quarta-feira, janeiro 31, 2007

"Um blog sobre...": movimento de expansão?

A minha amiga Sandra Passinhas, que muitos dos leitores desta página conhecerão através das obras que tem escritas sobre propriedade horizontal, comunicou-me a intenção de escrever, também, um blog, brevemente. Vai chamar-se "Um blog sobre propriedade horizontal" (primo deste meu, portanto). Para já, está em construção. Quando ficar concluído, anunciarei o respectivo endereço.

Actualização do template

O template do blog foi actualizado. Anteriormente, quando era carregado apenas um post, não apareciam os comentários, que eram acessíveis apenas a partir da listagem da página principal. Agora, após um ligeiro acerto que se agradece à autora do template, os comentários aparecem juntamente com o post isolado, quando se carrega apenas este (veja-se, por exemplo, aqui).

Jurisprudência Constitucional

Foram hoje publicados na II Série do Diário da República os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 690/2006 e 691/2006, a que havia já feito referência aqui.

Exclusividade da competência dos julgados de paz - novidades

Foi publicado um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o problema da exclusividade da competência dos julgados de paz, no qual se entendeu que a competência em causa não é exclusiva. Sendo uma das ainda poucas tomadas de posição do Supremo (cfr. a lista actualizada infra), transcreverei o essencial da sua fundamentação. O acórdão em causa é de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4032, por unanimidade, e retira alguma força à afirmação do meu último post sobre a matéria, onde indiquei que a corrente da exclusividade ganhava terreno. Por outro lado, continua acesa - eu diria mesmo incandescente - a discussão.
Antes disso, porém, quero indicar que me dei conta, ao ler o acórdão, da existência de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre este problema (parecer este que eu ainda não tinha lido), que também se pronuncia pela concorrência de competência entre tribunais judiciais e julgados de paz. Trata-se do parecer n.º 10/2005, de 17 de Agosto de 2005, disponível online
aqui e no DR, II Série, n.º 169, de 2 de Setembro de 2005, pp. 12840 e ss. Note-se que "por despacho de 10 de Maio de 2005, o Procurador-Geral da República determinou que a doutrina deste parecer seja seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público (artigos 12.o, n.o 2, alínea b), e 42.o, n.o 1, do Estatuto do Ministério Público)".

Eis, então, o essencial da fundamentação do
acórdão de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4032. No final desta transcrição, encontra-se a lista actualizada de jurisprudência sobre esta matéria. Tal lista vai agora, também, aumentada com outras decisões referidas no acórdão citado.

"A questão de saber se a competência material dos julgados de paz é optativa, ou exclusiva, relativamente aos tribunais judiciais com competência territorial concorrente, não tem sido pacífica, podendo mesmo dizer-se que se trata de mais uma vexata quaestio, na doutrina e na jurisprudência.
Assim, o Conselheiro Cardona Ferreira, Presidente do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, considera o artº 9º e a competência material que estabelece, como fundamental, dado que tipifica, em exclusividade, a competência material desses tribunais (Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento, pág. 29).
Sustenta o mesmo Autor, em termos mais claros (Julgados de Paz – Cidadania e Justiça – Do passado, pelo presente, para o futuro, no Boletim da Ordem dos Advogados, nº 23, Novembro-Dezembro, págs. 42-46), que a competência dos julgados de paz não é optativa, mas, sim, vinculativa, ou seja, onde houver julgados de paz e na medida das suas competências, as respectivas acções devem ser propostas nos julgados de paz e não nos tribunais comuns.
Por seu turno, Joel Timóteo Ramos Pereira e João Miguel Galhardo Coelho, citados no ac. do STJ, de 5.7.2005 (na CJSTJ 2005, II, 154) são também da opinião de que a competência material fixada no referido artº 9º é exclusiva aquando da instauração da acção, sendo obrigatória a interposição nos julgados de paz, uma vez que a parte não tem a faculdade de escolher entre a instauração no julgado de paz ou no tribunal judicial, ocorrendo violação dos artºs 211º da Constituição e 66º do CPC se a demanda for instaurada no tribunal judicial das 1ª instância.
Na mesma linha, expendeu-se no aresto deste STJ, de 4.3.2004, processo 03B3646, em www.dgs.pt, que a partir da sua instalação nas freguesias por eles abrangidas, os julgados de paz são exclusivamente competentes para apreciar e decidir as acções declarativas resultantes de direitos e deveres dos condóminos, sempre que a respectiva assembleia não tenha deliberado sobre a obrigatoriedade de compromisso arbitral, para resolução dos conflitos entre condóminos ou entre eles e o administrador, desde que as questões não excedam a alçada do tribunal de 1ª instância.
Também no acórdão o STJ, de 3.10.2006, tirado no agravo nº 2.396/06, se decidiu no mesmo sentido.
Ainda na mesma senda, o acórdão da Relação do Porto, de 27.6.2006, processo 0623377, no sítio www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, porém, isto é, de que no actual quadro jurídico a competência material dos julgados de paz é optativa relativamente aos tribunais judiciais com competência territorial concorrente, pronunciaram-se o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 21.4.2005 (PGRP00002598, em www.dgsi.pt) e o acórdão da Relação de Lisboa, de 18.5.2006, na CJ 2006, III, 99.
Sem querer de modo algum menosprezar a argumentação que suporta a primeira apontada tese, optamos por julgar a competência material em referência como meramente facultativa, paralela à dos juízos de pequena instância, nas matérias indicadas no artº 9º da Lei nº 78/2001.
Admitimos que criação dos julgados de paz tenha sido uma medida tendente a lograr o descongestionamento dos tribunais judiciais relativamente a algumas matérias, e a criar uma forma de rápida solução de questões que são prima facie simples, com recurso à mediação e participação cívica dos interessados.
O escopo do descongestionamento seria melhor atingido se a competência atribuída fosse exclusiva, o que mais eficazmente minimizaria o desequilíbrio entre a demanda da tutela do judiciário e a capacidade de resposta do sistema jurisdicional.
Com a competência material exclusiva dos julgados de paz melhor se libertariam os tribunais judiciais das “questões menores”, proporcionando-se também aos cidadãos uma justiça mais célere, mais próxima e menos onerosa.
Todavia, ao invés do que acontecia em anteriores projectos, a Lei nº 78/2001 não diz no artº 9º (nem em qualquer outro lugar) que a competência é exclusiva, sinal de que o legislador quis, a final, postergar a atribuição de competência imperativa aos julgados de paz.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa (artigo 209º nº2) coloca os julgados de paz ao nível dos tribunais arbitrais, arredando-os da categoria dos tribunais judiciais, prevendo a possibilidade de formas de composição não jurisdicional de conflitos no artº 202º, nº 4.
Os julgados de paz consubstanciam uma estrutura paralela, necessariamente menor, com vocação para, com mais celeridade, buscar a mediação e a conciliação, em processo menos formal.
O Decreto-Lei nº 539/79, de 31 de Dezembro (que não chegou a ser ratificado – e portanto a produzir efeitos – “ex vi” Resolução da Assembleia da República nº 117/80, de 31 de Maio), que antecedeu a nova legislação, consagrava, em matéria cível, uma competência alternativa, visto resultar da aceitação das partes.
A Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que aprovou a organização e funcionamento dos julgados de paz – na sequência da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, que introduziu no artº 209º, nº 2 da Constituição da República a possibilidade da criação daqueles julgados – não tem qualquer norma a consagrar a competência exclusiva da nova estrutura, que surge desenhada como um meio alternativo de equidade, vocacionado para permitir “a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes.” (artigo 2º nº1).
Como se refere no citado Parecer da PGR, de 21 de Abril de 2005 (DR, II, de 2 de Setembro de 2005 e no sítio www.dgsi.pt), “no actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz é optativa, relativamente aos tribunais judiciais, com competência territorial concorrente”, sendo que a “questão da competência exclusiva nunca foi erigida em elemento nuclear da nova organização, não foi especificamente discutida, nem se adoptaram alterações ao Código de Processo Civil ou à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que possam ser tidas como contributo interpretativo. Também o texto final adoptado, que se afastou, sem justificação, do regime de competência exclusivo e residual que constava do projecto, não fornece qualquer apoio hermenêutico sobre a intenção legislativa.”
Ademais, na sua declaração de voto (in “Diário da Assembleia da Republica”, I, 89, de 1/6/2001, p. 3510) um deputado chamou a atenção para “este modo de realização da justiça” (…) que “apela mais à responsabilidade das partes do que propriamente ao poder soberano que o Estado tem para decidir as causas”, e que “competirá às partes dizer se querem rapidamente pôr termo ao litigio ou se querem arrastá-lo através das formas tradicionais da justiça dos tribunais”, e nada foi então dito em sentido contrário a esta declaração (o negrito e os sublinhados são da nossa lavra).
A possibilidade de transferência do processo dos julgados de paz para os tribunais judiciais (nas situações dos artigos 41º e 59º nº3 da Lei nº 78/2001) mais convence da não consagração da competência exclusiva, já que não há, ao invés do que defendem certos autores, competências “semi-exclusivas”, com cisão das regras de competência material de acordo com o percurso processual. A competência ou é exclusiva ou meramente optativa, como aqui se afigura ser, não havendo um tertium genus.
E como bem se salienta no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, não faz sentido que os tribunais judiciais adquiram competência apenas quando sejam suscitados incidentes não admissíveis no processo dos julgados de paz ou quando seja requerida prova pericial.
Seria absurdo – salvo o devido respeito pela opinião contrária – começar por considerar o tribunal judicial incompetente em razão da matéria, para o passar a considerar competente a partir do momento em que fosse enxertado no processo do julgado de paz um incidente processual ou fosse requerida a prova pericial, ou o valor processual passasse a exceder a alçada do tribunal judicial de 1ª instância.
Nem – como se expende ainda no Parecer da PGR – favorece a tese da exclusividade a regra do artº 66º do Código de Processo Civil, uma vez que a aplicação dessa norma deriva da falta de uma norma atributiva de competência a outro tribunal, sendo que no caso vertente, pelo contrário, o que se discute é a existência de uma norma atributiva de competência a um tribunal judicial e outra atributiva de competência aos julgados de paz (que – note-se uma vez mais – não pertencem à estrutura jurisdicional a que aqueloutro pertence).
De resto, sempre seria no mínimo duvidosa a conformidade constitucional da interpretação perfilhada pela tese oposta, por conduzir à limitação de acesso aos tribunais judiciais – os verdadeiros tribunais paradigma de órgão de soberania – e não poder o recurso a estruturas extrajudiciais precludir, perimir ou prejudicar a possibilidade de recurso à via jurisdicional.
Diga-se ainda que a fraquíssima cobertura territorial dos julgados de paz, volvidos já cinco anos (apenas 16 julgados de paz instalados, quatro dos quais, segundo se noticiou, a funcionar menos bem…), vai também no sentido de esta forma de justiça alternativa se encontrar numa fase experimental (como de resto deflui dos artºs 64º a 66º da Lei nº 78/2001).
E a avaliar pelo teor de artigos publicados em órgãos de comunicação social escrita neste último fim-de-semana (Jornal de Notícias de 19.1.2007 e Diário do Minho de 19.1.2007 ou 20.1.2007) ressumbra com alguma clareza estar fora dos intuitos do Governo alterar a legislação existente por forma a que os cidadãos fiquem obrigados a recorrer aos julgados de paz nas matérias em que estes são materialmente competentes, desenhando-se tão-só no horizonte vislumbrado pelo Executivo a criação de uma rede de tribunais não judiciais como solução alternativa de resolução de certos conflitos, no convencimento de que, mesmo sem mexer na Lei nº 78/2001, de 13/7, virá no futuro a crescer exponencialmente o número de processos julgados naqueles tribunais extrajudiciais.
Tribunais extrajudiciais – diga-se também – onde o Ministério Público não representa o Estado, já que naquela Lei se não encontra qualquer referência a tal representação, o que só por si igualmente inculca que a opção pela tese da alternatividade da competência é a mais consentânea, e desaconselha o sufrágio da tese da exclusividade."



Pela exclusividade da competência dos julgados de paz, nas matérias que lhe são confiadas, e consequente incompetência dos tribunais judiciais alinham os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-03-2004, proferido no processo n.º 03B3646 (neste acórdão, não se trata da questão principal, mas é tratada na parte final da fundamentação), de 05-07-2005, in CJ, 2005, II, pág. 154, de 03-10-2006, proferido no processo de agravo n.º 2396/06 (não publicado na íntegra, mas com sumário aqui),
do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2006, proferido no processo n.º 0623377 (por unanimidade), de 08-11-2005, proferido no processo n.º 0525540 (por unanimidade) e de de 05-12-2006, proferido no processo n.º 0626174 (por unanimidade), do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2006, proferido no processo n.º 8573/2006-8 (com um voto de vencido), de 29-06-2006, proferido no processo n.º 5726-2006-6 (com um voto de vencido que, porém, não abrange a referida questão), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4929/2006-6 (por unanimidade) e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 8989/2006-2 (por unanimidade).

Contra a exclusividade, defendendo a competência alternativa entre tribunais judiciais e julgados de paz nas matérias confiadas a estes, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4032 (por unanimidade)
, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 3554/2006-7 (por unanimidade), seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3896/2006-8 (por unanimidade) e ainda, da mesma Relação, o de 14-11-2006, proferido no processo n.º 8588/2006-7 (com um voto de vencido). Defendendo a concorrência de competência, transitoriamente, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2006, proferido no processo n.º 4664/2006-8.

As opiniões mais citadas a favor da exclusividade são do Conselheiro Cardona Ferreira ("Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento") e do Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira ("Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários").

Etiquetas: ,

terça-feira, janeiro 30, 2007

Guia Prático sobre a aplicação do Regulamento relativo à obtenção de provas em matéria civil ou comercial - Reg. (CE) N.º 1206/2001

Acabei de ler, no blog Defensor Oficioso (cfr. aqui), que por sua vez cita a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (cfr. aqui), que foi disponibilizado o Guia Prático relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial (cfr. aqui).

Mais informações:
-
Página da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial
-
Página do Ponto de Contacto Português da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial
-
Texto do Regulamento objecto do guia prático: Regulamento (CE) n.° 1206/2001 do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial (JO L 174 de 27.6.2001, p. 1—24)

Etiquetas:

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa: duas decisões sobre embargo de obra nova

Duas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa, ambas de Dezembro de 2006, pronunciam-se ocupam-se da matéria do embargo de obra nova.

1) No
acórdão de 04-12-2006, proferido no processo n.º 6131/2006-8, decidiu-se o seguinte:

"I-O procedimento cautelar é sempre dependência de causa que tenha por fundamento o direito acautelado (artigo 383.º,n.º1 do Código de Processo Civil).
II- A providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova visando a demolição de parte do edifício, relativamente à qual se discute a inclusão em área expropriada a favor da requerida, não se encontra na dependência do processo de expropriação visto que neste o que está em causa é a determinação do montante indemnizatório devido aos expropriados."

2) No
acórdão de 21-12-2006, proferido no processo n.º 10933/2006-7, considerou-se que, "procedendo-se a obra num imóvel na sequência de intimação da Câmara Municipal para realização de obras coercivas, a questão de saber se determinadas obras que estão a ser realizadas nesse mesmo imóvel se encontram ao abrigo dessa intimação não deixa de caber ao contencioso administrativo visto que, relativamente a todas as obras em curso, a entidade municipal actua ao abrigo do jus imperii exercendo a sua ampla competência em matéria de urbanismo e de verificação e sanação de situações de insalubridade e perigo
II- Por tal razão estava o tribunal judicial impedido de decretar o embargo de obra nova face ao disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil.
III- E sempre a pretensão da requerente improcederia considerando a ilegitimidade passiva decorrente da falta de demanda do Município de Lisboa pois a sociedade demandada intervém tão somente como executora material de obras que lhe foram indicadas pela Câmara municipal de Lisboa e não na realização de um interesse próprio que é do Município.
IV- A circunstância de o auto de ratificação de embargo (artigo 418.º do Código de Processo Civil) poder ser assinado por quem dirigir a obra, se o dono não estiver presente, não afasta a regra da legitimidade passiva que é sempre do dono da obra."


Quanto aos dois últimos pontos, a fundamentação é a seguinte:
"É verdade que o art. 418º, nº 2, do CPC, admite que possa ser notificado do embargo a entidade que esteja a executar as obras. Mas tal preceito apenas funciona no momento da notificação da decisão que decrete o embargo (ou em caso de notificação do embargo extrajudicial) não podendo extrair-se daí regra diversa da emerge do art. 26º do CPC, que a confere ao dono da obra (Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 2ª ed., pág. 42).
Seria, na verdade, estranho que, sendo da exclusiva responsabilidade do Município de Lisboa a posse administrativa que abarcou todo o prédio e a responsabilidade pelas obras que se estão processando, o procedimento cautelar pudesse prosseguir sem a sua intervenção, apesar de lhe pertencer o interesse directo em contraditar os factos e os argumentos invocados e a pretensão deduzida."

Etiquetas: , , , ,

Mais jurisprudência constitucional: actualização quanto à não inconstitucionalidade das alterações previstas na Lei n.º 14/2006

Deixei nota aqui do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 9244/2006-8, no qual se decidiu que, por força da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que alterou o CPC, se tornaram supervenientemente inválidos alguns pactos de competência lícitos à luz das normas anteriormente vigentes e que tal invalidade superveniente (que não abrange, porém, as acções pendentes à data da entrada em vigor da lei nova) não afecta intoleravelmente as expectativas das partes.

Acrescentei depois
aqui que o juízo de não inconstitucionalidade subjacente a esta decisão foi repetido, em hipótese similar, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 691/2006, de 19 de Dezembro de 2006.

Surge agora mais uma decisão do Tribunal Constitucional no mesmo sentido da anterior: o
acórdão n.º 41/2007, de 23 de Janeiro, que não julgou inconstitucional "a norma, decorrente da conjugação da parte final do n.º 1 do artigo 100.º com a alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, enquanto se refere às causas mencionadas na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, todos do CPC, sendo os dois últimos artigos na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, interpretada no sentido de que a proibição do afastamento, por convenção expressa das partes, da regra de competência em razão do território, constante do último preceito citado, se aplica às acções instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º 14/2006, mesmo que a convenção de foro conste de contrato celebrado antes dessa vigência" [realçado meu].

Etiquetas: , ,

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Jurisprudência do Tribunal Constitucional - ainda o artigo 89.º da LOFTJ

No seguimento de alguns posts sobre este assunto (aqui, aqui e aqui), regresso uma vez mais à inconstitucionalidade da alteração do artigo 89.º da LOFTJ pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março.
O último resumo do problema consta
deste post, articulado com o artigo do Dr. António José Fialho, no website Justiça Independente.

Referi, então, que o Tribunal Constitucional considerou, nos acórdãos n.º 690/2006 e 692/2006, ambos de 19 de Dezembro, que tal alteração é matéria pertencente à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e que a lei de autorização em que se funda o Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, não habilitou o Governo a alargar a competência dos tribunais de comércio, concluindo pela inconstitucionalidade da mesma (cfr.
aqui).

Entrentanto, há uma actualização a fazer: existe mais uma decisão do Tribunal Constitucional sobre a matéria (a terceira, se não me escapou alguma entretanto), declarando também a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que alterou o artigo 89.º da LOFTJ. Trata-se do
acórdão n.º 43/2007, de 23 de Janeiro, no qual, uma vez mais, se julgou inconstitucional "por violação do disposto na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a norma constante do artigo 29.º do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, atribuindo aos tribunais de comércio competência para preparar e julgar os processos de insolvência mesmo que o devedor não fosse uma sociedade comercial e que a massa insolvente não integrasse uma empresa".

Mantenho, porém, em aberto o que referi
aqui.

Etiquetas: , ,

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

1) Acórdão de 04-12-2006, proferido no processo n.º 8914/2006-2:
"I Em termos de regras gerais sobre o ónus da prova, opera o preceituado no disposto no artigo 342º do CCivil: àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (nº1) e a prova dos factos extintivos do direito, compete àquele contra quem a invocação é feita (nº2).
II Se a parte não se limita a uma defesa directa, carreando para os autos factos tendencialmente extintivos do direito que a contraparte se arroga – maxime para a conclusão de inexistência de proveito comum - a referida factualidade terá de ser integrada em sede de defesa indirecta, tal como dispõe o normativo inserto no artigo 342º, nº2 do CCivil.
II A regra geral do ónus da prova, supra enunciada, no caso sub juditio, teria a seguinte concretização: sobre a Autora, Apelada, impenderia a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, os integradores do proveito comum do casal, nos termos do normativo inserto no artigo 1691º, nº1, alínea c) do CCivil, se quisesse obter a responsabilidade de ambos os Réus e sobre estes o ónus da alegação e prova dos factos extintivos daquele direito, nos termos do nº2 do artigo 342º do mesmo diploma.
III Integrando-se a pretensão da Autora/Apelada no preceituado no artigo l691º, nº1, alínea d) do CCivil, onde se estabelece uma presunção - (
juris tantum
) - do proveito comum dos Réus, as regras gerais do ónus da prova invertem-se, nesta situação, fazendo, agora, impender sobre a Ré/Apelante, o ónus da prova do contrário, ex vi do disposto no artigo 344º, nº1 do CCivil.
IV A prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente, v.g., como no caso em apreço, por via de presunção legal e, esta prova, nada tem a ver com a contraprova (ou prova contrária), pois esta destina-se apenas a tornar incerto o facto visado, a criar a dúvida no espírito do julgador (um
non liquet)."

2)
Acórdão de 29-11-2006, proferido no processo n.º 10079/2006-7:
"I- Deve ser fixada prestação de alimentos a favor do menor mesmo nos casos em que não se apurou se o progenitor tem rendimentos que lhe permitam prestar alimentos.
II- O Tribunal, para o efeito, recorrerá à equidade (artigos 69.º da Constituição da República, artigos 1874.º, 2003.º, 2004.º do Código Civil)".

Nota - Um dos argumentos desta decisão é o de que a fixação judicial da prestação de alimentos é uma das condições do direito de exigir o pagamento ao Fundo de Garantia dos Alimentos. São citadas outras decisões no mesmo sentido, designadamente os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2000, proferido no processo n.º 0074948, e de 13-10-2005, proferido no processo n.º 6890/2005-6.

Etiquetas: , , , ,

Recomendação

Caros leitores do blog,
quero aqui dizer-vos que este livro se lê como poucos. Muito bom.

Sándor Márai
"As velas ardem até ao fim"
Edições Dom Quixote

Julgados de paz e exclusividade da sua competência

Depois de três textos sobre a "contagem de espingardas" na jurisprudência contra e a favor da exclusividade da competência dos julgados de paz (1, 2 e 3), eis que é publicada uma outra decisão (do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-12-2006, proferida no processo n.º 8989/2006-2, no sentido da exclusividade). Justifica-se, por isso, fazer uma actualização geral. Aqui fica ela, com a impressão de que a corrente que defende a exclusividade parece estar a tornar-se maioritária.

Pela exclusividade da competência dos julgados de paz, nas matérias que lhe são confiadas, e consequente incompetência dos tribunais judiciais alinham os acórdãos
do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2006, proferido no processo n.º 0623377 (por unanimidade), de 08-11-2005, proferido no processo n.º 0525540 (por unanimidade) e de de 05-12-2006, proferido no processo n.º 0626174 (por unanimidade), do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2006, proferido no processo n.º 8573/2006-8 (com um voto de vencido), de 29-06-2006, proferido no processo n.º 5726-2006-6 (com um voto de vencido que, porém, não abrange a referida questão), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4929/2006-6 (por unanimidade) e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 8989/2006-2 (por unanimidade).

Contra a exclusividade, defendendo a competência alternativa entre tribunais judiciais e julgados de paz nas matérias confiadas a estes, podem ler-se os acórdãos
do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 3554/2006-7 (por unanimidade), seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3896/2006-8 (por unanimidade) e ainda, da mesma Relação, o de 14-11-2006, proferido no processo n.º 8588/2006-7 (com um voto de vencido). Defendendo a concorrência de competência, transitoriamente, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2006, proferido no processo n.º 4664/2006-8.

As opiniões mais citadas a favor da exclusividade são do Conselheiro Cardona Ferreira ("Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento") e do Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira ("Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários").

Etiquetas: ,

domingo, janeiro 28, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora - Causa de pedir - Rectificação de erros materiais

A página dedicada ao Tribunal da Relação de Évora no portal DGSI é actualizada muito raramente. Daí que me tenha escapado o acórdão de 19-10-2006, proferido no processo n.º 1342/06-3, cujo sumário passo a transcrever.


"I – Um dos requisitos da petição inicial, que constitui seu elemento objectivo, é a causa petendi, isto é, o facto jurídico que serve de alicerce àquilo que o Autor pede ao Tribunal.

II – Desde o Código de Processo Civil de 1939, que o Legislador Português consagrou a teoria da substanciação, isto é, entende-se por causa de pedir o facto jurídico genético, o acontecimento concreto, em suma a fattispecie jurídica dotada de força suficiente para criar um direito.

III – Os erros de escrita constantes de peças processuais podem ser objecto de rectificação."

Esta decisão debruça-se sobre o problema da rectificação de erro de escrita num articulado (aplicando o disposto no artigo 249.º do Código Civil) e da distinção entre esta simples rectificação e a alteração da causa de pedir. No caso concreto, não se suscitariam grandes dúvidas, pois tratava-se apenas de rectificar a data de celebração de um contrato, sem alteração do quadro factual essencial que suportava o pedido.
A fronteira entre a mera rectificação e a alteração da causa de pedir nem sempre é evidente. Podem ler-se, sobre o mesmo assunto, pelo menos dois acórdãos contraditórios: o do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-99, proferido no processo n.º 99A863, e o do Tribunal da Relação do Porto de 30-03-2000, proferido no processo n.º 0030416 (ambos sobre a rectificação do número de matrícula de veículo automóvel em acção de indemnização por acidente de viação).
Ainda sobre a rectificação de erros de escrita nos articulados podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-02-2005, proferido no processo n.º 3259/04 (considerando que a norma aplicável é a do artigo 667.º do CPC, por analogia) e o de 24-05-2005, proferido no processo n.º 480/05.

Questão diferente, embora próxima, é a da distinção entre o erro na identificação da parte (o autor intenta a acção contra pessoa diferente da pretendida) e o erro na descrição dos elementos que identificam a parte (o autor intenta a acção contra a pessoa certa mas erra parcialmente na descrição do seu nome, designação social ou outro elemento). Sobre este outro problema podem ler-se os acórdãos do STJ de 05-03-2002, proferido no processo n.º 01A3987, de 29-04-86, proferido no processo n.º 073913, e de 17-03-2005, proferido no processo n.º 04B4495 (este sobre um caso em que o erro transitou do articulado para a sentença), bem como o do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-06-2003, proferido no processo n.º 5543/2003-7 (este restrito à análise do problema no decurso da citação do réu).

Etiquetas: , ,

sábado, janeiro 27, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Aqui ficam alguns acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça disponibilizados em www.dgsi.pt.

1)
Acórdão de 24-01-2007, proferido no processo n.º 06S2969 - "Limitando-se o recorrente, no recurso em que pretende impugnar a matéria de facto, a efectuar uma apreciação crítica da prova, sem aludir aos pontos de facto que considera incorrectamente decididos, nem identificar as passagens da gravação da prova em que se funda a sua pretensão, juntando apenas em anexo um documento onde se encontram transcritos todos os depoimentos das testemunhas por si apresentadas em audiência, deve entender-se não cumpriu minimamente o ónus que lhe impunha o 690º-A, do Código de Processo Civil, não se justificando, por isso, o convite para completamento ou aperfeiçoamento da alegação".

O sentido da decisão está em linha com jurisprudência constante do STJ, quanto a esta matéria, citando-se os dois acórdãos de referência a tal respeito: o
de 16-10-2002, proferido no processo n.º 02S2244, e o de 26-11-2003, proferido no processo n.º 03S2430.

2)
Acórdão de 25-01-2007, proferido no processo n.º 06B4373 - "1. Uma parte não pode invocar a nulidade do Acórdão da Relação reportada ao não conhecimento da invocação das nulidades da sentença previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, que a contraparte fizera no recurso da primeira para a segunda instância.
2. A nulidade consistente em o Tribunal da Relação ter considerado factos que não podia considerar, por não ter seguido o caminho previsto na lei para a alteração factual, atinge o aresto de modo parcial, subsistindo a parte sã não dependente de tal excesso factual.
3. O conceito de necessidade do arrendado para habitação própria, como fundamento de denúncia do arrendamento, é jurídico e, como tal, sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
(...)"


O primeiro ponto do sumário assenta no entendimento de as "nulidades" do n.º 1 do artigo 668.º do CPC se tratarem, em bom rigor, de anulabilidades, apenas podendo ser invocadas pela parte directamente atingida por elas.

3)
Acórdão de 25-01-2007, proferido no processo n.º 06B4567 - "1. No cumprimento das obrigações emergentes da nulidade dum contrato devem as partes também proceder de boa fé.
2. No aferimento da qual podem relevar as obrigações derivadas do contrato nulo.
3. Assim, se, em contrato de arrendamento nulo por falta de forma, as partes consignaram que não seriam pagas rendas relativamente a determinado período de tempo, não pode o senhorio vir a exigir contrapartida pela fruição do arrendado, por parte do arrendatário, durante esse mesmo período de tempo, com fundamento de que, sendo o contrato nulo, tal cláusula também o é."


Etiquetas: , , , , , ,

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Tribunal Europeu dos Direito do Homem

Li a seguinte notícia no Blog de Informação, do Dr. Jorge Langweg, tendo por fonte o Euronews.

"O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (T.E.D.H.) encontra-se numa crise profunda, que tende a agravar:

«Símbolo máximo do Conselho da Europa, o T.E.D.H. está à beira da paralisia e o novo presidente do tribunal sabe-o.

O número de queixas apresentadas não cessa de aumentar: em 2005, houve 45 mil; em 2006 eram 50 mil. No início do ano, 90 mil queixas estavam pendentes de análise. Oito dos 46 países membros do Conselho da Europa representam 70% das sentenças proferidas. A Turquia encabeça a lista, embora seja também o país que mais progressos fez: há cada vez menos casos de tortura, por exemplo; há sobretudo queixas por violação da liberdade de expressão.

Jean-Paul Costa, novo presidente do Tribunal, apela à ratificação rápida do protocolo que permitirá agilizar o sistema. (...)

Só Moscovo - várias vezes condenada por causa da Chechénia - é que ainda não ratificou o novo protocolo. Konstantin Kosachev, presidente da delegação russa, explica porquê: "Muita gente, na Rússia, incluindo deputados, tem a impressão de que, por vezes, este tribunal tem sido usado com objectivos políticos; que algumas decisões não têm uma motivação legal mas sim política."

O protocolo em causa permitirá um tratamento mais rápido das queixas apresentadas. A grande maioria não é considerada receptível, por não estar abrangida pelas competências do Tribunal Europeu de Justiça.»"

Ainda sobre a noção de terceiro para efeitos de indemnização pela seguradora em acidente de viação

Há dias, num outro post (cfr. aqui), referi algumas divergências jurisprudenciais quanto à noção de terceiro para efeitos de indemnização pela seguradora, à luz do artigo 7.º da Lei do Seguro Obrigatório (LSO).

Hoje, deixo aqui, sobre o mesmo tema, a nota de uma outra decisão, do Supremo Tribunal de Justiça, onde também se espelha a grande dificuldade da matéria. Neste caso, apreciado no
acórdão de 16-01-2007, proferido no processo n.º 06A2892, foi tratada a seguinte questão: se o tomador viaja no banco do passageiro do automóvel objecto do seguro, que é conduzido por outra pessoa, terá a qualidade de terceiro, devendo ser indemnizado?
A resposta não foi unânime. A posição que fez vencimento no acórdão é no sentido de conceder a indemnização, considerando que o tomador deve ser considerado terceiro, por não ser o condutor (interpretando, pois, o artigo 7.º da LSO à letra).
No entanto, a decisão conta um voto de vencido, do conselheiro Sebastião Póvoas, que sustenta não poder a mesma pessoa surgir na relação jurídica como lesante e lesado. Eis o sumário da decisão.

"1. Na esteira do entendimento predominante do Supremo, os lesados em acidente de viação para quem resultaram incapacidades permanentes totais ou parciais, sofrem, a par dos danos não patrimoniais, traduzíveis em dores e desgostos, danos patrimoniais por verem reduzidas a sua capacidade de trabalho e a sua autonomia vivencial.
2. Trata-se de realidades distintas, com critérios de avaliação também distintos, mesmo no que concerne ao elemento comum a ambos — o juízo de equidade, pois, enquanto na avaliação dos danos não patrimoniais e conforme decorre do n°3 do artigo 496 do Código Civil é a equidade que funciona como primeiro critério, embora condicionada aos parâmetros estabelecidos no artigo 494 do mesmo Código, na avaliação dos danos patrimoniais, a equidade funciona residualmente para o caso, como textualmente se lê no n°3 do artigo 566 do C. Civil, de não ter sido possível averiguar o valor exacto dos danos.
3. Não obstante o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tenha a natureza jurídica de “seguro de responsabilidade”, o certo é que a sua moderna especificidade – com acolhimento no chamado “3.ª Directiva Automóvel” (Directiva do Conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CEE), publicada no Jornal Oficial, L 129, de 19 de Maio do mesmo ano, (a pgs. 33 e seguintes) e transposição para a nossa ordem jurídica interna através do Dec. Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que entrou em vigor a partir de 31 de Dezembro de 1995 – reside no primado da protecção das vítimas corporais, ressarcindo todos quanto não sejam o próprio condutor (o responsável pelo respectivo ilícito) relativamente aos danos corporais de que forem vítimas, por acidente rodoviário não por si próprios causado.
4. Esse é o resultado interpretativo que se deve fazer do artº 7º. (nº.s 1º e 2º, al. a)), do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo aludido Dec Lei nº 130/94.
5. Contrariamente ao entendimento anterior, hoje, “terceiro”, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que possa imputar a responsabilidade do evento a outrem - e, não, como anteriormente, aquele que não era o tomador do seguro .
6. Tal princípio sofre das excepções ou exclusões contidas no aludido art. 7º do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec Lei nº 130/94, donde resulta “ex vi” do nº 1 que, no que se refere às “lesões corporais”, somente se encontram excluídos da garantia do seguro as sofridas pelo condutor do veículo seguro.
7. O proprietário e tomador do seguro que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, sendo outrem o respectivo condutor, está coberto pela responsabilidade civil automóvel quanto aos danos decorrentes de lesões corporais que lhe advenham em virtude do acidente, por, na situação, ter a qualidade de terceiro.
8. O Ac. do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 30.7.2005
[nota: conferir rectificação da data adiante]
decidiu que a segunda Directiva 84/5/CEE e a terceira Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil sobre circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado a indemnização com fundamento na contribuição de um passageiro para o dano por si sofrido.
9. E, incisivamente, afirmou que o facto de o passageiro ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante."


A leitura da decisão recomenda-se aos estudiosos e curiosos desta matéria, além do mais, porque quer a fundamentação do acórdão, quer o voto de vencido se esforçam por harmonizar a legislação nacional com o acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 30-06-2005, onde se decidiu que "a segunda Directiva 84/5/CEE e a terceira Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil sobre circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado a indemnização com fundamento na contribuição de um passageiro para o dano por si sofrido. E, incisivamente, decidiu que o facto de o passageiro ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante" (citação do referido acórdão do STJ).

Nota muito importante para a leitura: a decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades a que se refere o acórdão do STJ é de 30-06-2005 e não, como ali se indica, por lapso, de 30-07-2005, podendo encontrar-se
aqui (escolher, na ligação, o processo n.º C‑537/03). O seu sumário é o seguinte.
"Em circunstâncias como as do processo principal, os artigos 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e 1.° da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, opõem‑se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado, com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, a indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante."

As directivas 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983 e 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990 podem encontrar-se, em versões consolidadas,
aqui e aqui, respectivamente.

Etiquetas: , ,

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Ainda sobre a inconstitucionalidade das alterações ao artigo 89.º da LOFTJ

Últimas actualizações deste assunto: cfr. aqui.

Devidamente cruzadas as informações disponibilizadas aqui e aqui, conjugadas com o artigo do Dr. António José Fialho, no website Justiça Independente, o problema da inconstitucionalidade das alterações ao artigo 89.º da LOFTJ parece colocar-se nos termos seguintes.

1) A alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ previa a competência dos tribunais do comércio para preparar e julgar "o processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa".

2) O Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, veio conferir nova redacção àquela norma, alargando a competência dos tribunais de comércio para o julgamento de todos os processos de insolvência.

3) O Tribunal Constitucional considerou, nos acórdãos n.º 690/2006 e 692/2006, ambos de 19 de Dezembro, que tal alteração é matéria pertencente à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e que a lei de autorização em que se funda o Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, não habilitou o Governo a alargar a competência dos tribunais de comércio, concluindo pela inconstitucionalidade da mesma (cfr.
aqui).

4) o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, devolveu à norma a redacção anterior à alteração que foi julgada inconsitucional.

A questão que se me coloca é, agora, esta: será que
a)o "regresso" à anterior redacção pode ser entendido como um acto do Governo no sentido de repor a legalidade constitucional, em face das decisões do Tribunal Constitucional, e que tal resultado evita o juízo de inconstitucionalidade desta segunda alteração (por, essencialmente, se destinar a corrigir uma anterior infracção aos preceitos constitucionais e ter o mesmo efeito prático da revogação da norma considerada inconstitucional);
ou
b) devemos entender, como defende o Dr. António José Fialho, no seu estudo, que a segunda norma será sempre, necessariamente, inconstitucional?


Penso que o autor do referido estudo não enquadrou o problema deste ponto de vista por ainda não terem sido, ao tempo da sua elaboração, divulgados os acórdãos do Tribunal Constitucional acima referidos. Se, eventualmente, ler este meu texto, gostaria de saber se a sua opinião se mantém ou altera, a esta luz. Eu próprio, como disse, ainda não tenho opinião formada.

Etiquetas: , ,

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra - intervenção do colectivo no processo especial de expropriação

A intervenção do tribunal colectivo nos processos de expropriação tem suscitado algumas divisões na jurisprudência. Uma delas prende-se com a partilha de competência entre varas cíveis e juízos cíveis e deixo-a para outra altura.

Trago aqui um problema diferente. O artigo 58.º do Código das Expropriações dispõe que "no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577.º do Código de Processo Civil."

O que divide os tribunais é o seguinte: será que, para suscitar a intervenção do colectivo, basta que uma das partes o requeira (como parece sugerir a letra deste artigo 58.º) ou devemos ler a norma alinhada com o CPC, cujo artigo 646.º, desde a sua alteração pelo DL 183/2000, exige que o julgamento pelo colectivo seja requerido por ambas as partes? Devemos presumir que o legislador pretendeu manter os dois regimes perfeitamente sincronizados quanto à intervenção do colectivo, considerando que a alteração do artigo 646.º se repercutiu no regime do Código das Expropriações?

No
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2007, proferido no processo n.º 2259/06.0YRCBR, decidiu-se, quanto a esta questão, o seguinte.

"I – As disposições gerais e comuns do CPC aplicam-se ao processo de expropriação, e em tudo quanto não estiver previsto nas próprias regras especiais do processo expropriativo e nas ditas regras gerais e comuns aplica-se o que se acha estabelecido para o processo comum ordinário, nos termos do artº 463º, nº 1, do CPC.
II – Em Setembro de 1999, com a publicação do D.L. nº 375-A/99, de 20/09, e da Lei nº 168/99, de 18/09, ficou prevista a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo no julgamento das acções especiais de expropriação, mediante requerimento de alguma das partes nesse sentido, a serem formulados ou no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, ou no articulado de resposta ao recurso da arbitragem, ou, ainda, com a interposição de recurso subordinado.
III – Porém, com as alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 183/2000, de 10/08, designadamente no artº 646º, nº 1, face ao que a discussão e julgamento de uma causa passou a ser efectuada com intervenção do tribunal colectivo se ambas as partes assim o tiverem requerido, tem de entender-se que esta alteração tem aplicação aos processos especiais, por aplicação do artº 463º, nº 1, do CPC, designadamente ao processo expropriativo.
IV- Assim, quando num processo de expropriação apenas a entidade expropriante requeira a intervenção do tribunal colectivo, manifesto é que tal intervenção não pode ter lugar, cabendo ao juiz singular do juízo onde o processo deu entrada levar a cabo o respectivo prosseguimento processual e julgamento."


No entanto, esta posição não é pacífica. Aliás, creio ser minoritária. Apesar de, no mesmo sentido da decisão citada, seguirem alguns acórdãos do Tribunal da Relação de Évora (cfr. o de 05-02-2004, proferido no processo n.º 2259/06.0YRCBR e outros, não publicados, que ali se citam), em sentido oposto podem ler-se os acórdãos
do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2003, proferido no processo n.º 03B1856, do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2005, proferido no processo n.º 0531836, de 21-10-2004, proferido no processo n.º 0433984, de 23-06-2005, proferido no processo n.º 0531836 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2003, proferido no processo n.º 1794/03-2.

Entendo que a razão está do lado daquela última corrente. O ponto de partida do intérprete é sempre a letra da lei. A verdade é que o elemento literal do artigo 58.º do Código das Expropriações é claro no sentido de bastar o requerimento de uma das partes para suscitar a intervenção do colectivo.
Podemos, porém, afastar-nos um pouco da letra se o elemento lógico nos sugerir entendimento diferente. No caso concreto, se pudermos concluir que o legislador pretendeu manter o CPC e o Código das Expropriações sempre alinhados, fazendo estender a alteração pelo DL 183/2000 a este último diploma.
Ora, precisamente aqui, embora possamos admitir ter existido tal intenção, a verdade é que ela não resulta evidente e não podemos concluir tal apenas pela circunstância de, à data de aprovação do Código das Expropriações, ambos os regimes serem iguais. Penso que não há elementos interpretativos suficientemente fortes para afastarmos a letra da lei.

Etiquetas: , ,

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Inconstitucionalidade do artigo 89.º da LOFTJ

Deixei já aqui uma indicação sobre a inconstitucionalidade, declarada pelo Tribunal Constitucional, da alteração de competência dos tribunais do comércio (artigo 89.º da LOFTJ).
Em jeito de actualização, informo também que se encontra disponível
um estudo sobre a mesma questão, da autoria do Dr. António José Fialho, no website Justiça Independente (o qual conheci via revista digital In Verbis).

Etiquetas: ,

Lista de alterações ao Código de Processo Civil

O CPC foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro. Justifica-se, pois, a actualização da lista anteriormente publicada neste blog de alterações ao CPC, incluindo as declarações de rectificação dos diplomas. Não estou ainda em condições de afirmar que a lista está completa (e agradeço que me informem se encontrarem alguma omissão), mas é mais extensa do que o rol referido no próprio Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.

A redacção actualmente em vigor do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, resulta das seguintes alterações legislativas:

Decreto-Lei n.º 47690, de 11 de Maio de 1967;
Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho;
Portaria n.º 439/74, de 10 de Julho;
Decreto-Lei n.º 261/75, de 27 de Maio;
Decreto-Lei n.º 165/76, de 1 de Março;
Decreto-Lei n.º 201/76, de 19 de Março;
Decreto-Lei n.º 366/76, de 5 de Maio;
Decreto-Lei n.º 605/76, de 24 de Julho;
Decreto-Lei n.º 738/76, de 16 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 368/77, de 3 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de Dezembro;
Lei n.º 21/78, de 3 de Maio;
Decreto-Lei n.º 513-X/79, de 27 de Dezembro;
Decreto-Lei n.º 207/80, de 1 de Julho;
Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho,
Decreto-Lei n.º 381-A/85, de 28 de Setembro,
Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de Julho;
Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto;
Decreto-Lei n.º 92/88, de 17 de Março;
Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 211/91, de 14 de Julho;
Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril;
Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro;
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (republica o Código de Processo Civil);
Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro (rectifica o Decreto-Lei n.º 329-A/95);
Decreto-Lei n.º 125/98, de 12 de Maio;
Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, Dec. Rect. n.º 7-S/2000, de 31 de Agosto, e Dec. Rect. n.º 11-A/2000, de 30 de Setembro;
Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro ;
Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro e Dec. Rect. n.º 20-AR/2001, de 30 de Novembro; Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro;
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, Dec. Rect. n.º 14/2002, de 20 de Março, e Dec. Rect. n.º 18/2002, de 12 de Abril;
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro;
Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março e Dec. Rect. n.º 5-C/2003, de 30 de Abril (republica o Título III do Código de Processo Civil);
Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro e Dec. Rect. n.º 16-B/2004, de 31 de Outubro;
Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro;
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro e Dec. Rect. n.º 26/2004, de 24 de Fevereiro;
Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e Dec. Rect. n.º 24/2006, de 17 de Abril;
Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março
Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e Dec. Rect. n.º 28-A/2006, de 26 de Maio;
Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril;
Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (cfr. artigo 154.º, na página 58 do PDF); e
Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.

O "caso mediático" - fecho de assunto

Não tenciono escrever mais uma linha, após este post, sobre o "caso mediático" do momento. No entanto, gostaria de fechar o assunto com duas notas breves.

1) O programa "Prós e Contras" dedicado a este tema foi parcial, desequilibrado e tendencioso, tendo consistido num péssimo serviço de informação. Misturou as águas onde havia que separá-las, calou muitas perguntas que havia a formular e explorou a ignorância de quem assistia ao espectáculo montado.

2) Um senhor chamado Rui Pedro Lima, que não conheço, escreveu sobre o assunto. Discorreu muito bem, com límpida clareza e tocando directamente nos pontos fulcrais do problema. Diz tudo o que me apetece dizer. O seu texto encontra-se
aqui (via blog Joeiro, do Dr. J. F. Neves).

Ordem dos Advogados - 1ª fase de estágio - Novos programas aprovados pela CNEF

"De acordo com as normas emergentes do Regulamento Nacional de Estágio as sessões de formação são facultativas, devendo, contudo, o Advogado estagiário obter adequada preparação teórico-prática nas áreas de formação obrigatória. No sentido de definir uniformemente o naipe de matérias que integram a formação da primeira fase do estágio em todos os Conselhos Distritais, a Comissão Nacional de Estágio e Formação aprovou na reunião do passado dia 23 de Setembro os respectivos programas, que agora se disponibilizam aos Senhores Advogados estagiários que integrarão o primeiro Curso estágio de 2007.

Em resultado do esforço de concertação entre todos os Conselhos Distritais os conteúdos programáticos em apreço são de aplicação em todos os centros de estágio ou pólos de formação do território nacional."


Fonte do texto: Ordem dos Advogados. Mais informações e conteúdo dos programas de Prática Processual Civil I, Prática Processual Civil II, Deontologia Profissional e Organização Judiciária e Prática Processual Penal aqui.

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra - terceiros para efeitos de indemnização pela seguradora

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2007, proferido no processo n.º 140/1998.C1, decidiu-se o seguinte:

"I – No artº 7º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 130/94, de 19/05, estão excluídos da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.
II – Esta exclusão apenas se reporta aos danos (patrimoniais e não patrimoniais de qualquer espécie) sofridos pelo condutor do veículo seguro decorrentes de lesões corporais, não a outros danos sofridos por terceiros, designadamente pelos seus familiares, também decorrentes desse tipo de lesões.
III – Nas referidas lesões corporais está abrangido o dano morte causado ao motorista do veículo, pelo que quando este dano se verifique ela fica excluído da garantia do seguro obrigatório, nos termos da disposição legal citada.
IV – Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do motorista do veículo em consequência da morte desta num acidente de viação, por se tratarem de danos sofridos pelos próprios familiares e não pelo sinistrado, tem de se considerar que estes danos não são abrangidos pela exclusão prevista no nº 1 do citado artº 7º, face ao que estes danos estão abrangidos pelo seguro obrigatório."


Ou seja, exclui-se do âmbito do seguro a indemnização (aos familiares, claro está) pelo dano da perda da vida (enquanto tal, e não pelo desgosto ou sofrimento). No mesmo sentido desta decisão podem ler-se, entre outros, o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-10-2006, proferido no processo n.º 54/06.6YRCBR. No sentido de excluir quaisquer danos dos familiares em virtude da morte do condutor, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-03-2006, proferido no processo n.º 1982/2006-6.

A solução deste problema não é fácil. Há que ter em conta, desde logo, a natureza do direito à indemnização pelo dano morte (as várias teses a este respeito, na doutrina e na jurisprudência, estão descritas, com citações abundantes, no
acórdão do STJ de 07-10-2003, proferido no processo n.º 03A2692) e a distinção entre lesões corporais e materiais (matéria explicada em profundidade no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2005, proferido no processo n.º 5052/2005-6), sempre à luz do disposto no artigo 7.º da Lei do Seguro Obrigatório (DL 522/85, de 31/12).

Tudo ponderado, faço minhas as palavras constantes do voto de vencido aposto no
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2007, proferido no processo n.º 140/1998.C1, pelo Desembargador Jorge Arcanjo, que me parecem resumir a melhor solução a dar ao problema, sem prejuízo de ser reconhecida a sua complexidade (o realçado na citação é meu).

"Voto vencido por, sem quebra de respeito, discordar do acórdão, na parte em que, revogando parcialmente a sentença recorrida, absolveu os Autores do pedido de indemnização pelo dano morte.
A questão submetida a recurso consiste em saber se os danos não patrimoniais reclamados pelos Autores estão excluídos do seguro obrigatório, por força do art.7º nº1 do DL nº522/85, de 31-12 (na redacção do DL nº130/94, de 19-5) – “Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro.”
Está em causa o conceito de terceiro para efeitos do âmbito da garantia do seguro obrigatório e dos danos ressarcíveis, o qual se apresenta definido pela negativa (cfr. Filipe Albuquerque Matos, “O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel”, BFDUC, Vol. LXXVIII, 2002, pág.329 e segs.).
Não é terceiro o condutor do veículo, já que, segundo o previsto no art.7º nºs 1 e 2 do DL 522/85, o seguro não cobre as lesões corporais, nem as materiais por si sofridas, ou seja, os danos próprios do condutor.
O critério de parentesco apenas funciona para as exclusões impostas nas alíneas d) e e) do nº2 do art.7, mas que aqui não relevam.
Resta saber se os Autores (viúva e filhos) são terceiros relativamente aos danos reclamados.
Quanto aos danos não patrimoniais pelo sofrimento pela perda da vítima (art.496º nº3 do CC) é inquestionável tratar-se de danos próprios sofridos directamente pelos Autores, e daí não estarem excluídos.
Sobre a titularidade do direito de indemnização pelo dano morte, como é sabido, existem três orientações jurisprudenciais e doutrinárias, parecendo-me a mais consistente a tese de que o direito é adquirido directa e originariamente pelas pessoas mencionadas no art.496º nº2 do CC, não havendo lugar à transmissão sucessória (também adoptada no acórdão), conforme já sustentei em artigo – “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação” – publicado na Revista do CEJ, 2º Semestre 2005, nº3, pág.60 a 62).
Sendo assim, porque ambos os danos radicam na titularidade dos Autores (terceiros), enquanto danos próprios, não estão excluídos da garantia do seguro, e como tal devem ser ressarcíveis (art.1º do DL nº522/85).
Por outro lado, se a exclusão do art.7º nº2 d) e e) do DL nº522/85, assente no critério do parentesco, está limitada aos danos derivados de lesões materiais, significa que o legislador não pretendeu excluir a indemnização por danos não patrimoniais.
O acórdão, depois de considerar que as “lesões corporais” abrangem o dano morte, e muito embora reconheça que o direito de indemnização pelo respectivo dano não patrimonial radica por direito nos familiares (e já não por via sucessória), postergou a indemnização.
Contudo, não vislumbro razões para que, sendo também ele um dano próprio de terceiro, se negue a pretensão indemnizatória, com base na norma de exclusão.
"


Finalmente, aqui fica o teor do artigo 7.º do DL 522/85.

"Artigo 7.º
(Exclusões)


1 - Excluem-se da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.
2 – Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados às seguintes pessoas:
a) Condutor do veículo e titular da apólice;
b) Todos aqueles cuja responsabilidade é, nos termos do nº 1 do artigo 8º. garantida, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro;
c) Sociedades ou representantes legais das pessoas colectivas responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas funções;
d) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adoptados das pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1, assim como outros parentes ou afins até ao 3.º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando com elas coabitem ou vivam a seu cargo;
e) Aqueles que, nos termos dos artigos 495.º, 496.º e 499.º do Código Civil, beneficiem de uma pretensão indemnizatória decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas nas alíneas anteriores;
f) A passageiros, quando transportados em contravenção às regras relativas a transporte de passageiros constantes do Código da Estrada.
3 – No caso de falecimento, em consequência do acidente, de qualquer das pessoas referidas nas alíneas d) e e) do número anterior, é excluída qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais
4 - Excluem-se igualmente da garantia do seguro:
a) Os danos causados no próprio veículo seguro;
b) Os danos causados nos bens transportados no veículo seguro, quer se verifiquem durante o transporte, quer em operações de carga e descarga;
c) Quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga;
d) Os danos devidos, directa ou indirectamente, a explosão, libertação de calor ou radiação, provenientes de desintegração ou fusão de átomos, aceleração artificial de partículas ou radioactividade;
e) Quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados ao abrigo do artigo 9.º
5 - Relativamente ao transporte colectivo de mercadorias não é aplicável o disposto na alínea b) do número anterior".

Etiquetas: , ,

terça-feira, janeiro 23, 2007

Pausa lúdica - Oportunidades de negócio

Numa busca no google sobre jurisprudência, dei com um website onde se compram e vendem trabalhos de temas jurídicos para (ao que parece) a comunidade académica brasileira.

Foi com muita satisfação que reparei que o processo civil é das áreas mais requisitadas.

Transcrevo algumas mensagens que encontrei (com os nomes suprimidos, apesar de certamente serem falsos):

"Olá,
preciso de um resumo sobre a evolução do direito processual, pois estou no 1º ano do Curso de Direito e preciso entregar esse trabalho em dois dias.
Desde já agradeço...."

"Olá.... Sou estudante do quarto ano de direito.
Preciso fazer um super, ultra, mega trabalho de Direito Processual Civil, e gostaria que me ajudassem sobre a questão da ficácia probatória da prova emprestada.

Muito obrigada!!!" (assim mesmo: "ficácia")

"Preciso fazer o resumo dos capítulos 15 ao 24 do livro: Teoria Geral do Processo. Poderia me ajudar?"

Este, particularmente vago: "Preciso de um trabalho sobre Processo Civil urgente pra hoje"

Este, particularmente necessitado: "Boa noite !
Olha tenho um trabalho pra apresentar sobre Direito processual civil, Direito processual penal, Direito processual do trabalho, è tambem saber qual e definicao de cada um deles?
Se voceis estiver algumas coisa fico grato!" (assim mesmo: "voceis")

"preciso dos 15 principios do processo civil e penal me ajudem"

Finalmente, uma pérola cuja ironia, provavelmente, escapou ao autor: "Boa Noite,
Eu gostaria de receber algum material (redação) sobre:

Obrigação de Fazer

Obrigado,"


Havia outros muito engraçados. Se a vida começar a ser ingrata para mim, talvez consiga ganhar uns reais a escrever trabalhos para terceiros (com o risco de me instaurarem um processo na Ordem por dar consultas pela internet).

Aos meus alunos recomendo, a propósito, que não recorram a sites como este. O material é fraquinho e podem sair os números dos artigos trocados...

Fornecimento de energia / prazo de prescrição

Num acórdão com data de hoje mesmo (presumo que as partes conhecerão a decisão depois dos leitores do blog, o que não deixa de ser curioso), o STJ pronuncia-se sobre uma questão de enorme interesse prático: a da articulação entre os prazos de prescrição da Lei nº 23/96 (aplicável aos fornecimentos de energia eléctrica, água, outros bens essenciais e, por remissão posterior, também telecomunicações) e os prazos gerais previstos no Código Civil. Não sendo uma questão nova (tem sido recorrentemente tratada), parece ser agora um momento oportuno para dar notícia dela, uma vez que tudo aponta para uma estabilização definitiva da jurisprudência no sentido que adiante se verá.
A questão passa por saber se o prazo de seis meses previsto naquela Lei n.º 23/96 significa que:
a) o prestador de serviços deve exigir o pagamento judicialmente no prazo de seis meses;
ou
b) o prestador de serviços deve apresentar a factura a pagamento ao devedor no prazo de seis meses, aplicando-se, a partir daí, os prazos prescricionais do Código Civil.


Sobre esta questão não tem havido um entendimento unânime, nos tribunais, embora haja, a partir das Relações, uma corrente maioritária. É sobre ela que se pronuncia o
acórdão do STJ de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4010, nos termos seguintes (e sem votos de vencido):

"- Quando o n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 alude ao direito de exigir o pagamento, não se refere ao direito de o exigir judicialmente, mas o de interpelar o devedor para pagar através da apresentação da factura prevista no art. 9º-1.
- Omitido, em tempo – seis meses -, este acto de interpelação, prescreve, reflexamente, o crédito do preço do serviço.
- Porém, apresentada tempestivamente a factura, exigiu-se o pagamento e não ocorreu aquele efeito prescricional, havendo que atender, então, ao prazo de extinção do crédito cominado no C. Civil (art. 310º)."


A posição seguida no acórdão é subscrita por Menezes Cordeiro, Rui de Alarcão e Sousa Ribeiro (estes dois últimos em parecer junto aos autos).

Parece, aliás, a orientação mais razoável. Aproveitando um excerto de um estudo do Professor Menezes Cordeiro, citado na fundamentação, (Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais - in “O DIREITO”, ano 133º, nº 4, pág. 769-810), "a Lei n.º 23/96 será uma boa lei se se aplicar com segurança e previsibilidade, elevando o nível dos serviços e tranquilizando os utentes. A lei que empole a litigiosidade social nunca é uma boa lei, sendo que não se pode interpretar o art. 10º-1 pensando, apenas, nos serviços de telefones, em que há especiais facilidades de encontrar o preço, mas também nos outros, como a electricidade e água, em que o fornecedor pode precisar de tempo para efectuar as leituras, tendo-se entendido dar-lhes um prazo de seis meses, de modo que, se, então, “não houver factura, há prescrição”. Assim, se enviada a factura no prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento foi atempadamente exercido; depois, cair-se-á na prescrição dos arts. 310º-g ou 317º-b) C. Civil, conforme a qualidade da pessoa do devedor."

Note-se, finalmente, que esta decisão não é única nem surpreende, podendo apontar-se já muitas outras no mesmo sentido. No entanto, atendendo à sua fundamentação e ao lastro doutrinal entretanto criado, dá a entender que a tendência da jurisprudência será para estabilizar no sentido referido. Já era, aliás, a corrente maioritária (existindo muitas decisões das Relações), designadamente os acórdãos:
-
do S.T,J., de 13-5-2004, proferido no processo n.º 04A1323;
-
da Relação do Porto, de 11-3-2002, proferido no processo n.º 0456896;
-
da Relação do Porto, de 25-3-2004, proferido no processo n.º 0431335;
-
da Relação do Porto, de 28-6-2004, proferido no processo n.º 0453758;
-
da Relação do Porto, de 21-9-2004, proferido no processo n.º 0454266;
-
da Relação do Porto, de 3-3-2005, proferido no processo n.º 0436810;
-
da Relação do Porto, de 4-4-2005, proferido no processo n.º 0550527;
-
da Relação do Porto, de 12-4-2005, proferido no processo n.º 0427273;
-
da Relação do Porto, de 21-4-2005, proferido no processo n.º 0531795;
-
da Relação de Lisboa, de 12-5-2005, proferido no processo n.º 3821/2005-6;
-
da Relação do Porto, de 23-5-2005, proferido no processo n.º 0552184;
-
da Relação do Porto, de 7-6-2005, proferido no processo n.º 0523014;
-
da Relação do Porto, de 7-7-2005, proferido no processo n.º 0533869;
-
da Relação de Lisboa, de 23-3-2006, proferido no processo n.º 972/2006-6;
-
da Relação do Porto, de 14-3-2006, proferido no processo n.º 0620772;
-
da Relação de Lisboa, de 20-6-2006, proferido no processo n.º 4914/2006-7; e
-
da Relação do Porto, de 10-7-2006, proferido no processo n.º 0653804.


(Rol elaborado a partir de lista constante de um outro acórdão, do Tribunal da Relação do Porto, de 02-10-2006, proferido no processo n.º 0456896, também no mesmo sentido, à qual acrescentei os números de processo e as ligações directas, tendo também rectificado a data de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que ali aparece, por lapso, como de 23-2-2006, sendo na verdade de 23-3-2006.)

Uma outra corrente defendia, porém, que, apresentada a factura a pagamento no prazo de seis meses, começaria a correr novo prazo de seis meses para exigir judicialmente o pagamento (não aplicando a este segundo prazo as normas do Código Civil - cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2002, proferido no processo n.º 0230589), tudo apontando para que tenha sido absorvida pela posição supra referida.

Etiquetas: ,