quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 4)

1) Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 705/2007-7:
"Não desrespeita comando legal o acordo de regulação do exercício do poder paternal em que os pais acordam exercer em conjunto o poder paternal (artigos 1901.º/1, 1906.º/1 e 1909.º do Código Civil) embora aceitem confiar a um deles a guarda da criança.
Permitindo a lei que os avós estejam presentes na conferência (artigo 175.º/1 da Organização Tutelar de Menores) não se vê que haja obstáculo a que os avós assumam responsabilidades relativamente ao neto e muito em particular quando existe acordo entre todos os interessados e a que lhes seja atribuída directamente a quantia mensal devida a título de alimentos".

Nota - Nesta decisão, há um voto de vencido (com o qual concordo), que tem o seguinte teor:
"1- O conceito técnico-jurídico de “ partes” não pode, a meu ver, ter um alcance tão amplo e indefinido como é sustentado no acórdão
2- A pensão de alimentos estabelecida em favor da menor deveria ser entregue à mãe - que tem a sua guarda, exercendo ( em conjunto com o pai) o poder paternal sobre ela - e não aos avós paternos ( que poderiam apenas servir de intermediários na entrega da pensão à mãe)
O que determinaria a procedência parcial do recurso".

2)
Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 3559/2006-7:
"O Tribunal comum é competente em razão da matéria para conhecer de acção proposta contra o Estado Português para efectivação de responsabilidade civil por danos decorrentes da função política e legislativa.
É o caso de acção em que os autores pretendem a responsabilização do Estado pela descolonização de Moçambique considerando que, no acordo de Lusaka, não foi consagrada nenhuma cláusula que visasse a protecção das vidas e dos bens dos cidadãos portugueses depois da independência relativamente à Frelimo.
Por isso, viram-se os autores, que tiveram de fugir daquele território para salvar as vidas, atingidos pelo Decreto-Lei n.º 5/76, de 5 de Fevereiro, que no seu artigo 3.º previa a reversão para o Estado de Moçambique da propriedade sobre os bens imóveis pertencentes a estrangeiros não domiciliados na República Popular de Moçambique, considerando-se como não residentes todos os estrangeiros ou moçambicanos que estivessem ou viessem a estar ausentes do país por um período superior a 90 dias sem autorização".

Nota - Sobre o direito a indemnização na sequência do movimento de descolonização, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2006, proferido no processo n.º 05B4370de 21-11-1991, proferido no processo n.º 079764 (responsabilidade do Estado por acto da Comissão Nacional de Descolonização), de 06-05-1998, proferido no processo n.º 98B095 (interrupção da prescrição por reconhecimento, por parte do Estado, do direito do autor), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-06-2005, proferido no processo n.º 7136/2005-6 (qualificação de certos actos do Estado como de reconhecimento do direito a indemnização).

3)
Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 3839/2006-7:
"O pedido de retroacção dos efeitos os divórcio previstos no artigo 1789.º/2 do Código Civil não pode ser deduzido depois do trânsito em julgado da sentença de divórcio.
Não tendo sido formulado tal pedido, vale a regra constante do artigo 1789.º/1 do Código Civil segundo a qual os efeitos os divórcio retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges
Havendo inventário para partilha dos bens comuns dos ex-cônjuges, cada um deles é considerado titular dos bens que lhe couberem desde a data da propositura da acção de divórcio.
Proposta acção de divórcio no dia 4-12-1998, tem o autor, considerando que o imóvel foi adjudicado em partilha à mulher, direito a receber, em partilha, metade da quantia por ele paga até àquela data à instituição de crédito mutuante relativa às prestações do mútuo concedido para aquisição do imóvel".

Nota - Esta decisão tem, no final, em rodapé, indicações abundantes de jurisprudência. Sobre o momento até ao qual pode ser pedida a retroacção dos efeitos do divórcio, cfr. o acórdão do STJ de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A2918, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 19-10-2004, proferido no processo n.º 04A2781, este último também com um grande levantamento jurisprudencial.

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terça-feira, fevereiro 27, 2007

Malabarismo


Um, dois posts curtos e certeiros de Nuno Garoupa sobre os números da justiça agora anunciados.

2 dúvidas rápidas

- Serei só eu a receber, no e-mail da Ordem, cerca de 15 mensagens de spam por dia?

- Não haverá quem instale nos servidores um filtro de spam decente?

É só.

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 4)

1) Acórdão de 23-01-2007, proferido no processo n.º 7348/2006-1:
"Constatada a inexistência de um prazo de caducidade para a propositura de uma acção decorrente da consagração legal de um direito, não pode considerar-se que existe uma lacuna na ordem jurídica, a integrar nos termos do artº 10º do CC, já que a lei, ao não fixar prazos gerais de caducidade, versus o que sucede com a prescrição, admite a possibilidade da sua inexistência para certas situações, não podendo, assim, tal falta considerar-se uma incompletude ou falha do sistema jurídico, necessárias à verificação da lacuna.
Em tais casos deve ser aplicado o prazo de prescrição, especial ou geral, previsto para a situação mais atinente com o direito que se pretende judicialmente proteger, pois que ambas as figuras -caducidade e prescrição - prosseguem a defesa dos mesmos valores: o da certeza e o da segurança".

Nota - Aconselha-se a leitura do acórdão a quem se interessar pelo tema da responsabilidade civil do Estado por exercício da função jurisdicional (no caso, acusação e pronúncia, em processo crime, não fundadas).


2) Acórdão de 25-01-2007, proferido no processo n.º 7913/2006-8:
"Ocorrendo o acidente em 4-7-1991 e tendo a ré seguradora pago várias indemnizações à A. após o acidente assumiu uma posição que só é compatível com a plena validade e eficácia do contrato de seguro respeitante ao veículo interveniente no contrato.
A ré seguradora age com abuso do direito ao invocar a cessação do contrato de seguro (efectivada ao abrigo dos artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 552/85, de 31 de Dezembro) com base na alienação do veículo com data anterior ao acidente, quando assumiu pagar as referidas indemnizações respeitantes a danos sofridos pela lesada e quando, em virtude de tal conduta da seguradora, a mesma lesada deixou de tomar a iniciativa de accionar o dono do veículo antes do termo do prazo de prescrição".

Nota - Esta é uma decisão de enorme alcance prático. Sabendo que é prática de algumas seguradoras adiantar certas quantias aos lesados (o que pode ir "amaciando" o caminho para uma aceitação das primeiras propostas da companhia, muitas vezes 1/4 ou 1/5 do valor da indemnização a que o lesado tem efectivamente direito), coloca-se o problema da compatibilidade entre este comportamento e a posterior invocação de irregularidade no contrato do seguro.
Um caso parecido com o supra citado, embora com outro enquadramento, foi analisado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99A009.
A questão não poderá, porém, resolver-se linearmente pela aplicação sistemática do regime do abuso do direito. É lícito à seguradora, no quadro de uma negociação amigável, propor uma indemnização ainda que tenha dúvidas sobre a validade do seguro, por uma questão de gestão de riscos, da mesma que forma que pode qualquer um de nós admitir, em negociações com vista a transacção, pagar ao credor parte de uma quantia em dívida, apesar de ser possível discutir a prescrição mais tarde. Não anda longe desta ideia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-1995, proferido no processo n.º 086647.
Há que ter cuidado, pois, com o caso concreto, pois nem sempre estaremos perante uma hipótese de abuso de direito (parece que, por regra, não será esse o caso perante a simples invocação da prescrição - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-1998, proferido no processo n.º 98A789, e de 12-03-96, proferido no processo n.º 088081).
Deixo aqui a parte da fundamentação do acórdão em análise, a este respeito.
"A ré seguradora, após o acidente, pagou à autora as indemnizações referidas na alínea AA) da fundamentação de facto, assumindo uma posição que só é compatível com a plena eficácia e validade do contrato de seguro do veículo DL- 79-20.
Assumiu a sua responsabilidade, como seguradora, pelo pagamento daquelas indemnizações pelos danos que a autora sofreu com o acidente. O que se compreende e até é perfeitamente natural, porque nunca terá deixado de receber os prémios de seguro em relação àquele veículo; caso contrário, teria invocado a resolução do contrato nos termos legais.
Assim sendo, a posterior invocação, contra a autora, da cessação dos efeitos do contrato de seguro representa um inadmissível “ venire contra factum proprium”.
A ré, com a sua conduta anterior, criou na autora a convicção de que assumia a responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida pelos danos sofridos.
E foi com base nessa confiança legítima que a autora intentou a presente acção contra a ré, deixando de tomar a iniciativa de a propor contra o dono do DL […], o mencionado A.[…].
E decorridos que são mais de cinco anos sobre a data do acidente, é previsível que se a autora fosse agora demandar o A.[…], esbarrava com a invocação da prescrição, ficando sem qualquer possibilidade de ser ressarcida dos danos que sofreu".
A talhe de foice, para um caso às avessas (abuso do direito por parte do beneficiário da indemnização), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-04-2006, proferido no processo n.º 06B510.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-1995, proferido no processo n.º 086288, analisa-se o problema do abuso do direito, por parte da seguradora, quando não cumpra o dever de esclarecimento sobre as cláusulas de exclusão da sua responsabilidade (considerando que os contratos de seguro são, geralmente, contratos de adesão).
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-1993, proferido no processo n.º 083983, decidiu-se que se verifica "manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé no pagamento feito pela segurança ao lesado de quantia inferior ao quantitativo da indemnização em 1 364 contos, exigindo quitação pela totalidade dos danos considerados na sentença condenatória cuja autoridade, no tocante àquele quantitativo, erradamente se invoca no recibo elaborado pela dita seguradora".


3) Acórdão de 01-02-2007, proferido no processo n.º 7595/2006-8:
"As varas cíveis são os tribunais competentes para as acções declarativas ordinárias, de valor superior à alçada da Relação, emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro que foram distribuídas por não ter sido possível apor em procedimento de injunção a fórmula executória ou porque foi deduzida oposição ou porque se frustrou a notificação do requerido (Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, artigos 7.º e 16.º em conjugação com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho.
Fixando-se a competência no momento em que a acção é proposta, no caso de acção de processo comum ordinário que se segue ao requerimento frustrado de injunção estamos face a acção declarativa cível de valor superior à alçada da Relação em que a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo cuja intervenção pode ser requerida pelas partes (artigos 97º/1, alínea a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e artigo 646.º/1 do C.P.C.
Essa possibilidade deve ser aferida relativamente ao momento em que a acção é proposta (artigo 22.º/1 da Lei n.º 3/99) ainda que mais tarde se possa verificar alguma das situações contempladas no referido artigo 646.º do C.P.C. que afaste a intervenção do tribunal colectivo, situação esta que é exactamente a mesma que se coloca relativamente a qualquer acção declarativa ordinária que seja instaurada.
Não se vê razão para que uma acção declarativa que siga a forma de processo ordinário seja tramitada e julgada em juízo cível apenas porque respeita a transacção comercial o que possibilitou a utilização do procedimento de injunção que não teve sequência".

Nota - No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-01-2007, proferido no processo n.º 9725/2006-8 (que é disponibilizado com a indicação de haver um voto de vencido, que todavia não surge na página) e de 02-11-2006, proferido no processo n.º 6388/2006-8.

4) Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 9198/2006-1:
"A habilitação incidente distingue-se da habilitação acção e com ela visa-se substituir uma das partes, colocando-se o seu sucessor no lugar que o falecido, extinto ou transmitente, ocupava no processo pendente a fim que a causa prossiga com aquele ou contra aquele.
Assim, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este competiam, estando sujeito à sua anterior actuação processual, devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.
Consequentemente, tendo, numa acção de despejo, com litisconsórcio necessário passivo, os primitivos réus sido citados por carta de 04.05.2000, quando um réu já havia falecido, não tendo o sobrevivo contestado, tendo sido suspensa a instância e os sucessores do defunto declarados habilitados por sentença de 15.07.2004 que logo a estes notificada, e proferida decisão final em 17.02.2006, não pode o habilitado recorrer desta invocando a nulidade da sua falta de citação para contestar a acção, uma vez que a mesma já tinha sido operada e porque, no largo lapso de tempo que mediou entre estas duas últimas datas, ele nada disse nos autos, ao arrepio do princípio da auto-responsabilização dos intervenientes processuais".

Nota - A propósito da transmissão anterior à propositura da acção, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-01-2007, proferido no processo n.º 437/2000.C1 e o comentário que deixei aqui.

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segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

1) Acórdão de 18-01-2007, proferido no processo n.º 9894/2006-2:
"A prestação de caução corresponde a uma garantia destinada a assegurar o cumprimento de certa obrigação, só deixando de ter lugar a sua função, quando a obrigação se mostre cumprida (ou, por qualquer outra razão deixe de subsistir) ou quando o cumprimento da obrigação estiver assegurado por qualquer outra forma – o que não sucede pelo simples facto daquele que atempadamente a requereu passar a poder recorrer ao processo de execução.
Assim, ter sido proferida decisão definitiva na acção principal – confirmando a condenação proferida em 1ª instância – não determina a extinção do incidente de prestação de caução, em que já fora proferida decisão julgando procedente o pedido, por inutilidade superveniente da lide"
.

Nota - Cita-se, em abono da decisão o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2005, proferido no processo n.º 0437022, no mesmo sentido. O segundo parágrafo do sumário está um pouco confuso. O pedido foi julgado procedente na acção principal e, no incidente, foi decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

2)
Acórdão de 30-01-2007, proferido no processo n.º 7344/2006-1:
"A partir da revisão do CPC de 1995/1996, ficou claro que o despacho saneador apenas constitui caso julgado formal em relação às questões concretamente apreciadas, o que consequencia que as declarações genéricas proferidas no despacho saneador sobre pressupostos processuais (v.g. a legitimidade das partes) ou nulidades não formam caso julgado formal impeditivo da ulterior reapreciação (designadamente na sentença final) desses pressupostos processuais.
Qualquer condómino tem legitimidade para, por si só, demandar outro condómino em acção destinada a obter a condenação deste a pôr termo à utilização que vem fazendo da sua fracção para uma finalidade diversa daquele que lhe está destinada no título constitutivo da propriedade horizontal.
Tirando os casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, em que a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” não tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante o tribunal de 2ª instância, se a decisão do julgador de 1ª instância, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será praticamente inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (art. 655º do CPC).
(...)"


Nota - apesar de não transcrever aqui a totalidade do longo sumário da decisão, não resisto a mencionar o conteúdo em falta, por ser de especial interesse.
Trata-se de um processo em que um condómino pede a condenação de outro condómino a encerrar de imediato o estabelecimento de indústria que explora num certo prédio, por, no seu entender, corresponder a um uso da fracção desconforme com o destino previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.
Neste processo, houve vários problemas a resolver. Os primeiros (mais estritamente processuais) constam da parte do sumário transcrita: o efeito de caso julgado formal do saneamento no despacho saneador (é pacífica a solução que consta do acórdão); a legitimidade; e os limites jurídicos e práticos da possibilidade de controlo da decisão da primeira instância por parte da Relação.
No entanto, no que toca ao direito substantivo, a decisão trata matérias de muito interesse.
- Analisam-se as regras para a interpretação do título constitutivo da propriedade horizontal.
- Considera-se que falta de outros elementos, a destinação de uma fracção a "comércio" deve ser interpretada com o sentido corrente (não jurídico) da palavra, o que exclui a restauração.
- Entende-se que o tribunal pode apreciar o problema da interpretação do sentido a dar à expressão "comércio", ainda que as partes não lho coloquem directamente, pois trata-se de resolver uma questão jurídica necessária para conhecer do mérito.
- Decide-se que "ao considerar-se competente para o julgamento do [...] litígio e, consequentemente, para apreciar o mérito do pedido de decretamento do encerramento dum restaurante instalado e explorado por outro condómino na respectiva fracção autónoma, o Tribunal comum não está a pronunciar-se sobre a validade das licenças camarárias atribuídas ao condómino", pelo que a competência não seria dos tribunais administrativos.
- Na parte substancialmente mais interessante, entende-se que o condómino autor não pode exigir do outro condómino a cessação do uso da fracção desconforme ao destino constante do título quando ele próprio (autor) também usa uma fracção para um fim também ele desconforme. Seria uma hipótese de abuso de direito na modalidade tu quoque.
A decisão está muito fundamentada em doutrina e jurisprudência (mais do que poderei condensar aqui) e vale a pena a leitura.
Apesar de acompanhar todos os pontos até ao penúltimo, não subscrevo o último. Tal como se refere no voto de vencido,
"a figura do abuso de direito fundamentada no brocado aforístico “Tu quoque” – nem sequer invocada nestes autos – tem de ser aplicada “cum granno sallis”. Pois que com base num acto ilícito – mesmo que praticado pelo impetrante – não pode justificar-se ou deixar-se incólume, outro facto ilícito.
Acresce que, “in casu”, a ilicitude da actuação do autor é apenas formal ou aparente. Pois que, substancialmente, todos os condóminos do prédio anuíram na alteração do uso da sua fracção para habitação. Apenas o não fizeram pela via jurídico-formal exigida.
Depois não há termo de comparação possível na gravidade da alteração no uso de um prédio que inicialmente está adstrito a comércio, para habitação ou para indústria. Além fixa-se um uso menos pesado e desgastante quer para o prédio, quer para os ocupantes. Aqui é exactamente o contrário. Com a agravante de, no caso “sub judice”, esta ocupação industrial lesar, como se provou, direitos de eminente relevância – Direito ao sossego, ao descanso e, consequentemente, à saúde – do autor e da sua família, “maxime” filhos em idade escolar".

Para algumas aplicações práticas da figura do abuso do direito na modalidade tu quoque, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 05-07-2001, proferido no processo n.º 01A2110, e de 13-02-2003, proferido no processo n.º 02B4734.

3)
Acórdão de 18-01-2007, proferido no processo n.º 2284/2006-8:
"De acordo com o acórdão uniformizador nº 6/2002 cuja doutrina não se deve afastar, ao titular do direito de regresso cumpre o ónus da prova do nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob o efeito do álcool (artigo 342º do Código Civil e artigo 19º, alínea c) do Decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro)
O Tribunal pode socorrer-se de presunções judiciais para provar o nexo de causalidade (artigo 351.º do Código Civil)
No caso de o condutor do veículo ter uma elevadíssima TAS, de 1,90g/l, o que o faz incorrer em pena de prisão (artigo 292.º do Código Penal) a presunção judicial de que agiu sob influência os álcool tem todo o cabimento não só porque um tal grau de etilização impõe o entendimento, para além de qualquer dúvida razoável, de que o condutor em tais condições age sob influência os álcool, consolidando-se a presunção quando, pelas condições em que o acidente ocorreu, se verifica que só por causa da influência do álcool se deu despiste do veículo e o violento embate nos veículos estacionados"
.

Nota - Sobre presunções judiciais, podem ler-se
outras decisões já citadas neste blog. Sobre a possibilidade de uso de presunção judicial em acidentes de viação, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B085, de 19-10-2004, proferido no processo n.º 04B2638, de 24-06-2004, proferido no processo n.º 03B3811, e de 27-05-2004, proferido no processo n.º 03B3598.

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domingo, fevereiro 25, 2007

Harmonização do Processo Civil - Alguns textos

Deixo aqui algumas indicações para quem tenha algum interesse na dogmática do processo civil. Não são textos com interesse imediato para os práticos do direito. A linha condutora desta lista é a ideia de harmonização do processo civil.

Está online um artigo do Professor Peter Gottwald (em inglês) sobre a evolução e perspectivas do Processo Civil na União Europeia.
Pode encontrar-se o dito artigo seguindo esta ligação.

Da mesma conferência está também disponível o artigo de Marcel Storme "A Single Civil Procedure for Europe: A Cathedral Builders’ Dream", seguindo
esta ligação.

Algumas considerações interessantes sobre a possibilidade de harmonização do processo civil encontram-se num texto muito breve de C.H. van Rhee, disponível
aqui.

Finalmente, entre alguns textos que encontrei recentemente com algum interesse (ainda que apenas para o investigador e não tanto para o prático), saliento uma
análise histórica abreviada da evolução do processo civil na Sérvia, da Professora Doutora Vesna Rakic Vodinelic e um resumo do progresso da harmonização do Processo Civil na Suíça.

Boas leituras!

sábado, fevereiro 24, 2007

Ainda sobre a responsabilidade civil do Estado - actualização

Referi já aqui que, no acórdão de 14-11-2006, proferido no processo n.º 0624769, se decidiu que, numa acção de responsabilidade civil contra o Estado assente na prática de actos por juízes, são competentes para apreciá-la os tribunais judiciais, porque os juízes não actuam no exercício da função administrativa; quando o acto supostamente ilícito seja imputado ao Ministério Público, são competentes os tribunais administrativos; quando se combinem, como fundamento, actos de ambos (porque, em processo crime, um deduziu acusação e o outro exarou despacho de pronúncia) são competentes os tribunais judiciais.

Aproveito agora para indicar outra decisão no mesmo sentido: o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-06-2005, proferido no processo n.º 33569/2005-7, cujo sumário é o seguinte:
"Os tribunais administrativos não são competentes para o julgamento de acções de responsabilidade civil intentadas contra o Estado por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, nomeadamente nos tribunais judiciais, bem como das correspondentes acções de regresso;
Mas não estão aqui incluídos os actos atribuídos aos magistrados do MP, por estes não exercerem uma função jurisdicional, a qual apenas é exercida pelos juizes;
Todavia, quando a acção de responsabilidade é proposta com fundamento em actos atribuídos ao juiz e ao MP, praticados em processo-crime que, conjunta e combinadamente, terão atingido direitos fundamentais do A. e lhe terão provocado danos, o tribunal competente para o efeito é o tribunal judicial".

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Responsabilidade civil do Estado

Foi disponibilizada uma decisão interessante sobre a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de penhora sem citação em processo tributário.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-01-2007, proferido no processo n.º 6081/2006-7 tem o seguinte sumário:
"Ordenada penhora em processo tributário sem ser precedida de citação do executado, como se impunha no caso face ao disposto no artigo 272.º do Código de Processo Tributário, penhora que se efectivou apesar de, na iminência da sua realização e com o objectivo de evitar a sua concretização, o autor ter alertado a administração fiscal da ilegalidade do acto a praticar, houve actuação ilícita susceptível de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil (artigo 22.º da Constituição da República).
No que respeita a danos morais, atenta a matéria de facto, justifica-se indemnização no montante de 12.500 euros".

O Estado foi condenado em primeira instância e, recorrendo para a Relação, apresentou, no essencial, a seguinte argumentação:
"A sentença recorrida fundamenta a condenação na preterição da citação prévia à penhora. Contudo, no processo de execução fiscal, o autor não arguiu a nulidade dessa penhora, por falta de citação prévia, pelo que essa irregularidade apenas conduziu a uma antecipação da penhora em 20 ou 30 dias.
Consequentemente, não se vislumbra a existência de nexo causal entre o acto supostamente lesivo (a falta de citação prévia) e os danos sofridos pelo autor".

Sobre este ponto, a Relação considerou o seguinte:
"A administração fiscal ao ordenar a penhora, antes de ser efectuada a citação do executado, violou norma legal (cf. art. 272º do CPT que estabelece que, instaurada a execução, o chefe da repartição de finanças ordenará a citação do executado) e, com isso, praticou um acto ilícito.
O autor, notificado das penhoras, deduziu oposição que, julgada procedente, veio a determinar a extinção da execução.
É, assim, evidente que, se as penhoras tivessem sido precedidas de citação (como decorre da lei), a oposição deduzida teria tido a virtualidade de evitar a sua realização (cf. art. 273º que estipula que a citação deveria comunicar ao devedor o prazo para a oposição à execução e os arts. 255º, nºs 1, 2, 3 e 5, 282º e 294º, todos do CPT dos quais decorre que, deduzida e recebida a oposição, a execução fica suspensa, caso seja prestada garantia).
Não assume, pois, nesta sede, qualquer espécie de relevância, a circunstância de o autor não ter arguido, na execução fiscal, a nulidade decorrente da falta de citação.
Além disso, vem provado que, na iminência da realização da penhora e, com o objectivo de evitar a sua concretização – o autor alertou a administração fiscal para a ilegalidade do acto a praticar.
Nem assim a máquina fiscal suspendeu a marcha do processo.
Consequentemente, uma vez que os factos provados documentam a existência de danos de natureza não patrimonial, numa relação de indiscutível causalidade com o facto ilícito praticado, é patente a inconsistência da pretensão do recorrente".

Chamo a atenção para o facto de não ser linear, na jurisprudência, a posição quanto à competência (entre tribunais judiciais e tribunais administrativos) para julgar as acções de responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro cometido em processo de execução fiscal (cfr., pelo menos quanto aos danos decorrentes de erro na venda, os acórdãos do Supremo Tribunal Tribunal de Justiça de 11-06-1992, proferido no processo n.º 080695, da Relação do Porto de 21-11-2005, proferido no processo n.º 0553116).

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sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Deixo aqui um levantamento de decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça. Chamo especial atenção para a nota à quarta decisão, que contém um resumo da aplicação prática do conceito de "facto notório". Espero que agrade e possa ser útil aos visitantes da página.

1) Acórdão de 13-02-2007, proferido no processo n.º 06A4655:
"1 - Se as instâncias tiverem considerado não provado que A, casada com B no regime da comunhão de adquiridos, se vinculou como promitente vendedora num contrato promessa reduzido a escrito concluído entre o seu marido e C (este como promitente comprador) relativo a um imóvel comum, o STJ não pode modificar tal decisão, por se tratar de matéria de facto que escapa à sua competência de tribunal de revista.
2 - O contrato promessa referido em 1) é válido e, porque não lhe foi atribuída eficácia real mediante declaração expressa de B e C, não se lhe aplica a norma do art.º 1682º-A, nº 1, do Código Civil.
3 - Se A recusar o seu consentimento à realização do contrato definitivo a que B se vinculou, nos termos referidos em 1), C não adquire por esse facto o direito à execução específica previsto no art.º 830º, nº 1, do mesmo código.
4 - Adquire, porém, o direito à imediata (isto é, com dispensa de interpelação admonitória) restituição em dobro do sinal que tiver prestado, nos termos do art.º 442º, nº 2, se B lhe tiver comunicado por escrito que não outorgaria (como não outorgou) o contrato definitivo devido à recusa de A em prestar o seu consentimento.
5 - C não incorre em mora, nos termos do art.º 813º, se se recusar a aceitar a devolução em singelo do sinal pretendida por B na sequência da comunicação referida em 4)."

Nota - Optei por transcrever todo o sumário, e não apenas a parte processual (em "I"), por ser matéria de grande interesse prático e a redacção ser muito clara.
Especificamente quanto à parte processual, note-se que
"as instâncias não deram como assente que a ré tivesse querido vincular-se como promitente vendedora". À falta deste facto, que só as instâncias poderiam ter dado como provado, toda a restante decisão é perfeitamente lógica e coerente.

2) Acórdão de 13-02-2007, proferido no processo n.º 06A4739:
"I – Não é legalmente admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância que rejeitara um articulado superveniente por extemporâneo, desde que se não verifique nenhuma das excepções à regra da inadmissibilidade de recurso prevista na primeira parte do nº 2 do art. 754ºº do C. P. Civil, excepções essas que estão prevista na segunda parte do referido nº 2 e no nº 3 do mesmo dispositivo.
II – Tendo a Relação, além de confirmar aquela rejeição do articulado superveniente, ainda condenado o agravante como litigante de má fé na instância do recurso de agravo, há recurso de agravo apenas restrito à referida condenação, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 456º do mesmo código.
III – Não se verificando que o embargante tenha violado com dolo ou, pelo menos, com negligência grave, qualquer uma das hipóteses previstas nas alíneas do nº 2 do art. 456º mencionado, não pode ser condenado como litigante de má fé."

3) Acórdão de 14-02-2007, proferido no processo n.º 06S4616:
"A decisão que, na sequência da sustação da execução, remete o pagamento das despesas devidas ao depositário judicial para o processo em que penhora de bens seja mais antiga, e cuja execução prossegue, segundo o disposto no artigo 871º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não viola o caso julgado formal constituído por anterior decisão que havia ordenado entretanto o pagamento dessas despesas."

Nota - Transcreve-se o essencial da fundamentação:
"(...) a decisão que remeteu o pagamento de encargos para o Processo n.º 19-A/2002, na sequência da sustação da execução no Processo n.º 420/2002, não inviabiliza que os anteriores despachos que ordenaram o pagamento de encargos entretanto vencidos produzam os seus efeitos, implicando unicamente que esses pagamentos tenham lugar no processo próprio, isto é, no processo em que prosseguiu a execução".

4) Acórdão de 15-02-2007, proferido no processo n.º 07B209:
"1. O Supremo Tribunal de Justiça não tem competência funcional para sindicar a situação económica do alimentando nem o seu nível de necessidades, porque se trata de matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.
2. É facto notório que o credor de alimentos e o obrigado à sua prestação realizam despesas com a sua própria alimentação.
3. Na possibilidade de o obrigado prestar alimentos deve atender-se, além do mais, à idade, ao sexo, ao estado de saúde e à sua situação económica e social, em termos de a fixação não afectar a própria manutenção em quadro de dignidade humana.
4. O aumento das necessidades do alimentando e a diminuição das possibilidades do obrigado a alimentos são susceptíveis de decorrer do próprio aumento do custo de vida, por exemplo, o que decorre da diminuição do poder de compra em virtude da inflação.
5. Se os factos provados apenas revelarem, no que concerne ao circunstancialismo motivador da fixação da pensão de alimentos, a posterior depreciação do valor da moeda durante cerca de vinte anos, é esta que deve relevar na sua alteração, mas tendo em conta que a inflação afectou de igual modo o obrigado."

Nota - Os factos notórios são aqueles que, sendo de conhecimento geral, escapam à regra do dispositivo na alegação de factos principais, podendo ser considerados pelo juiz mesmo que não tenham sido alegados pelas partes.
Para algumas aplicações práticas do conceito (umas vezes aceitando, outras negando a sua aplicação), podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2005, proferido no processo n.º 04S3165 (horário de trabalho, em face de registos de ponto), de 01-02-1995, proferido no processo n.º 084550 (desvalorização da moeda), de 26-05-1993, proferido no processo n.º 083340 (desvalorização da moeda), de 05-06-2002, proferido no processo n.º 02S345, (necessidade de alimentação), de 05-11-1996, proferido no processo n.º 96A336 (a poupança de um casal não é forçosamente canalizada só em proveito dos filhos), de 17-11-1998, proferido no processo n.º 98A893 (inflação), de 12-11-1991, proferido no processo n.º 081133
(distinção entre facto notório e presunção ad hominem), de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03A1235 (abalo moral e desequilíbrio emocional da mulher que durante 19 anos está separada do marido), de 08-04-2003, proferido no processo n.º 03A202 (nexo de causalidade em acidente de viação), de 08-05-1997, proferido no processo n.º 96B852 (desvalorização da moeda), de 17-01-1995, proferido no processo n.º 085888 (aumento anual dos vencimentos, que não se qualifica como facto notório, aparentemente em contradição com o acórdão de 21-06-1979, proferido no processo n.º 067908, embora este possa referir-se apenas à actualização do salário mínimo), de 17-11-1994, proferido no processo n.º 084784 (inflação), de 19-03-1992, proferido no processo n.º 079907 (inflação), de 15-12-1998, proferido no processo n.º 98A638 (à privação ilegítima e ilícita do gozo de um bem corresponde implicíta e necessariamente um prejuízo), de 25-06-1998, proferido no processo n.º 97B581, de 28-05-1996, proferido no processo n.º 96B231 (valor de máquinas), de 03-07-1996, proferido no processo n.º 96S074 (os trabalhos em cima de um telhado revestem-se de particulares perigos), de 27-02-1986, proferido no processo n.º 072636 (uma vez celebrado o contrato-promessa, ha uma serie de diligencias a realizar que implicam necessidade do decurso de algum tempo para que possa ser outorgada a escritura definitiva), de 19-05-1992, proferido no processo n.º 081989 (sentença proferida noutro processo judicial), de 24-05-1989, proferido no processo n.º 077193 (a publicação em um jornal de grande divulgação e expansão de um retrato da autora em "topless" sem o seu consentimento se tinha de repercutir forçosamente na reputação e honra da retratada e, só por si, gerar prejuízos), de 09-06-1987, proferido no processo n.º 074659 (desvalorização de um automóvel), de 19-01-1989, proferido no processo n.º 076831 (contributo de um cônjuge para a economia comum), de 02-02-1989, proferido no processo n.º 076743 (o atraso na entrega de mercadoria comprada acarreta necessariamente prejuizo ao comerciante comprador), de 13-05-1986, proferido no processo n.º 073048 (os comboios que circulam na rede férrea portuguesa estão na direcção efectiva da C. P., Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., e circulam no seu interesse), e de 20-03-1990, proferido no processo n.º 078636 (relevância do ano de fabrico quanto a determinação do preço de um automóvel).

Existem muitos outros, para além dos citados (fico-me pelo STJ, que já produziu um caudal abundante de decisões sobre o assunto), principalmente sobre a inflação e desvalorização da moeda enquanto factos notórios (citei alguns destes, mas há muitos, muitos mais).

Entendendo, a meu ver erradamente, que a qualificação de um facto como "facto notório" é matéria de facto (logo, subtraída ao conhecimento do STJ), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03B1007. Em sentido mais correcto, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 09-12-1999, proferido no processo n.º 99A872 e principalmente o de 27-02-1996, proferido no processo n.º 088211.

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Nota muito rápida sobre jurisprudência constitucional

Não vale a pena reproduzir, exaustivamente, as decisões que vão sendo publicadas sobre a não inconstitucionalidade da norma decorrente da conjugação da parte final do n.º 1 do artigo 100.º com a alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, enquanto se refere às causas mencionadas na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, todos do CPC, sendo os dois últimos artigos na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, interpretada no sentido de que a proibição do afastamento, por convenção expressa das partes, da regra de competência em razão do território, constante do último preceito citado, se aplica às acções instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º 14/2006, mesmo que a convenção de foro conste de contrato celebrado antes dessa vigência (cfr. última actualização aqui).

Basta dizer que tal juízo tem vindo a ser repetido pelo Tribunal Constitucional, agora repetidamente com mera remissão para as decisões anteriores.
Por cá, a questão dá-se por encerrada.

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Jantar-debate

O jantar-debate de ontem, no restaurante Portucale, no Porto, foi excelente. O conselheiro Cunha Rodrigues falou sobre "justiça comunitária: o espírito e o método". Está de parabéns a "minha" (nossa!) Associação Jurídica do Porto, principalmente os incansáveis Presidente Paulo Duarte Teixeira e Vice-Presidente Ricardo Nascimento.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Litigância de má fé: uma "viagem" ao processo penal

Há dias, deixei aqui algumas notas desenvolvidas sobre a litigância de má fé das pessoas colectivas. Hoje, faço um ocasional desvio ao tema geral do blog para dar conta de uma decisão muito interessante do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo penal.
O acórdão deste tribunal de 14-02-2007, proferido no processo n.º 06P361, tem o seguinte sumário:
"A especificidade do processo penal impede a condenação, como litigante de má fé, dum arguido que apresenta sucessivos requerimentos com o fim de entorpecer a acção da justiça protelando, sem fundamento, o trânsito em julgado de decisão que o vise.
Tal tipo de comportamentos põe em causa a essência do Estado de direito, demandando uma reacção que a própria condenação como litigante de má fé não asseguraria."

No caso concreto, o Tribunal da Relação de Lisboa havia condenado o arguido por litigância de má fé, embora a decisão tenha contado com um voto de vencido (bastante extenso, por sinal). O acórdão em causa (da Relação) é de 09-11-2005, tendo sido proferido no processo n.º 7995/2001-3. O seu texto integral, incluindo o voto de vencido, podem encontrar-se aqui.

O acórdão do Supremo é breve e remete para outras decisões. Deixo aqui, antes de mais, o essencial da sua fundamentação, a este respeito.

"(...)
Situando-nos no art.º 4.º do CPP logo deparamos com uma exigência:
Que se trate dum caso omisso.
A este respeito, trazemos para aqui as palavras de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, 104):
“É preciso ter muito cuidado em matéria de integração analógica. É que só há lugar a integração quando exista lacuna e esta só existe quando haja uma situação que é necessário regular e o não é, isto é, para a qual a lei não dê directamente solução.”
Ora, o legislador do processo penal teve em conta situações de litigância de má fé ( ou afim ). Expressamente, na alínea c) do art.º 520.º do CPP e, consignando uma figura com manifestas afinidades, no art.º 223.º, n.º6, no art.º 420.º, n.º4 e no art.º 45.º, n.º5.
Se se considerasse existir lacuna quanto à condenação por litigância de má fé em geral no processo penal, por quê a estatuição daqueles preceitos? E como se conjugaria a regra geral com aquele estatuição específica?

Depois, exige ainda aquele artigo 4.º que as normas de processo civil se harmonizem com o processo penal.
E vêm ao de cima aqui particulares diferenças:
O arguido tem um estatuto próprio, resultante, em grande medida, do art.º 61.º. Não tem, nomeadamente, qualquer sanção se se vier a demonstrar que, sobre os factos que lhe são imputados, não disse a verdade. O que contraria a relevância duma das situações que mais frequentemente leva, em processo civil, à condenação que vimos abordando.
Mesmo no plano geral, as diferenças são acentuadas, como escreveu o citado Professor, agora a páginas 32.
A harmonização exigida pelo dito art.º 4.º não é fácil.
Ligada a esta questão da harmonização, temos o desenho legal da própria figura da condenação por litigância de má fé.
Logo começa o art.º 456.º do CPC por se referir a “ parte “, prevendo logo a seguir uma indemnização à parte contrária, precisando no artigo seguinte o conteúdo desta.
Depois, prevê-se o caso de a “parte” ser um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, referindo que a responsabilidade recai sobre o seu representante que esteja de má fé na “causa”. Tudo muito difícil de conceber em processo penal. Basta pensar-se que um menor de 16 anos pode ser arguido, não se podendo falar sequer em “representante” para estes efeitos.
Não admitimos, pois, a condenação por litigância de má fé em processo penal. Os argumentos aduzidos podem não ser considerados válidos quanto ao pedido cível (ou outros incidentes do processo penal como o arresto preventivo) mas não é quanto a actos integrantes destes que nos temos de pronunciar.
Acompanhamos, aliás, grande parte da Jurisprudência, nomeadamente, os Ac.s deste Tribunal de 14.10.92 ( BMJ 420, 406), 5.11.98 (proc.574/98), 26.2.02 (CJ STJ, X, 2, 227) e de 9.3.2005 (proc.4401/03).
Na doutrina, pronunciaram-se também pela negativa, Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I, 334, e Salvador da Costa (Código das Custas judiciais Anotado, 458), este, todavia, com ressalva do pedido cível e do arresto preventivo enxertado em processo penal.
Não ignoramos que, em processo penal, têm lugar – bem mais frequentemente do que o legislador certamente imagina – situações de invocação sucessiva dos mais diversos incidentes que, em limite, levam até a que uma decisão não transite, pelo menos em tempo útil. Basta pensar-se em arguido que tudo põe em causa, deste a colocação ou bondade da nomeação do juiz que o julga até à legitimidade dos demais intervenientes processuais. O próprio indeferimento das suas pretensões é objecto de impugnação sistemática, com os mais variados fundamentos e aí por diante.
Cremos nós que, nestes casos, está em causa a própria essência do Estado de Direito e que, nessa medida, o legislador terá, ou deverá ter, uma palavra. É nele que reside, a nosso ver, a possibilidade de tornar inerente ao processo penal o exercício da autoridade que vede este tipo de situações.
Sabendo-se mesmo que há muitos arguidos que não têm bens penhoráveis, a própria condenação por litigância de má fé, se fosse admissível, não serviria o profundo interesse que está em jogo."

Sobre este problema, havia já acórdãos em sentidos diversos.

Pela aplicabilidade do regime da litigância de má fé ao processo penal, para além da decisão, já referida, da Relação de Lisboa, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-1986, proferido no processo n.º 038002, do Tribunal da Relação do Porto de 15-12-1999, proferido no processo n.º 9940855 ("também em processo penal é possível haver condenação por litigância de má fé, quer do arguido, quer do assistente, quer do simples lesado, quer das partes civis"), de 22-10-1997, proferido no processo n.º 9710828, de 13-07-1994, proferido no processo n.º 9420580 (este, embora não condene por litigância de má fé, admite o instituto, apenas considerando que não se verificam os seus requisitos),

Pela não aplicabilidade daquele instituto em processo penal decidiram os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2005, proferido no processo n.º 4040/2005-3 (admitindo, porém, a responsabilização do advogado), de 22-01-2003, proferido no processo n.º 0083653, de 14-01-2003, proferido no processo n.º 0083645 e de 06-02-1996, proferido no processo n.º 0007265, do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2006, proferido no processo n.º 1676/06, e de 19-02-2003, proferido no processo n.º 3129/2002 (admitindo, porém, a condenação como litigante por má-fé no incidente de apoio judiciário), do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2005, proferido no processo n.º 809/05-1, e do Tribunal da Relação de Évora de 07-02-2006, proferido no processo n.º 2334/05-1.

Pela não aplicabilidade do regime da litigância de má fá na acção cível enxertada no processo penal, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-06-2006, proferido no processo n.º 0640683.

Algo inconclusivo (embora me pareça alinhar pela inadmissibilidade), pela brevidade do sumário, é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-04-2000, proferido no processo n.º 0002249: "o CPP não consagrou o regime de litigância de má fé, do CPC, embora não tenha ficado indiferente à possibilidade de os sujeitos processuais actuarem de má fé, sancionando-os em diversas situações processuais com o pagamento de uma importância em dinheiro".

Em resumo, entende-se, no primeiro grupo de decisões, que se trata de uma lacuna do processo penal, a integrar por apelo às regras do processo civil, atendendo ao facto de o arguido também poder fazer uso anormal do processo (principalmente quando tenta entorpecê-lo pela invocação sucessiva de expedientes processuais sem fundamento sério). Nas restantes, entende-se que não há lacuna, sendo a omissão de tal regime no processo penal intencional, já que o instituto será incompatível com os direitos do arguido.
Tendo a subscrever a entendimento que pugna pela inaplicabilidade do regime da litigância de má fé em processo penal.
Para além das razões constantes da decisão do STJ citada em primeiro lugar, convence-me a seguinte argumentação do já referido acórdão do Tribunal de Coimbra de 12-07-2006, proferido no processo n.º 1676/06:
"Acresce que, a particular natureza do processo penal, subtraído à disponibilidade dos intervenientes, orientada para a realização do interesse público, “ num quadro de acção e de intervenção processual que não se assume nunca como um processo de partes “ não é compaginável com o instituto da litigância de má-fé do processo civil, ao qual subjaz o pressuposto de liberdade de actuação e de disposição processuais próprios daquele tipo de processo.

Por sobre tudo isso, e no que concerne concretamente o caso do arguido, a desadequação dos princípios subjacentes à condenação como litigante de má-fé e o estatuto que é o do arguido, patenteia-se ainda com mais evidência, atenta a especial garantia do direito de defesa que, desde logo em sede constitucional - artº 32º nº 1 da CRP - lhe é assegurado. Com efeito, a lei parte da ideia base de que a intervenção do arguido no processo tem por finalidade apenas a sua defesa, e desta ideia base faz derivar um conjunto de direitos para garantia daquele mesmo direito de defesa. Garantia de que o arguido poderá intervir processualmente sempre que o entender, apenas orientado pelo que seja a sua estratégia de defesa, sendo-lhe reconhecido um direito genérico à jurisdição , e concretamente o direito ao recurso – nº 1 do referido artº 32º da CRP e 401º do CPP - oferecendo provas e requerendo as diligências que tiver por pertinentes – artº 28º nº 2 da CRP e artº 61º al. f) do CPP – prestando ou recusando a sua colaboração sem que o seu silêncio o possa desfavorecer de qualquer forma – artº 343º nº 1 e 345º do CPP . Em todas estas situações estamos perante direitos que fazem parte integrante do estatuto do arguido que não são compatíveis com o instituto da litigância de má-fé, a que estão subjacentes princípios como o dever de cooperação para a realização célere da justiça e descoberta da verdade.

Por isso que o facto de não ter previsto a condenação nos termos específicos do litigante de má-fé não pode ser considerado como lacuna da lei, antes como vontade manifesta do legislador processual penal de assim proceder. Não pode dizer-se que exista lacuna da lei quando o silêncio da lei surge justificado por razões político-jurídicas, como correspondendo a uma opção do legislador que, conscientemente não tratou juridicamente um certo caso."

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Julgados de paz: nova actualização

Actualizando o último texto (mais desenvolvido), deixo apenas o rol actualizado de decisões sobre esta matéria, incluindo agora o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2007, proferido no processo n.º 1047/2006-2, no sentido da exclusividade.

Pela exclusividade da competência dos julgados de paz, nas matérias que lhe são confiadas, e consequente incompetência dos tribunais judiciais alinham os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-03-2004, proferido no processo n.º 03B3646 (neste acórdão, não se trata da questão principal, mas é tratada na parte final da fundamentação), de 05-07-2005, in CJ, 2005, II, pág. 154, de 03-10-2006, proferido no processo de agravo n.º 2396/06 (não publicado na íntegra, mas com sumário aqui), do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2006, proferido no processo n.º 0623377 (por unanimidade), de 08-11-2005, proferido no processo n.º 0525540 (por unanimidade) e de de 05-12-2006, proferido no processo n.º 0626174 (por unanimidade), do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2006, proferido no processo n.º 8573/2006-8 (com um voto de vencido), de 29-06-2006, proferido no processo n.º 5726-2006-6 (com um voto de vencido que, porém, não abrange a referida questão), de 22-06-2006, proferido no processo n.º 4929/2006-6 (por unanimidade) e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 8989/2006-2 (por unanimidade) e de 18-01-2007, proferido no processo n.º 1047/2006-2 (por unanimidade).

Contra a exclusividade, defendendo a competência alternativa entre tribunais judiciais e julgados de paz nas matérias confiadas a estes, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4032 (por unanimidade), do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 3554/2006-7 (por unanimidade), seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3896/2006-8 (por unanimidade) e ainda, da mesma Relação, os de 14-11-2006, proferido no processo n.º 8588/2006-7 (com um voto de vencido) e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 8759/2006-8 (por unanimidade). Defendendo a concorrência de competência, transitoriamente, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2006, proferido no processo n.º 4664/2006-8.

As opiniões mais citadas a favor da exclusividade são do Conselheiro Cardona Ferreira ("Julgados de Paz, Organização, Competência e Funcionamento") e do Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira ("Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários").

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quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Suspensão do processo por pendência de causa prejudicial

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-10-2006, proferido no processo n.º 546/06-2, decidiu-se o seguinte:
"A suspensão da instância com fundamento na pendência de outra acção, só é de decretar quando da decisão desta dependa a resolução do conflito configurado naquela.
Estando a acção de divisão de coisa comum na fase da venda, a que alude o n.º 2 do artigo 1056º do CPC, a acção instaurada para que seja apreciado se os autores (réus na acção de divisão de coisa comum) adquiriram uma parcela do prédio por usucapião ou acessão, não constitui causa prejudicial.
Tendo já sido decidido na acção de divisão de coisa comum, que o prédio é indivisível e que os réus não adquiriram uma parcela desse prédio por usucapião, o pedido de suspensão deve ser indeferido".

A propósito desta decisão, julgo conveniente deixar aqui algumas notas que fui recolhendo sobre o problema em causa.
Como critério, LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, CPC anotado, vol. 1.º, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pág. 501, entendem que prejudicial é a
"acção que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada", dando o exemplo da acção de nulidade de um contrato como prejudicial daquela em que se exige o cumprimento das obrigações nele previstas.
A acção de anulação/nulidade da deliberação social de propositura de acção de preferência, pela sociedade, na transmissão de quotas também será, por exemplo, prejudicial em relação à própria acção de preferência intentada. Sobre a relação de prejudicialidade entre a acção de preferência do arrendatário e a acção de resolução do contrato de arrendamento, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-05-2000, proferido no processo n.º 3299.
No fundo, haverá que inserir a pretensão em causa no iter decisório, enquanto pressuposto necessário da decisão final (cfr., num sentido aproximado, o acórdão do STJ de 06-07-2005, proferido no processo n.º 05B1522). Embora a formulação do critério da prejudicialidade varie um pouco na jurisprudência, não se tem afastado muito desta ideia geral.
É pacífico que a acção prejudicial pode ser intentada depois daquela em que se suscita a suspensão (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 31-05-2005, proferido no processo n.º 0326268 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-10-2002, proferido no processo n.º 0074906).
Sobre a inaplicabilidade, na acção executiva, da suspensão por pendência de causa prejudicial, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2002, proferido no processo n.º 1304/02, de 14-10-2004, proferido no processo n.º 04B2771, e do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-2006, proferido no processo n.º 0630961. No entanto, tal não deverá impedir que se decrete a suspensão de embargos ou oposição à execução (cfr. LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, cit., pág. 502, e os acórdãos do STJ de 10-01-1980, proferido no processo n.º 068448, e, indirectamente, o de 30-09-2004, proferido no processo n.º 04B2776, do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-03-2006, proferido no processo n.º 297/2006-6, de 11-05-2004, proferido no processo n.º 8871/2003-7, de 26-07-2003, proferido no processo n.º 2441/2003-2, de 01-02-1990, proferido no processo n.º 0026782 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-03-1999, proferido no processo n.º 19/99).
Sobre a propositura de acção prejudicial apenas com o fim de paralisar o processo em que a suspensão se vai suscitar (cfr. artigo 279.º, n.º 2 do CPC), pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2006, proferido no processo n.º 0635852.

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terça-feira, fevereiro 20, 2007

Princípio da adesão - análise de uma decisão

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-02-2007, proferido no processo n.º 0612241, li o seguinte sumário: "Em processo penal não há lugar a condenação em indemnizações com base em responsabilidade pelo risco".

Fiquei curioso, já que o sentido da decisão me pareceu um pouco surpreendente. Na fundamentação, segue-se a seguinte linha de raciocínio: o STJ uniformizou o entendimento, através da Jurisprudência n.º 7/99, de 17 de Junho, segundo a qual "se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratualou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual". Daqui, a fundamentação no citado acórdão de 07-02-2007 dá imediatamente o salto para a seguinte conclusão: "o que leva a concluir que o processo penal é meio inadequado para conhecer de pedido civil que não tenha por causa de pedir o facto ilícito integrador do crime que é objecto do processo penal. Como acontece quanto à indemnização baseada na responsabilidade objectiva ou pelo risco resultante da utilização de veículos, prevista no art. 503º do Código Civil".

É precisamente este salto que não subscrevo, salvo melhor opinião. Na verdade, o que aquela jurisprudência uniformizadora exclui do processo penal é o julgamento do pedido de indemnização baseado em responsabilidade contratual. Ora, a responsabilidade pelo risco é ainda responsabilidade extracontratual - apenas prescinde da culpa. E mais: a lógica da jurisprudência uniformizadora foi de excluir as hipóteses em que o direito violado não era absoluto, mas sim relativo, ou, por outras palavras, em que o facto ilícito não se refere a um direito absoluto. No entanto, na responsabilidade pelo risco, de todos os requisitos do artigo 483.º do Código Civil, apenas se prescinde do requisito da culpa, mantendo-se intocado o requisito da ilicitude por violação de direito absoluto.
Mas não é só: lida com atenção a fundamentação da Jurisprudência n.º 7/99, torna-se evidente algo que as conclusões não mostram abertamente (por não se tratar da questão central) - a separação entre a responsabilidade contratual e por factos lícitos, por um lado (que o acórdão exclui do âmbito do processo penal) e da responsabilidade aquiliana ou pelo risco (que o acórdão inclui no âmbito do processo penal).
Finalmente, a decisão citada aparece destacada de uma imensidão de acórdãos que, em processo penal, aplicaram sem hesitação as normas da responsabilidade pelo risco. Vejam-se, por exemplo, os seguintes:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-01-2006, proferido no processo n.º 0515934: "Portanto, por força do que se dispõe neste último normativo o juiz, apesar de absolver o arguido da acusação contra ele deduzida, deve condená-lo na indemnização civil, desde que o respectivo pedido, formulado com base nos factos da acusação, seja fundado, e, assim, procedente. E essa condenação deve o juiz proferi-la, quer a obrigação derive de facto ilícito extracontratual, quer se funde no risco, quer tenha por fonte violação de um qualquer direito subjectivo, seja ele um direito pessoal, seja antes um direito de crédito."
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-1999, proferido no processo n.º 9940384:
"O artigo 377 n.º 1 do Código de Processo Penal só tem aplicação quando esteja em causa a responsabilidade civil extracontratual ( fundada num facto ilícito ou no risco) e não também nos casos de responsabilidade civil fundada na existência de um contrato".
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2005, proferido no processo n.º 6600/2004-5:
"A incerteza quanto a aspectos essenciais da dinâmica de um acidente de viação e do comportamento dos condutores dos veículos nele envolvidos impede a formulação de juízo de culpa, na produção do sinistro, em relação a qualquer deles, dando lugar à aplicação das normas que regem a obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade pelo risco" (a decisão aplicou as normas da responsabilidade pelo risco).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-06-2006, proferido no processo n.º 1148/06:
"Não suscita controvérsia o entendimento de que o pedido civil aderido ao processo penal deverá ter por base, isto é, ter como causa de pedir o facto ilícito gerador da responsabilidade civil extracontratual em que se fundeia a obrigação de indemnizar a cargo do autor do evento danoso. Decorre do predito entendimento que o tribunal terá, desde que o lesado haja deduzido pedido civil, ou nos casos em que as “particulares exigências da vitima o imponham” –cfr. art. 82º-A do CPP – que condenar desde que fique provada materialidade que integre os pressupostos donde mane a responsabilidade civil extracontratual, fundada na culpa, ou tão só no risco".
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2005, proferido no processo n.º 942/05:
"A solução adoptada não contraria o decidido pelo Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º. 7/99 do STJ (DR IS-A de 03.08.99): Se em processo penal for deduzido pedido de indemnização civil, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art. 377º, n.º1 do CPP, ou seja a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade civil extra-contratual.
Isto porque a indemnização, no caso, não assenta na responsabilidade contratual, mas, como acima se evidenciou, nos mesmos pressupostos da responsabilidade penal (acto ilícito) ainda que de âmbito menor, por prescindir apenas do pressuposto (dolo) bastando para a verificação da responsabilidade civil a mera culpa. Tal como sucede em caso de crime de homicídio negligente em que, ainda que não provada a culpa, deve o tribunal condenar em responsabilidade civil, se verificados os pressupostos da responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 377º, n.º1 do CPP."
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-01-2006, proferido no processo n.º 2618/05-1:
"No nosso direito positivo, a questão da indemnização a fixar pela prática de um crime consiste no sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (artigos 71.º e 72.º do Código Penal).
Assim, no processo penal deve ser arbitrada indemnização não só quando os factos preenchem os requisitos da responsabilidade criminal, mas ainda quando, não existindo responsabilidade criminal, os factos preenchem os requisitos da responsabilidade civil conexa, de âmbito menor, seja com base em mera culpa negligente, mesmo com base em responsabilidade no risco, ficando apenas excluída a responsabilidade contratual."

Para terminar, diga-se que mal se compreenderia que, num julgamento, em processo penal, estando em causa um acidente de viação, absolvido que fosse o arguido do crime de homicídio por negligência, por não se ter provado a culpa, não se pudesse aproveitar toda a prova para condenar a seguradora a satisfazer a indemnização aos lesados e houvesse que remeter as partes para o processo civil (provavelmente, tal aconteceria já depois de esgotados os prazos de prescrição...).

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