- Não dispõe o comprador de moradia que foi vendida com defeito do direito à demolição do imóvel com imediata reconstrução visto que uma tal situação não é compatível com o contrato de compra e venda, pois não estamos diante de coisa fungível (artigos 207.º e 913.º e 914.º do Código Civil).
II- No entanto, isso não significa que a sentença, quando condena o ré a reparar todos os defeitos da coisa vendida, rejeite implícita ou explicitamente que algumas demolições tenham de ocorrer, pois em qualquer reparação há sempre alguma coisa que terá de ser “demolida” no sentido de “removida” só que uma tal remoção é consequência das obras de reparação e não o seu ponto de partida.
III- A responsabilidade do vendedor e do empreiteiro não é solidária considerando desde logo que o empreiteiro não pode ser responsabilizado por aqueles defeitos já existentes quando iniciou a sua intervenção na construção (artigos 513.º e 1225.º do Código Civil)
IV- O comprador tem direito a ser ressarcido, enquanto decorrerem os trabalhos de reparação do imóvel e até à respectiva conclusão, pelo pagamento da renda que vier a despender com o arrendamento de casa situada na mesma zona, idêntica em área e número de assoalhadas. (artigos 563.º, 564.º,n.º2 e 798.º do Código Civil)."

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Julgado de Paz de Santa Maria da Feira

Foi publicada no Diário da República de hoje (aqui) a Portaria n.º 1301/2006, de 23 de Novembro, que declara instalado o Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, aprovando o seu regulamento.

Aqui fica, a propósito, a ligação à página do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz.

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Guantanamo

No Blog de Informação (aqui), o Dr. Jorge Langweg chama a atenção para alguns factos preocupantes sobre os "julgamentos" no "tribunal militar" de Guantanamo:

"a) serviram de «juízes» três oficiais norte-americanos;
b) não havia a presença de qualquer defensor;
c) as audiências destinavam-se a apurar se os reclusos são «enemy combatants», devendo continuar reclusos, ou não;
d) segundo Mark Denbeaux, professor de Direito de Nova Iorque, que analisou as gravações, em 96% dos casos não foi apresentada a menor prova indiciária contra os reclusos ouvidos."


Ainda sobre a "guerra" contra o "inimigo", reproduzo aqui dois vídeos que revelam uma parte do que é a presença militar americana no Iraque.



Reforma dos recursos em processo civil

Reproduzo aqui um texto que li no Verbo Jurídico (aqui), que por sua vez cita o Diário Económico, lançando algumas luzes sobre a próxima reforma do regime dos recursos em processo civil.

«Decisões de tribunais internacionais permitem recursos em Portugal
Sempre que um tribunal internacional contrarie uma decisão de uma instância nacional,o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) poderá, a partir de 2oo7,contrariar essa posição. Esta hipótese, explicou ontem o Ministro da Justiça, só se aplica a instâncias internacionais "é que Portugal está vinculado". Alberto Costa falava na audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, onde foi explicar aos deputados a proposta do Governo de alteração do regime dos recursos em processo civil e o regime dos conffitos de cornpetência.
Entre as novidades do diploma- está a inclusão de os depoimentos em tribunal serão gravados em áudio e vídeo, sendo que os tribunal de 1.ª e 2.ª instâncias terão acesso às gravações.

A segunda jurisdição
O recurso aos tribunais superiores passará a estar sujeito a regras mais rígidas. A proposta do Governo, que está a ser debatida na especialidade, define que deixa de ser automático o recurso da 2.ª instância para o Supremo, sempre que se verificar a regra da "dupla conforme". O que significa que sempte que o acórdão da Relação confirmar a decisão da Primeirà instância, as partes ficam impossibilitadas de recorrer. A regra só admite duas excepções, explicou João Tiago Silveira, "quando existir um voto vencido na Relação ou quando o STJ entenda que se trata de um caso de relevância jurídico-social".
O Governo actualizou ainda as alçadas (montante a partir do qual sè pode recorrer da decisão), garantindo um maior acesso ao primeiro recurso (5 mil euros), mas aumentando a exigência para se recorrer ao STJ, fixando o valor em 30 mil euros.
O STJ passará a ter acesso à matéria de facto, "através da identificação precisa das partes da gravações que se pretendem utilizar no recurso, sem prejuízo da possibilidade de transcrever o trecho em questão", explicou o secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira. Apesar desta proposta criar novos tipos de recursos para o STJ o grande objectivo do diploma é limitar o acesso aos tribunais superiores em processos cíveis de menor complexidade. "E uma proposta que permite favorecer a- rientação do STJ para a uniformização da jurisprudência", explicou o ministro.»

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quarta-feira, novembro 22, 2006

Empreitadas - reconhecimento do direito

Nas acções sobre cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, quase sempre se levantam dificuldades variadas. Elas são, muitas vezes, difíceis de peticionar, difíceis de contestar e, para o juiz, difíceis de despachar (no saneador) e decidir.

Nelas se levanta, muitas vezes, o problema do reconhecimento, pelo empreiteiro, do direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, que, nos termos do artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil, impedirá a caducidade.
A alegação do reconhecimento tem que ser feita, aqui, com extremo cuidado. O critério traçado no acórdão do STJ de 25/11/1998 (BMJ 481-430), particularmente elucidador a este respeito, aponta para a alegação de factos que consubstanciem um reconhecimento expresso, correcto e preciso (cfr., adoptando esta formulação, os fundamentos do acórdão do STJ de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1450). Neste último processo, de 2006, o autor havia alegado que o Réu, "[c]ontactado várias vezes pelo A. para concluir a obra, eliminar os defeitos e executar a obra do sótão, também em Janeiro de 2000 e em 14/02/2000, embora com promessas animadoras, nada fez", tendo-se considerado que tal alegação não permite saber "quais os concretos defeitos que foram denunciados em Janeiro e Fevereiro de 2000 e por, outro lado e, sobretudo, nada foi alegado ou provado sobre o momento do reconhecimento". Note-se que, usando expressão retirada de outro aresto, os factos alegados e provados não podem deixar "dúvidas de que o devedor aceitou o direito alegado pelo credor" (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-06-2006, proferido no processo n.º 0633332).

Como facto que interessa ao autor provar, o reconhecimento deve ser alegado em termos detalhados, imputando ao réu uma declaração(*) concreta, temporalmente delimitada, da qual se possa extrair a delimitação do objecto do reconhecimento.

Raras vezes haverá a sorte de o empreiteiro responder a uma denúncia de defeitos com uma carta em que, referindo-se a eles especificadamente, se dispõe a eliminá-los, pois nesses casos o reconhecimento será inequívoco, de prova e alegação simplificadas (cfr. acórdão do STJ de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1440, que tem, ainda, o interesse suplementar de analisar a equiparação do empreiteiro a dono da obra, nas suas relações com o subempreiteiro). As mais das vezes, o reconhecimento é verbal e, embora isso não impeça a produção dos seus efeitos, pois não tem de obedecer a qualquer formalidade (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-02-99, proferido no processo n.º 0063072), a formulação verbal dificulta extraordinariamente a prova, que fica praticamente dependente do depoimento das testemunhas, da improvável admissão pelo réu ou de uma ainda mais rara inversão do ónus.

Ainda em matéria de caducidade, pode ser útil consultar o acórdão do STJ de 18-05-2006, proferido no processo n.º 06A940, no qual se decidiu que "se numa compra e venda de imóvel de longa de duração feita por construtor-vendedor as partes tiverem decidido por mútuo acordo encomendar um estudo para determinar se existiam os defeitos de construção denunciados pelos compradores, não se inicia o prazo de caducidade do art.º 1224º, nº 1, do Código Civil sem que o estudo se conclua e as partes definam com exactidão o seu posicionamento face aos resultados obtidos."
A fundamentação é a seguinte: "o prazo de caducidade do direito accionado deve contar-se a partir [da] data em que os autores ficaram a saber que, enjeitando a ré qualquer responsabilidade pelos defeitos da obra detectados, dispunham de um ano para em juízo a convencer do contrário. Antes disso, não pode com razoabilidade sustentar-se que o direito estava em condições de legalmente ser exercido. Tendo as partes decidido, por mútuo acordo, encomendar um estudo para confirmar ou infirmar a existência dos defeitos e determinar as suas causas, claro está que, sem o estudo concluído e sem a definição exacta da posição dos contraentes face aos resultados obtidos, nenhum sentido faz aludir à caducidade; se esta, por assim dizer, é o morrer de um direito em consequência do esgotamento de um prazo, torna-se uma incongruência chamá-la à colação quando ainda não é seguro que ele, direito, tenha sequer nascido e ficado alojado na esfera jurídica do interessado." Note-se que (ao contrário do posição assumida na decisão recorrida) o tribunal não considerou a vontade das partes directamente relevante para apurar o momento de início do prazo, fundando-se apenas na razão de ser do regime da caducidade.

(*) Não estando sujeito a forma, nada impede, teoricamente, que o reconhecimento assente num comportamento de onde se deduza uma declaração tácita (cfr. artigo 217.º do Código Civil). Simplesmente, será dífícil que um tal comportamento satisfaça todos os requisitos supra apontados para as cabais alegação e prova do reconhecimento.

Post Scriptum - para terminar, deixo aqui uma questão sem resposta (tendo chegado a uma conclusão, ainda hesito entre duas vias de fundamentação), para "recreio" do leitor. Imagine-se que o dono da obra denuncia os defeitos remetendo carta registada com aviso de recepção ao empreiteiro. Este recusa-se a recebê-la. O dono da obra insiste uma vez mais, pelo mesmo meio, e o empreiteiro de novo recusa receber a carta. Entretanto, o dono da obra intenta a acção, tendo esgotado o prazo de caducidade se o contarmos a partir da data da primeira carta. O réu empreiteiro invoca a caducidade alegando algo como isto: como só por minha culpa exclusiva não recebi a declaração do autor, aplica-se o regime do artigo 224.º, n.º 2 do Código Civil e ela deve considerar-se eficaz, contando-se a partir daí o prazo (de caducidade) para exercer o direito por via da acção. Quid iuris?

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terça-feira, novembro 21, 2006

Actualizações

Foi actualizada a secção "Processo Civil à volta do mundo", que passa a incluir:

- o Code de Procédure civile, commerciale, administrative et financière da República Democrática do Congo;
- o Código de Processo Civil do cantão de Berna, Suíça;
- o Civil Procedure act das Ilhas Marshall; e
- legislação variada sobre Processo Civil de Nauru.

Aos meus alunos - uma nota mais, ainda sobre incompetência

Quando há incompetência relativa, transitada em julgado a decisão que a declare, a questão fica definitivamente resolvida (caso julgado formal) - cfr. artigo 111.º, n.º 2 do CPC. Isto significa que o tribunal que recebe o processo remetido nos termos da primeira parte do n.º 3 do artigo 111.º do CPC não pode reapreciar a mesma questão naquele processo. No entanto, esta impossibilidade restringe-se apenas à (re)apreciação da questão concretamente decidida (de incompetência relativa), não impedindo que o tribunal que recebe o processo aprecie a questão da incompetência absoluta (no pressuposto, claro está, de tal questão ainda não ter sido decidida no dito processo, com força de caso julgado formal). Veja-se, a este propósito, a fundamentação do acórdão do STJ de 16-05-2002, proferido no processo n.º 02B1348, e ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa: Lex, 1997, pág. 133 e José Lebre de freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pág. 205.

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Aos meus alunos - algumas notas sobre a incompetência

A busca de jurisprudência sobre incompetência absoluta e incompetência relativa pode gerar alguns equívocos, caso não se preste alguma atenção à hipótese concreta. Os ditos regimes são, à partida, fáceis de distinguir. Assim, por exemplo:

- se A intentar uma acção contra B nas varas cíveis do Porto, reivindicando um prédio urbano de que se arroga proprietário, sito em Coimbra, verifica-se a incompetência relativa do referido tribunal, pois seriam territorialmente competentes as varas mistas de Coimbra, pressupondo que o valor da acção é superior à alçada da Relação (cfr. artigos 108.º e 73.º do CPC, não se admitindo, neste caso, pacto de competência, nos termos dos artigos 99.º e 110.º, n.º 1 do CPC);

- se C, residente em Lisboa, intentar contra D, também ali residente, uma acção, nos juízos cíveis da comarca de Lisboa, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento, verifica-se incompetência absoluta deste tribunal, pois seria competente, em razão da matéria, o Tribunal do Trabalho de Lisboa (cfr. artigos 101.º do CPC e 85.º, al. b) da LOFTJ);

- se E intentar, no Tribunal Judicial de Viseu, uma acção contra o Ministério da Saúde, na qual pede a declaração de nulidade de um acto administrativo praticado pelo respectivo ministro, verifica-se a incompetência absoluta daquele tribunal, pois seriam competentes os tribunais administrativos (cfr. artigos 101.º do CPC, 18.º, n.º 1 da LOFTJ e 4.º, n.º 1, al. c) do ETAF).

A principal diferença entre a segunda e a terceira hipótese é que, naquela, a incompetência absoluta, restrita à violação das regras de competência em razão da matéria dentro da ordem dos tribunais judiciais, segue o regime do artigo 102.º, n.º 2 do CPC, enquanto que a última tem o seu regime previsto no n.º 1 da mesma norma.

A dificuldade pode surgir quando o aluno encontra um acórdão como este (do STJ de 17-02-2005, proferido no processo n.º 04B3944), em que o Tribunal de Família e Menores de Aveiro se declarou incompetente para julgar determinada acção, remetendo-o para o tribunal da comarca de Santa Maria da Feira. Porque será que o STJ considerou tratar-se aqui de uma hipótese de incompetência relativa? Não deveria tratar-se de uma questão de incompetência absoluta (tribunal de comarca vs. tribunal de competência especializada)?

Não necessariamente. Olhado com atenção, o acórdão revela-nos que o Tribunal de Família e Menores de Aveiro se declarou incompetente por entender que o processo pertencia territorialmente ao foro de Santa Maria da Feira. Uma vez que o foro de Santa Maria da Feira não é abrangido territorialmente por qualquer Tribunal de Família (salvo para efeitos do disposto no nº2 do artigo 84º da LOFTJ, o que não sucedia naquele caso - cfr. Regulamento da LOFTJ), então o processo teria de ser recebido pelo tribunal de comarca.

Deste modo, apesar de o processo transitar de um tribunal de competência especializada para um tribunal de competência genérica, tal deveu-se a um juízo sobre a aplicação das normas de competência territorial e não sobre a aplicação das normas de competência em razão da matéria. Daí o acórdão em causa seguir o regime da incompetência relativa. A chave para a compreensão da questão passa pela análise da letra do artigo 108.º do CPC, onde se refere que se verifica a incompetência relativa quando se infringem normas de competência fundadas "na divisão judicial do território" - conceito que inclui sem dificuldade o juízo supra descrito.

A situação já seria claramente de incompetência material se tivesse sido intentada uma acção de divórcio no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, sendo da competência do Tribunal de Família e Menores de Aveiro.

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segunda-feira, novembro 20, 2006

(Un)due process II

Infelizmente, o julgamento de Saddam Hussein deixa-nos, acima de tudo, o sabor amargo de uma oportunidade perdida.

(Un)due process

"A Human Rights Watch (HRW), organização não-governamental sedeada em Nova Iorque, publicou esta segunda-feira um relatório em que condena a sentença de morte imposta ao antigo ditador iraquiano, que foi o culminar de um julgamento «injusto», segundo a organização.

Falhas processuais, administrativas e legais; a ingerência dos governos americano e iraquiano; o assassínio de três advogados de Saddam e a substituição de três dos cinco juízes do colectivo, incluindo o juíz-presidente, levam a HRW a considerar que o julgamento do antigo ditador não foi justo.

A organização aponta ainda o desaparecimento de documentos, a não existência de uma transcrição das sessões e os entraves impostos à equipa de defesa de Saddam para a apresentação de recursos como falhas graves.

A HRW afirma assim que a sentença de 5 de Novembro é «indenfensável», para além de considerar a pena de morte «um castigo inerentemente cruel e desumano».

Em declarações à BBC, tanto a acusação como o governo iraquiano recusam as conclusões do relatório e reafirmam a justiça do veredicto."

Fonte: Sol online. Jornalista: Pedro Guerreiro.

Processo Penal - Facturação detalhada - Fase de inquérito - Juiz de instrução

Apesar de este ser um blog que dedica especial atenção ao direito processual civil, não deixa de reflectir o meu interesse por outros ramos, justificando-se o desvio sempre que encontrar alguma decisão de maior relevância ou utilidade prática ou teórica.
Assim se justifica uma passagem pelo direito processual penal para dar conta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2006, proferido no processo n.º 915/06.2TAAVR-A.C1, onde se decidiu que "na fase de inquérito, é da competência do juiz de instrução, e não do Ministério Público, ordenar a uma operadora telefónica a remessa de cópia de facturação detalhada de determinado número de telefone."

Os fundamentos, que podem ser lidos em pormenor na ligação supra, passam pelo reconhecimento de que em causa, nesta hipótese, está o direito à reserva da vida privada dos utilizadores de telecomunicações, razão pela qual deve presidir à sua afectação uma ponderação jurisdicional, citando-se jurisprudência, doutrina e um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre esta matéria.

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Arbitragem voluntária

Estão disponíveis alguns comentários e números sobre arbitragem voluntária, com base em texto do Diário de Notícias, no blog Vexata Quaestio.

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O (des)apoio judiciário

Li no Lex Fundamentalis, mais concretamente aqui, a reprodução de uma peça do "Portugal Diário", na qual se relata que um advogado, desanimado com a concretização do apoio judiciário, escreveu a várias entidades, alertando para um problema muito concreto: apenas os indigentes podem ser verdadeiramente apoiados.

Muito se escreveu já sobre o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais. Não vale a pena insistir neste ponto. Dele decorre algo tão simples como isto: independentemente da imposição de taxas pela utilização do serviço público de justiça, é uma obrigação do Estado proporcionar aos que que não podem custeá-las um meio de aceder aos tribunais, de modo que a situação de carência não constitua um obstáculo ao exercício dos seus direitos por via judicial.

Nos processos cíveis, o pedido de apoio judiciário era formulado, há uns anos atrás, por requerimento dirigido ao juiz, juntando prova da carência, que aquele apreciava.
Considerando que esta tarefa atrasava o andamento dos processos, o legislador confiou a apreciação dos pedidos aos serviços da Segurança Social, com recurso da decisão para o juiz.

Após a "experimentação" dos primeiros critérios para atribuição do benefício, a legislação "estabilizou" num conjunto de fórmulas estatuídas pelas Portarias 1085-A/2004, de 31 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 91/2004, de 21 de Outubro) e 288/2005, de 21 de Março.
Reconhecendo implicitamente (e até explicitamente, através de declarações de membros do Governo na altura) que o sistema falhava ao não controlar convenientemente o abuso do benefício por parte de alguns sujeitos, o Estado cedeu à tentação covarde de pura e simplesmente fechar a torneira.
As fórmulas assentam nesta aberração: presume-se - presunção inilidível! - que a família "X", com rendimentos "Y", tem encargos com necessidades básicas do agregado familiar que ascendem a "Z", sendo que não é possível contestar o valor de "Z", que resulta puro e asséptico da aplicação da fórmula. Pouco importa que o agregado familiar tenha incontáveis despesas de medicamentos ou se veja obrigado a suportar encargos suplementares que não pode evitar.

Ainda assim, até para uma família sem encargos extraordinários os resultados são insustentáveis. Basta pensar que um casal de reformados que, no conjunto, receba 700 euros por mês não é isento do pagamento de custas. Terá de pagá-las faseadamente (como se o pagamento faseado não onerasse efectivamente a família). E este pagamento faseado não envolve um tecto ou limitação, o que significa que esta família concreta poderá suportar, às prestações, custas judiciais de 1.000, 2.000, 3.000, 4.000 euros, até ao infinito.

Pelo contrário, uma sociedade comercial pode livremente fazer reflectir as despesas normais na sua contabilidade, servindo esta de base à análise com vista à concessão do benefício.

Seja por desejo de poupar, seja por reconhecimento de não poder controlar, este é um regime que deve envergonhar o Estado. Muito se escreveu, na altura, contra ele. Entretanto, como é natural, os ânimos foram serenando, até porque os mais afectados por esta medida não têm voz audível nos espaços que hoje influenciam as decisões, o que, em boa verdade, deve obrigar-nos a tomar posição.

É, pois, importante lembrar constantemente, enquanto a lei estiver em vigor, que são injustos os resultados a que conduz, que são absurdos e irrealistas os pressupostos de que parte e, acima de tudo, que representam um sinal indesculpável de desrespeito, por parte do Estado, por todos - repito: todos! - os direitos que qualquer pessoa carenciada tenha que exercer judicialmente.

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Legislação brasileira

Aqui fica uma ligação directa à legislação brasileira, colhida no "Blog de Informação", do Dr. Jorge Langweg, que deixa ali, não só a ligação propriamente dita, como um recado muitíssimo oportuno e conveniente.

domingo, novembro 19, 2006

Aos meus alunos - competência internacional - alguma jurisprudência

Na sequência da aula teórica de 17 de Novembro, sobre competência internacional, segue-se um brevíssimo apanhado de jurisprudência que traduz a aplicação prática dos preceitos estudados (um para cada categoria de normas).

I - Aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001
1) Acórdão do STJ de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316: "1. O Regulamento CE nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, entrou em vigor no dia 1 de Março de 2002 e aplica-se às acções judiciais intentadas depois disso, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, salvo a Dinamarca, prevalecendo sobre as sua regras de competência internacional dos tribunais de origem interna.
2. A alínea b) do nº 1 do artigo 5º do referido Regulamento, inspirada pelas ideias de a obrigação característica do contrato de compra e venda ser a do vendedor, da necessidade de foro alternativo em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio e de atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro, não consagra presunção simples ou ilidível.
3. O normativo mencionado sob 2 abrange, salvo convenção em contrário, qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a de pagamento da contrapartida monetária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.
4. Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção de condenação envolvente de duas sociedades comerciais, uma portuguesa e outra espanhola, na qual a primeira pede contra a segunda o pagamento do preço, que devia ser pago por esta àquela em Portugal, relativo a um contrato de compra de coisas que deviam ser entregues em Espanha."


2) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-06-2006, proferido no processo n.º 0632189: "I - São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.
II - Vigoram na ordem jurídica portuguesa normas de fonte interna e normas de fonte supraestadual.
III - Destas, destacam-se, como fonte comunitária e com relevo para o caso dos autos, o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1.3.2002, substituindo entre os Estados Membros da EU (com excepção da Dinamarca) a Convenção de Bruxelas de 1968.
IV - O Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (arts. 1º, 68º e 76º e, em Portugal, o art. 8º da CRP) e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nos arts. 65º, 65ºA, 99º, 1094º e 1102º do CPC.
"

3) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-05-2006, proferido no processo n.º 0620651: "I - Para aplicação do disposto no art. 23.º n.º1 do Regulamento CE n.º 44/01 não basta que pelo menos uma das partes seja domiciliada num Estado-membro e que tenham convencionado atribuir a este a competência para dirimir conflitos
II - Necessário se torna ainda que a situação concreta contenha elementos de estraneidade que lhe confiram carácter internacional.
III - Tendo em vista impedir que as partes subtraiam a causa a normas jurídicas imperativas em princípio aplicáveis, é de exigir que a relação jurídica de que a lide resulta tenha os tais elementos de estraneidade, que retirem artificialidade ao pacto atributivo de competência."


II - Aplicação da Convenção de Lugano
Acórdão do STJ de 16-02-2006, proferido no processo n.º 05B4294: "[E]m litígio privado internacional, entre duas sociedades comerciais, a autora com sede em Portugal, a ré com sede na Suíça, as normas da Convenção de Lugano Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, celebrada em 16-09-88, respeitantes à competência internacional, prevalecem sobre os artºs. 65º, 65º-A e 99º do CPC."

Nota: aplica-se, neste caso, a Convenção de Lugano, uma vez que a Suíça é signatária da referida Convenção e, não se tratando de um Estado-Membro, os regulamentos comunitários sobre competência internacional não são aplicáveis às relações entre tal Estado e Portugal.


III - Aplicação das normas de direito interno (CPC)
Acórdão do STJ de 14-01-1998, proferido no processo n.º 97A871: "Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para decidir a acção proposta pela Radiotelevisão Portuguesa, SA, contra a TV Globo, Lda., em que a causa de pedir é complexa, situando-se no Brasil todos os factos integrantes, isto é, um contrato (protocolo) cujo cumprimento se pede, o qual foi celebrado no mesmo País, e ainda as condutas que corporizam o incumprimento das obrigações assumidas pela Ré através de tal contrato."

Nota: a incompetência dos tribunais portugueses, neste caso, deve-se à circunstância de não ocorrer nenhum dos pressupostos da competência internacional previstos nos artigos 65.º e 65.º-A do CPC, designadamente - porque aqui se levantava a questão de perto - o que consubstancia o "critério da causalidade". Esta decisão revogou uma outra do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-07-96, no processo n.º 0002711, que pode encontrar-se aqui.

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sábado, novembro 18, 2006

Jurisprudência - Tribunal da Relação de Coimbra - Competência em razão da matéria (tribunais judiciais / tribunais administrativos)

Decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2006, proferido no processo n.º 101/05.9TBCVL.C1, o seguinte:

"1. As acções de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, al. g) do ETAF), bem como as que visam promover a prevenção, cessação e reparação de violação de interesses difusos em matéria de ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas (al.l) e todas as outras previstas no mesmo artigo 4º, são da competência dos tribunais administrativos e fiscais quando o litígio assenta numa relação jurídica administrativa ou fiscal.

2. O âmbito de aplicação da acção popular administrativa e da acção popular civil depende, não da natureza dos interesses em causa, mas sim da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio.

3. São da competência dos tribunais administrativos e fiscais as acções populares administrativas, referidas no artigo 12º, nº1 da Lei 83/95, de 31/08 – acções populares cuja relação jurídica litigiosa é de natureza administrativa ou fiscal. E serão do foro comum as acções populares de natureza civil referidas no nº2 do artigo 12º.

4. O tribunal civil comum é competente, em razão da matéria, para conhecer do pedido feito, em acção popular, por um cidadão contra a Junta de freguesia, pedindo a alteração de construções do seu domínio privado, por forma a obedecer ao Regime Municipal das Edificações Urbanas e às normas ambientais, a retirar as placas que induzem à identificação errónea das construções e ainda a responder por danos emergentes das alegadas violações."

sexta-feira, novembro 17, 2006

Jurisprudência STJ - trânsito em julgado - prescrição - imputabilidade da absolvição da instância

Foi hoje disponibilizada uma decisão do STJ que me despertou a atenção - o acórdão de 15-11-2006, proferido no processo n.º 06S1732. Eis um resumo das questões que me parecem mais interessantes, ali decididas. No final, apresento algumas referências suplementares.

1) Proferida uma decisão, o trânsito em julgado dá-se ao décimo dia ou apenas após o esgotamento do prazo suplementar de três dias previsto no artigo 145.º do CPC?
O STJ considerou, neste aresto, que aqueles dias suplementares não relevam para a determinação do prazo se não forem efectivamente utilizados. A fundamentação é a seguinte (com realçado meu):

"(...)É certo que o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil permite que, independentemente de justo impedimento, o acto processual sujeito a prazo peremptório possa ainda ser praticado depois de decorrido esse prazo, desde que a prática do acto ocorra dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo peremptório, ficando a sua validade dependente do pagamento de multa.

Porém, conforme se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de Fevereiro de 2004, proferido na Revista n.º 4156/03, da 6.ª Secção, «o prazo de três dias concedido pelo artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, é um mero prazo de tolerância que não afecta a contagem do prazo para interposição do recurso, nem para apresentação de reclamações, nem, portanto, para o trânsito em julgado da decisão, prazo esse que é de apenas dez dias nos termos dos artigos 685.º, n.º 1, ou 153.º [ambos] do Código de Processo Civil, e que não é alargado por aquele n.º 5 do artigo 145.º» (em sentido contrário, cf. ABÍLIO NETO, Código de Processo Civil Anotado, 18.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2004, p. 928, anotação ao artigo 677.º).

De facto, como se salienta no apontado aresto deste Supremo Tribunal, o texto do n.º 5 do artigo 145.º citado refere-se, expressamente, ao «termo do prazo» para a prática do acto processual, o que «mostra claramente que o legislador continua a considerar o prazo inicialmente fixado para a prática dos actos processuais, nomeadamente para a interposição de recurso ou reclamação, como um prazo autónomo, que se mantém inalterado, apenas concedendo por mera tolerância condicional um outro, subsequente, em condições que indica, mas que não impede que o primeiro se extinga».

Assim, o prazo máximo de condescendência para prática de acto processual mediante pagamento de multa, fixado no n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, não constitui um alargamento do prazo peremptório de que a parte legalmente dispõe para a prática do acto, antes configura um prazo suplementar, o aditamento de um novo prazo dentro do qual as partes têm ainda o direito de praticar o acto.

Nesta conformidade, aquele prazo suplementar só poderá contar para efeitos de determinação do trânsito em julgado da decisão se o direito de praticar o acto dentro desse prazo for efectivamente exercido ou, dito de outra forma, só o exercício do direito de praticar o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo peremptório obsta à ocorrência do trânsito em julgado da decisão após o termo deste prazo."


2) A remissão feita, no artigo 144.º, n.º 4 do CPC, (aplicabilidade das regras dos prazos processuais ao prazo para propositura de acção) permite que a acção seja intentada nos três dias úteis após o termo do prazo para propô-la?

A resposta, aqui negativa, é evidente (várias razões militam contra tal solução, desde logo a não aptidão daquelas normas do artigo 145.º do CPC para serem aplicadas a prazos de caducidade com uma raiz substantiva). Entendeu-se, na citada decisão, que
"o sentido da expressão «[o]s prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores», empregue no preceito em exame, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Dos actos processuais», só pode ser entendido como referindo-se à submissão daqueles prazos ao concreto regime estabelecido nos n.os 1 a 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, e não a outras regras pertinentes aos prazos processuais, nomeadamente, as dos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do mesmo Código.

Se o legislador pretendesse a submissão dos prazos para a propositura de acções previstos no Código de Processo Civil às regras dos prazos processuais, certamente que o consagraria, expressa e literalmente, no inciso em apreciação."


3) «Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses» - artigo 327.º, n.º 3 do Código Civil. O que deve considerar-se "motivo imputável ao titular do direito", na interpretação desta norma? Eis a conclusão do STJ e respectiva fundamentação.

"Imputar significa atribuir um facto concreto ao seu agente.

Contudo, a imputação de um facto envolve dois momentos distintos: um objectivo, em que se relaciona a acção ao seu agente, e um outro subjectivo, em que se opera a delimitação da culpa ou da responsabilidade de um acto, ajuizando sobre a eventual censura do comportamento, doloso ou negligente, do agente.

No dizer de ANSELMO DE CASTRO (ob. cit., p. 274
) [a obra citada é "Direito Processual Civil Declaratório", vol. II, Almedina, Coimbra, 1982], «[d]ifícil será, na verdade, o caso em que seguramente possa dizer-se que a absolvição da instância não seja imputável ao autor».

Já para VAZ SERRA («Prescrição Extintiva e Caducidade», em Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, Maio, 1961, p. 257, nota 1010, 3.º §), pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num tribunal incompetente, por exemplo, «por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência».

E prossegue este AUTOR na nota citada, «[p]arece, pois, de dispor que, se o pedido judicial é rejeitado por algum motivo processual, não imputável ao autor, tem este um prazo suplementar de sessenta dias para fazer valer o seu direito, caso o prazo da prescrição tenha findado entretanto, contando-se aquele prazo da publicação ou notificação da sentença, conforme ela não deva ou deva ser notificada».

Ora, tendo sobretudo em conta considerações teleológicas ligadas à razão de ser da norma (ratio legis) e ao fim visado pelo legislador ao consagrar o princípio da manutenção do efeito interruptivo da prescrição em nova acção, quando ocorra absolvição da instância na primeira acção, entende-se que a definição conceitual de «motivo processual não imputável ao titular do direito», explicitado no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil, deve alicerçar-se, essencialmente, na ideia de culpa — é este, aliás, o comando legal implícito na solução da lei.

Resulta, pois, do exposto que para a absolvição da instância ser imputável ao titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso."

Sobre a questão do trânsito em julgado, note-se a posição de Abílio Neto, supra referida, contra o sentido da decisão, embora não acompanhada por doutrina que eu conheça.
Ainda quanto ao mesmo tema,
o Professor Lebre de Freitas e o Dr. Armindo Ribeiro Mendes não tomam posição expressa na anotação ao artigo 677.º do CPC, mas parece decorrer das suas considerações a aceitação de que o prazo é de dez dias (cfr. CPC anotado, vol. 3.º, pág. 7). Chamam, porém, a atenção para o facto de o artigo 19.º, n.º 4 do Regulamento (CE) n.º 1348/2000 permitir que o juiz "releve", em certas hipóteses, o esgotamento do prazo peremptório para interposição de recurso, remetendo para a conhecida obra do Dr. António da Costa Neves Ribeiro "Processo Civil da União Europeia" (mais concretamente para aquele que será, hoje, o 1.º volume, pois existem já dois, a pp. 315-317).
O Dr. Lopes do Rego não anota a norma.


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quinta-feira, novembro 16, 2006

Jurisprudência STJ - prescrição

Foi disponibilizado hoje no website da DGSI o acórdão do STJ de 09-11-2006, proferido no processo n.º 06B3918. As principais conclusões que se podem dele extrair são as seguintes (chamo especial atenção para o terceiro ponto, relativo à alegação da prescrição presuntiva, pois salienta uma necessidade muitas vezes descurada na contestação).

1) É irrelevante a "impugnação" da selecção da matéria de facto no corpo das alegações se, nas conclusões do recurso, nada se referir quanto a essa matéria.

2) Para qualificar um contrato como "empreitada" não é necessário que o preço seja previamente fixado entre as partes, sendo apenas relevante a prestação de realização de uma obra mediante remuneração, considerando-se obra como resultado material, abrangendo a construção, a reparação, a modificação e mesmo a demolição de uma coisa.

3) Para beneficiar da presunção de pagamento constante da alínea b) do artigo 317.º do Código Civil, não basta ao réu simplesmente alegar que já pagou, sendo imprescindível a invocação expressa do regime da prescrição, sem a qual o tribunal não deve considerá-la na decisão.

Para um estudo sobre a diferente disciplina da prescrição presuntiva face à prescrição comum, recomendo vivamente a leitura do acórdão do STJ de 12-09-2006 proferido no processo n.º 06A1764. Ainda sobre esta matéria, no acórdão do STJ de 27-02-2003, proferido no processo n.º 03B3894, entendeu-se que não basta alegar a prescrição, sendo sempre necessário invocar também o pagamento (ou seja, não basta invocar a presunção, há que alegar o próprio facto - pagamento - objecto da presunção). Neste último acórdão, há mais referências jurisprudenciais, que podem, finalmente, encontrar-se, também em abundância, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-10-2005, proferido no processo n.º 0523106.

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