quinta-feira, abril 26, 2007

Pausa nos posts... até 9 de Maio

Caros leitores (alguns fiéis, pelo que tenho visto),
a partir de amanhã, vou fazer uma ligeira pausa na produção de textos para o blog, que será retomada no dia 9 de Maio.
Esta pausa é motivada, amanhã e sábado, pela participação na
conferência de processo civil que vai ocorrer na Universidade Lusófona do Porto.
A partir de domingo, acompanharei alguns alunos meus num projecto fora do país, e só depois de regressar prosseguirei a "produção" habitual.

Espero ver amanhã e/ou sábado, na conferência, algumas caras que acompanham o blog.

Até breve.

Jurisprudência do tribunal de conflitos

1) Acórdão de 29-03-2007, proferido no processo n.º 017/06:
"O internamento em secção de segurança não se confunde com o internamento do recluso em cela disciplinar ou com o seu isolamento em cela especial de segurança.
Tal medida justifica-se quer por perigo fundado de evasão quer por o estado ou comportamento do recluso representarem perigo para a segurança e para a ordem do estabelecimento prisional.
Essa medida não consta do elenco das competências do TEP no DL 783/76, de 29.10, conjugado com a DL 265/79, de 1.8.
É, antes, uma medida administrativa, só sindicável através de recurso para os tribunais administrativos
"
.


2)
Acórdão de 25-01-2007, proferido no processo n.º 019/06:
"A competência terá de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual, tal como foi apresentada em juízo, relevando, por isso, o “quid disputatum”.
Um litígio emergente de relações jurídicas administrativas é aquele em que existe controvérsia sobre relações jurídicas disciplinares por normas de direito administrativo
"
.

Nota - Neste caso concreto, a autora pedia do réu (município do Porto) uma indemnização por "violação de anteriores compromissos que o Recorrido Município do Porto teria assumido, designadamente, comprometendo-se a uma alegada “ulterior permuta” de terrenos “por outros, com uma edificabilidade garantida de 82.110m2 acima do solo”".
Ora, partindo da análise da relação jurídica em causa, em que assentará o juízo sobre a competência material (cfr., neste sentido, invocados pela decisão anotada, os acórdãos do Tribunal de Conflitos
de 26-09-1996, proferido no processo n.º 000267, de 11-07-2000, proferido no processo n.º 000318, de 27-02-2002, proferido no processo n.º 0371/02, de 05-02-2003, proferido no processo n.º 06/02, de 08-07-2003, proferido no processo n.º 01/03, de 09-07-2003, proferido no processo n.º 09/02, de 18-12-2003, proferido no processo n.º 02/03, de 23-09-2004, proferido no processo n.º 05/04, de 29-09-2005, proferido no processo n.º 09/05, de 18-05-2006, proferido no processo n.º 04/05, e de 25-05-2006, proferido no processo n.º 026/05, do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2003, proferido no processo n.º 414/03, da 4ª Secção, de 01-10-2003, proferido no processo n.º 2059/03, da 4ª Secção, e do STA de 27-01-1994, proferido no processo n.º 032278, de 26-09-1996, proferido no processo n.º 000267, de 27-11-1996, proferido no processo n.º 039544, de 19-02-1997, proferido no processo n.º 039589, de 24-11-1998, proferido no processo n.º 043737, de 26-05-1999, proferido no processo n.º 040648, de 06-07-2000, proferido no processo n.º 046161, de 11-07-2000, proferido no processo n.º 000318, e de 12-12-2006, proferido no processo n.º 0934/06).
Ora, em face do pedido e da causa de pedir, tornava-se evidente que
"os aludidos compromissos (consubstanciados no que se pode qualificar como sendo um contrato-promessa de permuta de imóveis) passariam, para além do mais, pelo desencadear dos actos administrativos necessários a garantir tal edificabilidade de 82.110 m2.
Só que, sendo isto assim, como é, então, é patente que a questão cuja apreciação se pretende submeter a juízo não pode ser decidida sem directa aplicação de normas de direito administrativo, desde logo, as que se prendem com o direito urbanístico, por o dito volume de edificabilidade estar condicionado pela emissão do respectivo acto licenciador, não se tratando, aqui, assim, de uma qualquer edificabilidade já “legal e regularmente pré-estabelecida”, não se podendo, por isso, pretender equiparar esta situação com aquela em que se encontrariam dois particulares se tivessem celebrado um contrato-promessa de permuta de terrenos, na medida em que, como é evidente, não incumbiria a qualquer deles definir o grau de edificabildiade dos terrenos, o que, concluindo, tudo releva, claramente, no caso dos autos, da competência da jurisdição administrativa"
.
Daí que se tratasse "de um pedido indemnizatório decorrente de um litigio emergente de uma relação jurídica administrativa, por em causa estar a alegada prática de actos administrativos, tidos por ilegais, no âmbito do licenciamento dos empreendimentos dos Recorrentes, o que, necessariamente, convoca a aplicação de normas de direito administrativo, como é o caso, para além de outras, das atinentes com o direito urbanístico e também com a responsabilidade civil extracontratual dos Entes Públicos (DL 48.051, de 21/11/67)".



3)
Acórdão de 20-12-2007, proferido no processo n.º 04/06:
"O nº 1 do art. 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, não deve ser entendido em sentido estritamente literal, como reportando-se apenas aos tribunais judiciais, ou seja, da jurisdição comum, sendo mais coerente com o princípio da unidade do sistema jurídico e com a teleologia da norma entender a referência ao “tribunal da comarca”como reportada ao tribunal de 1ª instância da jurisdição a que se reporta a acção principal, com vista a cuja instauração ou prosseguimento o apoio judiciário foi solicitado.
Visando o apoio judiciário solicitado a instauração de uma acção administrativa impugnatória de uma deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que é sem dúvida da competência dos tribunais administrativos e fiscais, é aos tribunais desta ordem jurisdicional que cabe conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos arts. 27º e 28º, nº 1 da citada Lei
"
.

Nota - A decisão em causa encontra apoio (que expressamente invoca) num acórdão do STJ que, sobre a anterior lei do apoio judiciário, decidiu que "o artº 29º nº 1 da Lei do Apoio Judiciário, que determina que é da competência do tribunal de comarca da área onde está situado o serviço de segurança social que denegou o apoio judiciário, apreciar o recurso da respectiva decisão, deve ser interpretado extensivamente no sentido de que as regras de competência ali fixadas reportam-se não só à jurisdição comum, mas também à jurisdição administrativa e fiscal" - cfr. acórdão
de 22-09-2005, proferido no processo n.º 05B1248.

Etiquetas: , , ,

quarta-feira, abril 25, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

1) Acórdão de 14-12-2006, proferido no processo n.º 1582/06-3:
"A cabeça de casal na herança aberta pelo óbito de um sócio de uma sociedade não tem legitimidade para requerer a insolvência desta, desacompanhada dos outros sócios, excepto se provar ser desconhecido o paradeiro destes".


2) Acórdão de 14-12-2006, proferido no processo n.º 2418/06-3:
"A falta de acordo de um dos cônjuges manifestada perante a Conservatória, quanto ao divórcio por mútuo consentimento aí requerido por mandatário a quem ele o seu cônjuge haviam conferido conjuntamente poderes para, além do mais, instaurar tal processo de divórcio por mútuo consentimento determina a imediata extinção do processo por inutilidade superveniente (e superveniente porque a vontade de divórcio deixou de existir...) da lide, sem necessidade de audiência prévia do outro cônjuge.
Os processos de Jurisdição voluntária não são verdadeiramente processos de partes, titulares de interesses conflituantes; a jurisdição voluntária não resolve conflitos mas apenas interesses; logo, não se pode falar em partes no sentido em que esta designação tem na jurisdição contenciosa; como o seu próprio nome indica, a jurisdição voluntária visa a homologação de pedidos que não impliquem litígio".

Nota - A decisão parece-me correcta. No entanto, devo notar que a jurisdição voluntária não visa apenas a "homologação de pedidos que não impliquem litígio", mas, em geral, a regulação de interesses que não se organizam em conflito ou em que a estrutura processualmente relevante não passa por um conflito de interesses.


3) Acórdão de 23-11-2006, proferido no processo n.º 2027/06-2:
"O Estado e pessoas colectivas públicas não estão sujeitas ao prazo de 30 dias a partir do conhecimento do facto, para poderem requerer o embargo de obra nova".

Nota - A decisão parece ser incontestável, face ao n.º 2 do artigo 413.º do CPC. A norma em si mesma, porém, é, no mínimo, contestável.


4) Acórdão de 23-11-2006, proferido no processo n.º 2099/06-2:
"Ao pedir prorrogação do prazo para apresentar as alegações de recurso, não pode o recorrente invocar o artigo 486º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, se o motivo se prende com a falta de entrega, pela Secretaria Judicial, duma certidão, atempadamente requerida".

Nota - Quanto à não aplicabilidade do artigo 486.º do CPC às alegações de recurso, cfr. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-09-2006, proferido no processo n.º 6127/06-2. Entendo que se trata de uma interpretação correcta das normas em causa.
Já não me parece tão líquido como no acórdão se escreve, porém, que a situação de não passagem de uma certidão pela secretaria não possa caber, em abstracto, na hipótese do justo impedimento. Pode ou não caber, conforme tal certidão se mostre ou não essencial para a preparação das alegações (o acórdão não fornece elementos suficientes para ajuizar sobre este ponto). Ainda assim, nesta hipótese concreta, o recorrente nunca poderia beneficiar do regime do justo impedimento, pois, ao tempo do seu requerimento, o prazo ainda se encontrava em curso.

Etiquetas: , , , , , , , ,

terça-feira, abril 24, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora - reclamações para o presidente

1) Decisão de reclamação de 19-02-2007, proferida no processo n.º 483/07-2:
"Antes da reforma da acção executiva, o art. 923º do Código de Processo Civil estabelecia um regime especial, que com algumas alterações remontava ao CPC de 1939, referente à subida dos agravos interpostos na acção executiva e nas acções declarativas que corriam por apenso. Nesse regime resultante da redacção introduzida pelos DLs nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro estabeleciam-se dois momentos para a subida dos agravos: o da conclusão da penhora e o da conclusão da adjudicação, venda ou remição de bens.
O recurso interposto pelos executados, do despacho que ordenou o prosseguimento da execução, já após a penhora ter sido efectuada, só deve subir, quando esteja concluída a adjudicação, venda ou remição de bens.
Este regime especial, previsto no art. 923º nº1 al. c) do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro afasta o regime geral previsto no art. 734º do mesmo diploma legal".

Nota - Quanto ao afastamento do artigo 734.º pelo artigo 923.º, n.º 1, al. c), na redacção anterior à reforma da acção executiva, cfr. a as decisões de reclamação para o Tribunal da Relação do Porto de 28-01-2007, proferida no processo n.º 0636956, e de 23-01-2006, proferida no processo n.º 0620467, e ainda a decisão de reclamação para o Tribunal da Relação de Évora de 07-11-2006, proferida no processo n.º 2557/06-2.


2) Decisão de reclamação de 06-02-2007, proferida no processo n.º 260/07-1:
"Por ser, no domínio da Jurisprudência, uma questão controvertida, é de admitir, em primeira instância, o recurso interposto pelo Ministério Público, nos termos do art. 145º nº 5 do CPC, num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mesmo que esta entidade não tenha declarado expressamente de que pretendia fazer uso dessa prerrogativa".

Nota - Esta questão (da possibilidade de prática de actos processuais pelo Ministério Público nos "3 dias" a que se refere o artigo 145.º do CPC sem sujeição a multa) foi já tratada desenvolvidamente aqui no blog (cfr. este post).
Como ali referi, no acórdão de 10-01-2007, proferido no processo n.º 0612759, o Tribunal da Relação do Porto entendeu-se que "A prática de actos processuais nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo, fora dos casos de justo impedimento e ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 145º do CPC, está condicionada ao pagamento da multa prevista nesta disposição legal. No caso de ser o Ministério Público a pretender praticar o acto num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ao abrigo do citado art. 145º, 5 do CPC, deverá fazer uma declaração expressa no processo, antes de terminar o respectivo prazo normal, de que pretende fazer uso dessa faculdade, sob pena de se considerar o acto extemporâneo."
Seguiu-se, pois, o sentido traçado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/2001, de 11 de Julho. Este último contou com dois votos de vencido: o do conselheiro Paulo Mota Pinto, que considerou inconstitucional tal interpretação, por violação do princípio da igualdade, e o do conselheiro Bravo Serra, que, num outro extremo, consideraria conforme a Constituição a prática do acto mesmo sem o recurso à declaração prévia.
Na mesma linha do acórdão n.º 355/2001, posicionam-se os acórdãos do STJ de 11-07-2001, proferido no processo n.º 03P2849, e do Tribunal da Relação do Porto de 25-01-2006, proferido no processo n.º 0416298 e de 14-06-2006, proferido no processo n.º 0517031.
O juízo de conformidade daquela interpretação com a Constituição foi repetido em outras decisões (veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2005, de 18 de Janeiro).
Note-se, porém, que nem sempre, naquele tribunal, se defendeu esta posição "mitigada" (considerar possível a prática do acto, mas apenas se houver declaração prévia). No acórdão n.º 59/91, de 7 de Março, entendeu-se que o Ministério Público poderia praticar o acto dentro daqueles três dias sem recorrer a tal declaração. E foi nesta decisão que, apondo voto de vencido, o conselheiro Antero Alves Monteiro Diniz defendeu (penso que pela primeira vez naquele tribunal) a solução depois consagrada no acórdão n.º 355/2001, de 11 de Julho e hoje maioritária.
Pessoalmente, e independentemente das dúvidas de constitucionalidade, não subscrevo a solução de obrigar à "declaração prévia", que me parece um artifício (nada na lei aponta para essa possibilidade) que em nada altera a natureza do acto.
Note-se, finalmente, que a isenção do pagamento de multa pelo Ministério Público tem apoio legal expresso, não podendo tal juízo estender-se à generalidade das entidades públicas (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 229/02, de 28 de Maio, com um voto de vencido).
Para além das decisões até aqui citadas (que já se encontravam no meu post anterior), há que referir, ainda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-1996, proferido no processo n.º 96P754 (apenas quanto à isenção da multa), de 02-10-2003, proferido no processo n.º 03P2849 (no sentido da necessidade de declaração prévia, contando, porém, com um voto de vencido quanto a este ponto), do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-11-2003, in CJ, tomo V, pág. 45 (idem), do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-02-2005, proferido no processo n.º 5/05-1 (idem), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2006, proferido no processo n.º 4463/2006-3 (no sentido, com o qual concordo, da não necessidade da declaração prévia).


3) Decisão de reclamação de 30-01-2007, proferida no processo n.º 181/07-2:
"Sendo o requerimento de oposição do executado uma verdadeira petição inicial deve-lhe ser aplicado, devidamente adaptado, o disposto no art. 467º do CPC.
Uma vez que a oposição à execução pode ser indeferida liminarmente, como resulta do art. 817º do CPC, não se vislumbram razões para que não se aplique, também devidamente adaptado, o regime previsto no art. 234º-A nº2 do mencionado diploma legal, admitindo-se agravo até à Relação do despacho de indeferimento de oposição à execução".

Nota - No mesmo sentido, ao qual adiro, cfr. a decisão da reclamação para o Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2007, proferida no processo n.º 0720423.


4) Decisão de reclamação de 21-12-2006, proferida no processo n.º 2956/06-3:
"Não contendo o substabelecimento a cláusula “sem reserva”, o primitivo mandatário mantém todos os poderes conferidos.
A parte afectada pelo recurso não deve ser ouvida sobre o respectivo requerimento antes do despacho sobre este proferido".

Nota - Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-1983, proferido no processo n.º 037094, de 19-02-1974, in BMJ 234, pág. 218, de 08-03-1974, in BMJ 235, pág. 251, do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-1990, proferido no processo n.º 0309694, e do Tribunal da Relação de Lisboa de de 26-10-1999, proferido no processo n.º 0044261.
Já fui confrontado, em tribunal, com a interpretação - da qual discordo - de que o substabelecimento com reserva apenas vale para "um acto processual", o que não parece ter qualquer apoio nem na letra da lei nem na lógica inerente ao contrato de mandato.

Etiquetas: , , , , , , , ,

segunda-feira, abril 23, 2007

Jurisprudência constitucional (parte 2 de 2)

1) Acórdão n.º 255/2007: julga inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o artigo 18º, um e outro da Lei Fundamental, a norma vertida na alínea o) do nº 1 do artº 6º do vigente Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário.

Nota - No início de Março, um leitor do blog (o Dr. Pedro Jacobetty Vieira), teve a amabilidade de me chamar a atenção para o
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-10-2006, proferido no processo n.º 2465/06-1, que anotei neste post.
Numa troca de e-mails ocorrida nessa altura, perguntou-me o mesmo leitor se conhecia alguma decisão sobre a inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea o) do Código das Custas Judiciais. Reconhecendo que a aplicação literal da norma (que dispõe que "na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, o da respectiva acção ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a)") poderia conduzir a resultados inaceitáveis, respondi-lhe que não conhecia nenhum acórdão a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade de tal norma, embora pensasse que as considerações finais do
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 495/96 pareciam deixar a porta aberta para uma tal conclusão (ali se dizia: "é bem verdade que se pode afirmar que, nalguns casos, quando estão em causa acções de muito elevado valor - como acontece no caso sub judicio - o montante das custas do incidente de apoio juciário se apresenta, pelo menos aparentemente, como excessivo").
Pois bem, antes mesmo de fazer a minha ronda (quinzenal) pela jurisprudência constitucional, o mesmo leitor (a quem novamente agradeço) teve a gentileza de me dar a notícia da decisão agora anotada, que conclui precisamente no sentido da inconstitucionalidade daquela norma.
Na verdade, é pouco razoável que, a uma impugnação cuja utilidade económica corresponde ao valor das custas, se atribua o valor da acção a que tais custas dizem respeito.
O Tribunal Constitucional adere, no essencial, à argumentação do recorrente, que assim alegou: "a atribuição de um valor tributário desproporcionado ao recurso, através do qual se impugna o indeferimento administrativo, total ou parcial, do pedido de apoio judiciário, constituirá naturalmente num factor inibitório ao exercício do direito de impugnação, decorrente da ponderação do valor das custas no caso de um possível e eventual decaimento: e tais riscos de sucumbência são particularmente evidentes em situações em que a eventual insuficiência económica do requerente não é absoluta, radicando antes numa – sempre delicada – ponderação ou comparação entre o valor excepcionalmente elevado do litígio subjacente à causa principal e o montante dos rendimentos efectivamente auferidos pelo requerente; na verdade, embora estes não o coloquem numa situação de insuficiência económica total ou absoluta (que o impedisse, nomeadamente, de litigar em acções de pequeno ou médio valor) poderão constituir fundado obstáculo ao pleno exercício de uma actividade processual em acções de valor muito elevado, em que o interessado se possa ver envolvido, estando desprovido, apesar dos rendimentos que aufere, de meios pecuniários suficientes para fazer frente às acrescidas despesas que as mesmas envolvem”, dizendo, mais adiante, que “a atribuição ao recurso interposto da decisão desfavorável da Segurança Social de valor idêntico ao dos interesses controvertidos na causa principal pode perfeitamente funcionar como factor inibidor a que o requerente, insatisfeito com a decisão negativa da Segurança Social, exerça o direito de a impugnar em juízo, provocando uma decisão jurisdicional sobre a matéria da efectividade do acesso à justiça – atento o desproporcionalmente elevado montante das custas devidas, se o tribunal, porventura, julgar aquela impugnação, no todo ou em parte, improcedente".
A estes argumentos, o acórdão acrescenta ainda que "no sistema anterior (ao de que veio a ficar consagrado após a Lei nº 30-E/2000, já revogada pela Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, mas, no que ora interessa, manteve o sistema daquela primeira), não só o montante da taxa era, pelo menos, duas vezes inferior, como, no caso de recurso da decisão primitiva de não concessão da então denominada assistência judiciária – decisão essa que cabia ao juiz – a taxa ainda era reduzida (cfr. artº 35º do Código das Custas Judiciais anterior ao aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96), sendo que se não vislumbram razões conexionadas com direitos ou interesses constitucionalmente protegidos para o acréscimo hoje surpreendido".


2)
Acórdão n.º 230/2007: não julga inconstitucional a norma do artigo 66.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretado no sentido de que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização, não constituindo o valor do depósito limite máximo do valor das custas.

Nota - O acórdão reitera a posição de outros do mesmo tribunal (n.º 352/91, n.º 467/91 e n.º 608/99) sobre os limites constitucionais à imposição de custas judiciais e a proporcionalidade de tal previsão. O terceiro dos ditos acórdãos refere, em particular, que "na área em questão” [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»".
Vertendo esta formulação na hipótese dos autos, conclui-se: "ora, na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada está, no caso dos autos, ligado ao valor indicado pelos recorrentes para o bem expropriado, valor que não veio, a final, a ser considerado o correcto e adequado pelo tribunal – isto é, com decaimento ou sucumbência da sua pretensão –, relaciona‑se com o segundo sentido referido. Na medida em que o quantitativo superior ao valor da indemnização depositada nos autos (15.000,00 €), ainda que actualizado, não cria ónus de tal modo pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos judiciais, respeita as exigências do primeiro sentido. E na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada nos autos é uma consequência do valor da acção de expropriação e de questões específicas suscitadas (ao menos também) pelos expropriados, liga-se ao terceiro sentido. Em cada um destes sentidos, as exigências de proporcionalidade são respeitadas".
Por fim, considerando o problema de um outro ângulo - o da violação do direito à justa indemnização, escreve-se o seguinte: "tal invocação (...) não é, porém, procedente, na medida em que a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem. Assim, no seu cálculo não podem ser tomados em consideração os custos inerentes à sua actuação, julgada improcedente, no processo de expropriação, mas tão só os danos que foram realmente suportados pelos expropriados em consequência da expropriação, os quais se medem pelo valor do bem expropriado considerado correcto e adequado pelo tribunal. Como se disse na decisão recorrida, uma coisa é a indemnização (já fixada por acórdão transitado em julgado) outra diversa é a determinação do montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais".



3)
Acórdão n.º 227/2007: julga inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão.

Nota - A norma julgada inconstitucional, tal como aqui foi apreciada, já não se encontra em vigor, pois a redacção actual do CCJ prevê a possibilidade de redução da taxa de justiça pelo juiz, no artigo 27.º, n.º 3.
Havia vários fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente. O primeiro prendia-se com a violação da reserva legislativa da Assembleia da República, ao fazer constar o regime de um "imposto" de um decreto-lei não autorizado. Nesta parte, o recurso não foi atendido, pois é jurisprudência pacífica no Tribunal Constitucional a qualificação da taxa de justiça como taxa e não imposto (cfr.
acórdão n.º 8/2000). E embora se reconheça que, em matéria de taxas, o legislador dispõe de uma margem apreciável de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas - cfr. acórdãos n.º 352/91, n.º 1182/96 e n.º 521/99 - lembra que a transposição dos limites da tributação pode implicar uma violação dos preceitos constitucionais (como, aliás, sucedeu nas duas últimas decisões citadas).
Remetendo em parte para considerações constantes de voto de vencido aposto no
acórdão n.º 115/2002, o relator (conselheiro Paulo Mota Pinto) ocupa-se da noção de proporcionalidade da taxa, considerando que "não procede o argumento (...) da “normal complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza”, que nem sempre se verificará na directa proporção do valor da causa e sem qualquer limite máximo. E também não procede o argumento da “relevância económica dos direitos e interesses que subjazem ao acto ou procedimento – e, portanto, da ‘utilidade’ auferida pelo utente – cuja prática se pretende alcançar ou cuja tramitação se desencadeia”, pois não é forçoso que a utilidade que se pretende retirar do serviço de administração da justiça aumente proporcionalmente ao aumento do valor da acção".
Esta decisão rompe, de certa forma, com a anteriormente assumida no
acórdão n.º 349/2002, onde não se julgou inconstitucional a aplicação da taxa de justiça, sem qualquer limite, independente da concreta actividade jurisdicional desenvolvida. Apesar de, neste último, se tratar da acção principal, e, no acórdão anotado, se tratar de um procedimento cautelar, a verdade é que, aqui, se admite não ser de acompanhar a "lógica subjacente" ao dito acórdão n.º 349/2002.
Finalmente, considera-se, a este respeito, que "o valor de taxa de justiça a que se chegaria – € 584.403,82 – era também manifestamente desproporcionado aos custos da actividade jurisdicional num procedimento cautelar, por força da fixação da taxa de justiça, de acordo com os escalões constantes da tabela anexa, em função do valor da causa sem qualquer limite máximo".
Daqui se retira a inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade da taxa. As mesmas razões acabam, também, por fundamentar a conclusão de que a imposição de um tal montante de custas "comporta uma restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais".
Posto isto, a conclui-se, por fim, que "o valor em causa se revela manifestamente excessivo e desproporcionado, e que a norma que prevê a fixação da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares, e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, mas apenas na medida em que tal norma não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão".

Etiquetas: , , , ,

domingo, abril 22, 2007

Jurisprudência constitucional (parte 1 de 2)

1) Acórdão n.º 218/2007: julga organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição da República Portuguesa, na versão decorrente da revisão de 1989, a norma constante do artigo 53.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 81/91, de 19 de Fevereiro, que determina a competência dos tribunais civis (“o foro cível da comarca de Lisboa”) para as execuções instauradas pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agri­cultura e Pescas (IFADAP), organismo pagador das ajudas previstas nesse diploma, em vir­tude do não cumprimento pelos particulares dos respectivos contratos de atribuição.

Nota - A norma objecto da decisão foi aprovada por decreto-lei simples (não autorizado por lei da A.R.).
No acórdão conclui-se, em primeiro lugar, que a relação decorrente do contrato de atribuição dos subsídios tem natureza jurídico-administrativa: "na relação constituída, o contraente público detém o poder de praticar actos administrativos no âmbito da execução do contrato que celebrou com o particular, o que não sucederia se estivéssemos no horizonte de um contrato de direito pri­vado".
De seguida, toma-se posição no sentido de, enquanto que, antes da revisão constitucional de 1989, "nos casos em que não resultava expres­samente da lei qual a jurisdição competente para deci­dir determinada causa, se entendia que eram competentes os “tribunais judiciais”, depois da revisão constitu­cional de 1989, não exis­tindo norma legal a definir concretamente qual a jurisdição compe­tente, há que indagar qual a natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se con­cluir que possui natu­reza administra­tiva, então impõe-se o reconhecimento de que competente é a jurisdição admi­nis­trativa, como jurisdição “comum” para a apreciação dos litígios emer­gentes de rela­ções jurídi­cas adminis­trativas" - apoiando-se aqui nos ensinamentos de Vieira de Andrade e Sérvulo Correia (em particular, afirma este último: "a Cons­tituição atribui ao juiz administrativo o papel de juiz comum ou ordinário da justiça admi­nistrativa, cabendo‑lhe, sem necessidade de atribuição específica, a competência para julgar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas").
Dos pontos anteriores só poderia resultar a conclusão final:
"assim, a edição do Decreto‑Lei n.º 81/91 (posterior à revisão constitucional de 1989, o que não acontecia com o Decreto‑Lei n.º 96/87, de 4 de Março, sobre que recaiu o citado Acórdão n.º 90/2004), com a norma do seu artigo 53.º, n.º 2, implicou uma alteração da regra da competência material dos tribunais, o que só podia ser efectivado pelo Governo se dispusesse de autorização legislativa, no caso inexistente.
Conclui‑se, pois, que a norma em causa padece de inconstitucionalidade orgâ­nica, tornando‑se, assim, desnecessária a apreciação da questão da ocorrência também de inconstitucionalidade material"
.
No fundo, o Tribunal Constitucional reconhece que existe um âmbito natural da jurisdição administrativa e que a subtracção de hipóteses à competência dos tribunais que a compõem tem que sujeitar-se à regra da reserva relativa da Assembleia da República no que toca à "organização e com­petência dos tribunais e do Ministério Público" (actual artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, que na altura se encontrava no artigo 168.º, n.º 1, alí­nea q), da Constituição).



2)
Acórdão n.º 231/2007: não julga inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido às instituições de previdência prefere à garantia emergente do registo da penhora sobre determinado imóvel.

Nota - Já num outro texto anterior (cfr.
aqui), anotando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760, concluí o seguinte: "para o Tribunal Constitucional não são equiparáveis, no que toca à protecção da confiança, a preferência do privilégio imobiliário geral face à hipoteca e a preferência da mesma face à penhora". Chamei então a atenção para o facto de o artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio - que consagra um privilégio imobiliário geral dos créditos da Segurança Social - ter sido julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 363/2002, "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca", mas a mesma norma não ter sido julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 697/2004, "na interpretação segunda a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à segurança social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel". É esta conclusão (que também se encontra no acórdão n.º 192/2003), que o Tribunal Constitucional aqui reitera.
De salientar, porém, que a decisão anotada tem um voto de vencido, do conselheiro Mota Pinto (já o
acórdão n.º 697/2004 contou com um voto de vencido da conselheira Maria dos Prazeres Beleza). Defende o subscritor do voto que não há uma diferença essencial entre a prevalência do privilégio imobiliário geral sobre a hipoteca e a mesma prevalência sobre a penhora (por considerar equiparável a lesão da confiança em ambas as hipóteses), pelo que estenderia à hipótese dos autos o juízo de inconstitucionalidade sobre a mesma norma "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca" (cfr. o acórdão n.º 363/2002).

Amanhã prossegue a análise da jurisprudência constitucional mais recente, com três acórdãos sobre custas judiciais.

Etiquetas: , , , ,

sábado, abril 21, 2007

Conferência Jurídica de Processo Civil - Universidade Lusófona do Porto - 27 e 28 de Abril

É já nos próximos dias 27 e 28 (sexta-feira e sábado) que se realiza a conferência sobre Processo Civil da Universidade Lusófona do Porto, integrada no ciclo de Conferências Jurídicas daquela instituição.

A entrada é gratuita, mas é necessária inscrição (o formulário para o efeito pode ser enviado por correio ou e-mail e está disponível nesta ligação).

Aqui deixo transcrito o programa, que ficou a meu cargo.

27 de Abril, Sexta-feira

10h00 - "A evolução dos princípios do Processo Civil nas reformas mais recentes"
* Prof. Doutora Mariana França Gouveia, Universidade Nova de Lisboa

11h00 - "Um olhar a partir da reforma do Processo Civil de 1995/96"
* Dr. Carlos Lopes do Rego, Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional

12h00 - "Breves reflexões para uma reforma do Processo Civil"
* Mestre Sandra Rodrigues, Universidade Lusófona do Porto (ULP) e Escritório de Advogados Legal & Imobiliário

Intervalo para Almoço

15h00 - "Prioridade Actuais da Reforma do Processo Civil"
* Mestre Paulo Pimenta, Advogado
* Dr. António Andrade de Matos, Advogado

17h00 - "Entre o geral e o particular, na reforma do Processo Civil"
* Mestre Nuno Lemos Jorge, ULP

28 de Abril, Sábado

10h00 - "Objectivos da reforma actual do processo civil"
* I - Dr. António Alves Velho, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
* II - Mestre Paulo Duarte Teixeira, Juiz de Direito - Juízos Cíveis do Porto

12h00 - "Alguns problemas actuais do processo civil"
* Dr. José Tavares de Sousa, Universidade do Porto

Aos meus alunos - jurisprudência relacionada com a aula prática de ontem

Como é habitual, uma parte dos casos práticos analisados na aula corresponde a hipóteses que a nossa jurisprudência analisou.

1) Num dos casos práticos, coloquei a hipótese de o autor intentar uma acção contra o réu pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, por ofensas ao nome e reputação, que este lhe causou em artigos que publicou num jornal. O réu, por sua vez, em reconvenção, pediria que o autor fosse condenado no pagamento de uma indemnização, por danos não patrimoniais, que lhe foram causados com a propositura da acção.
Perguntava, então, se a reconvenção seria admissível.
Este caso é retirado, quase ipsis verbis, da hipótese sobre a qual se debruçou o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2003, proferido no processo n.º 03A3141.
O tribunal da primeira instância julgou a reconvenção inadmissível, mas a Relação revogou a decisão, considerando que a mesma seria admissível nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC.
Por sua vez, o STJ retomou a decisão da primeira instância, que considero mais acertada. Seguindo a ligação podem encontrar lá uma parte dos argumentos usados na aula.


2) Num outro caso prático, apresentei uma hipótese em que o pedido reconvencional consistia numa simples declaração da posição que já decorria da sua defesa. Pedindo o autor a condenação do réu no pagamento de uma certa quantia, este último defendeu-se negando a existência da obrigação e formulou pedido reconvencional de declaração da inexistência da mesma obrigação.
Esta hipótese é comparável (embora mais simplificada), àquela de que se ocupou o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2003, proferido no processo n.º 03B3126, mais preciamente no ponto em que se afirma o seguinte: "Dado que configura uma contra-acção do réu contra o autor por virtude da qual a relação processual adquire um conteúdo novo, só há lugar a reconvenção quando o pedido formulado for um pedido substancial (não apenas formal) e autónomo, isto é, que transcenda a simples defesa conducente à improcedência da pretensão do autor, algo efectivamente acrescentando à matéria da defesa deduzida.
O nexo ou ligação que a al. a) do nº do art.274° c PC exige pressupõe, por definição, dois distintos termos, ficando, sem essa distinção, logicamente impedida a consideração de ligação ou nexo.
É, pois, despropositado falar de reconvenção quando o pedido formulado a esse título se destina apenas a excluir a existência do direito que se quis fazer valer na acção, não constituindo mais que pura consequência da defesa oposta"
.
Nesta última decisão podem encontrar ainda algumas considerações úteis sobre a reconvenção condicionada à procedência do pedido.
Boas leituras!

Etiquetas: , ,

sexta-feira, abril 20, 2007

Personalidade judiciária do condomínio - análise breve de um acórdão

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 383/06.9TBSEI.C1, decidiu-se o seguinte:

"Presumindo-se um ascensor parte comum do prédio, nos termos do artº 1421º, nº 2, al. b), do C.Civ., todos os condóminos participam nas vantagens e encargos do mesmo, na proporção das suas quotas, sendo lícito o seu uso por qualquer deles, nos termos dos artºs 1405º, nº 1; 1406º, nº 1; 1422º, nº 1, e 1424º, nº 1, do dito código, sem prejuízo do disposto no artº 1424º, nº 4, onde se preceitua que nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
Compete à assembleia de condóminos deliberar quanto ao modo de funcionamento dos elevadores e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais (ver Decreto nº 513/70, de 30/10; Dec. Lei nº 404/86, de 3/12; e Dec. Lei nº 110/91, de 18/03), pois é a tal assembleia que compete, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício – artº 1430º, nº 1, do C. Civ..
Qualquer condómino interessado na colocação em funcionamento de um elevador do prédio deverá diligenciar no sentido de ser convocada uma assembleia para ser discutida tal questão, nos termos do artº 1431º, nº 2, do C. Civ., e apenas em caso de não deliberação acerca do efectivo funcionamento do elevador é que lhes competirá impugnar tal deliberação, com vista à sua anulação, quer através da convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas, quer sujeitando tal deliberação a um centro de arbitragem, ou através de uma acção judicial de impugnação, nos termos do artº 1433º, nºs 1, 2, 3 e 4, do C. Civ., cabendo, nestes casos, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito – nº 6 do artº 1433º.
O administrador do condomínio não goza de personalidade judiciária para ser demandado sobre a colocação em funcionamento de um elevador do prédio, dado o disposto no artº 6º, al. e), à contrário, do CPC (apenas tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador)".

Antes de mais, devo esclarecer que demorei algum tempo a analisar esta decisão. Só após alguns dias de reflexão e algumas discussões do assunto com amigos e colegas (entre os quais se destacou a interlocutora Sandra Passinhas, que me ouviu pacientemente e me forneceu alguma indicações muito importantes(*)) pude, finalmente, formar uma opinião definitiva. Essa opinião é contrária à da decisão que agora anoto.

Embora a questão a resolver seja estritamente processual (a saber: se o condomínio teria, aqui, personalidade judiciária, devendo ser demandado o administrador), a solução acaba por emergir do direito substantivo.
Na verdade, como é sabido, o artigo 6.º do CPC atribui personalidade judiciária a alguns entes que não gozam de personalidade jurídica, entre os quais, na alínea e), encontramos "o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".
Perguntar pela existência de personalidade judiciária do condomínio nesta hipótese conduz-nos, pois, à questão de saber se a acção se insere no âmbito dos poderes do administrador.

Comecemos por analisar o pedido.
Os autores são condóminos e, no seu prédio, existe um elevador, que não está em funcionamento porque: (a) necessita de reparações; e (b) não existe o necessário contrato de manutenção do aparelho. Pedem os autores que o condomínio seja condenado a colocar o elevador em funcionamento, efectuando-se todas as reparações que se mostrem necessárias para o efeito (ignoro, aqui, um outro pedido indemnizatório).

O Tribunal da Relação entendeu que esta acção não se encontra no âmbito dos poderes do administrador, afirmando que compete apenas à assembleia de condóminos "deliberar quanto ao modo de funcionamento dos elevadores e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais".

É desta conclusão que - após vencer algumas dúvidas - acabo por discordar.

O artigo 1431.º, n.º 1 do CC prescreve que "a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador". Entre eles se repartem as competências quanto a essa administração.
O elevador é uma parte comum, como resulta do disposto no artigo 1421, n.º 2, al. b) do CC.
Ora, cabe ao administrador "regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum" (cfr. artigo 1436.º, al. g) do CC).
Como refere Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 324, "este poder administrativo não é uma mera e plana execução das deliberações aprovadas pela assembleia ou do regulamento condominial (...), mas actividade que concretiza e traduz o desenvolvimento de um certo poder discricionário".
O administrador, tal como tem poderes para celebrar contratos com vista à limpeza ou reparação das escadas, patamares e portas comuns, também tem poder para celebrar um contrato de manutenção do elevador, que é igualmente uma parte comum.

Dir-se-á que a assembleia pode tomar uma deliberação que, nesta matéria, se imponha ao administrador. É certo. Se a assembleia deliberar que o elevador não será posto em funcionamento, o administrador deve obediência à vontade assim formada.
Mas isto não significa que só a assembleia possa decidi-lo. Inscrevendo-se a manutenção dos elevadores no âmbito dos poderes do administrador, não é possível negar que a acção em causa cabe no disposto na alínea e) do artigo 6.º do CPC.

O que sucede na prática, designadamente em pequenos edifícios, é que, sendo a despesa decorrente da manutenção dos elevadores, por regra, elevada, o administrador costuma ter o cuidado de previamente submetê-la à apreciação da assembleia. Há uma certa sobreposição entre os poderes do administrador e os da assembleia, até mesmo porque dos actos do primeiro cabe sempre recurso para esta - cfr. artigo 1438.º do CC - e ainda porque pode a assembleia tomar uma posição definida quanto ao uso das coisas comuns, que vinculará o administrador, nos termos da alínea h) do artigo 1436.º do CC.

Mas isto não nos pode fazer perder de vista que continua a ser um poder do administrador regular o uso da coisa comum. Ele não tem que ficar dependente da prévia tomada de posição da assembleia, ainda que tenha que respeitá-la, quando exista. Por isso, pode o tribunal analisar a questão tal como foi colocada na acção pelos autores ou seja: saber se o condomínio, através do administrador, deve ou não colocar o elevador em funcionamento.

Pode até ocorrer que, antes da propositura da acção ou durante o seu curso, haja uma deliberação da assembleia sobre esta matéria - facto cuja prova se pode fazer chegar ao processo no devido articulado, para que o juiz daí retire as necessárias consequências.

O que não se pode afirmar, a meu ver, em bom rigor, é que o administrador só pode mandar reparar e celebrar um contrato de manutenção do elevador com prévia autorização da assembleia, pois tal interpretação, a meu ver, é incompatível com o teor da alínea g) do artigo 1436.º do CC.

Pelas razões expostas, concluiria em sentido oposto ao do referido acórdão.

(*) Sendo, todavia, a opinião aqui descrita da minha responsabilidade, não a vinculando, como é evidente.

Etiquetas: , ,

quinta-feira, abril 19, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 473/03.0TMCBR-A.C1:
"Mercê do disposto no artº 1404º, nº 3, in fine, observam-se no inventário subsequente a divórcio, as regras que disciplinam o processo de inventário.
Do artº 1349º, nº 3, do CPC resulta que não reconhecendo o cabeça-de-casal a existência dos bens cuja falta foi acusada, uma vez indicadas as provas e efectuadas as diligências probatórias necessárias, o juiz decidirá da existência dos bens e da pertinência da sua relacionação ou, se considerar que a questão da titularidade dos bens requer profunda análise e averiguação, então abstém-se de proferir decisão, relegando os interessados para os meios comuns – artºs 1350º, nº 1, e 1336º, nº 2, CPC.
A relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio (artº 1419º, nº 1) não determina quais os bens que hão-de ser objecto de partilha para os efeitos do artº 1345º CPC, sendo admissível o relacionamento de outros cuja falta ou exclusão dessa relação seja alegada ou reclamada"
.

Nota - Trata-se de um problema curioso, este que aqui se levanta. Assenta simplesmente no seguinte: a relação dos bens comuns que os cônjuges apresentam no processo de divórcio vincula-os na futura partilha?
Antes de mais, posso adiantar que concordo com a decisão da Relação. Penso que tal relação de bens não os vincula para a futura partilha.
A solução da vinculação não me parece razoável, na prática, sendo frequente que as questões mais complexas da partilha apenas surjam no inventário. A relação dos bens comuns não importa uma declaração tácita de serem os únicos, nem a assunção de que outros não serão relacionados. Tal entendimento limitaria desproporcionadamente a própria função do inventário.
Mas então para que serve a relação dos bens comuns apresentada pelos cônjuges, se os não vincula?
Creio que a melhor resposta se encontra na fundamentação de uma outra decisão que, não se pronunciando sobre problema idêntico, acaba, curiosamente, por reconduzir-se à mesma questão de fundo. No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 16-12-2003, proferido no processo n.º 3305/03, analisou-se o seguinte: requerido o arrolamento, justifica-se a inutilidade superveniente da lide pelo simples facto de os cônjuges terem entregue uma relação de bens no processo de divórcio? Ora, para responder a esta pergunta, houve que decidir qual a função e o efeito daquela apresentação de bens. Nesta parte da fundamentação encontra-se uma boa reflexão que, ao fim e ao cabo, acaba por dar também a resposta ao problema da decisão anotada. Porque me parece que a fundamentação do dito acórdão de 16-12-2003 é particularmente feliz, aqui a transcrevo, na parte que interessa, manifestando a minha adesão. A extensão do texto (um pouco superior ao que é habitual nestas notas), parece-me justificada pelo seu interesse.
"Assim, a entrega de uma relação de bens num processo de divórcio tem o significado de um acordo ao nível do possível naquele momento, o que se harmoniza com o valor jurídico da relação de bens, mormente noutros processos.
E esta situação não traduz nenhuma atitude de deslealdade ou de má-fé processuais. Não pode dizer-se que haja alguma “reserva mental” na atitude de um ou dos dois interessados que entregam uma relação de bens incompleta porque o que pode estar em causa é a diferença entre os ritmos do processo judiciário e os do processo psicológico; no primeiro, traçados previamente e em abstracto, no segundo, de uma grande plasticidade. Então, conseguir-se um acordo parcial pode ser importante para este e não deve ser afastado ou diminuído por aquele, com o argumento de que as “formas” com que aquele trabalha só conhecem o acordo total ou a falta dele o que nem sequer é totalmente verdade, mas entrar nesse aspecto obrigaria a fugir demasiadamente da questão..
Não há nenhuma razão que obrigue a interpretar a entrega de uma relação de bens como uma situação de acordo global e completo: com segurança, só pode dizer-se que, no mínimo, é um acordo parcial - para além de não ser vinculativo.
A não ser que o contrário resulte do que for expressamente dito ou do contexto interpretativo.
(...)
a conversão nem significa que tenha sido conseguida uma pacificação real do ponto de vista jurídico - a relação de bens não vincula os ex-cônjuges - e muito menos do ponto de vista psicológico; pode acontecer que eles já estejam divorciados na perspectiva do primeiro e ainda o não estejam na do segundo bem como o contrário, obviamente.. E não se diga que isso não interessa ao direito porque a este deve interessar tudo, mormente a sua maior adequação possível à realidade material. Aquela observação só poderia ter interesse no que respeita ao requisito da alegação e prova do receio de dissipação ou extravio. Mas, quanto a este aspecto, o normal é o arrolamento já estar executado quando se chega à conversão; na situação sui generis deste processo, está ultrapassada a fase da alegação e o que interessa é prosseguir ou não o arrolamento.
Mas, teremos ainda de encarar uma outra questão: se for assim, por que razão a lei exige que os interessados juntem uma «relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores» artigo 1419º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil.? Na verdade, se essa relação não vincula os seus autores noutros processos e se pode não estar completa, podendo o processo prosseguir com discussão ulterior sobre a partilha dos bens, que razão justifica a exigência da entrega da relação de bens, para que possa haver divórcio por mútuo consentimento ou conversão para este?
Se disséssemos - como eventualmente dirão os que tenham entendimento diverso do aqui defendido - que, embora não vinculativa, a relação de bens tem de traduzir um acordo existente em determinado momento, acordo completo e inequívoco, por uma razão de lealdade, quer entre os interessados, com tutela pela autoridade judiciária, quer perante esta, dispensando-se tão só o acordo sobre a partilha dos bens, perece-nos que continuaria a haver um espaço de incompreensão por causa da falta de força vinculativa da própria relação de bens, e já não da partilha sobre eles. Que respeito e lealdade eram esses que permitiam que um ou os dois interessados acordassem para fugirem às desvantagens de um divórcio litigioso, podendo depois, ou sabendo que podiam depois, desacordarem e começarem a discutir!? E, salvo melhor opinião, é esta a realidade que a leitura das normas nos oferece!
A explicação está em que o legislador quer fomentar o acordo entre os interessados, mas não mais do que isso.
Neste momento, poderíamos “pegar” naquela nota em que dizemos que não é inteiramente verdade que o processo judiciário só conhece o “tudo ou nada” nota nº 18., para frisar que a auto-composição relativamente ao fim de um casamento é uma situação complexa, em que, muitas vezes, um resultado satisfatório só é possível com acordos parcelares e progressivos, quantas vezes com recuos e avanços, sem início e fim pré-definidos. Então, o papel do direito, quer por parte do legislador, quer do aplicador da lei, é, na medida do possível, ajustar-se a esse ritmo variável de caso para caso; ritmo que depende fundamentalmente do processo individual e relacional de cada um dos interessados, mas também de impulsos exógenos facilitadores. É assim que o legislador como que exorta os interessados a pensarem na questão dos bens a partilhar, como que a sugerir que eles iniciem um processo que acabará mais tarde, no processo de separação de bens, mas em que um bom final pode depender de um início atempado. No fundo, trata-se de uma técnica usada em mediação familiar, que é a de remeter os interessados para tarefas auto-responsabilizantes que ajudem a chegar ao resultado final; por exemplo, umas vezes, calculando, em concreto, as despesas dos filhos, a fim de facilitar o acordo quanto ao montante dos alimentos; neste caso, o de irem recolhendo os bens que hão-se ser divididos. É o judiciário a incentivar os interessados a tomarem a iniciativa de irem pensando na resolução dos seus problemas: se o processo psicológico já está avançado e não há muito litígio, os interessados já trarão uma lista completa, eventualmente definitiva; caso contrário, cada um dos interessados, acaba obrigado a encarar a questão da lista de bens a dividir, começando a pensar e a decidir-se quais relaciona. Daqui a chegar a uma relação completa e definitiva vai a distância que, quer o processo psicológico, quer o jurídico, permitem ou dificultam - este na letra e no espírito da lei"
.
A solução, no acórdão de 16-12-2003, foi, consequentemente, no sentido da não extinção do arrolamento por inutilidade superveniente da lide. Do mesmo modo e, no fundo, com os fundamentos muito semelhantes, entendo ser correcta a decisão anotada.



2) Acórdão de 20-03-2007, proferido no processo n.º 3454/03.0TBLRA.C1:
"O Tribunal, singular ou colectivo, que julgue a matéria de facto não se pronuncia sobre os meios de prova com força probatória plena nem sobre os factos que só por um meio com essa força podem ser provados. Cabe-lhes apenas apreciar as provas sujeitas à livre apreciação do julgador, através das quais, no confronto entre elas, se forma a sua íntima convicção sobre os factos da causa.
Justifica-se a ausência dos factos provados por meios de prova com força probatória plena do despacho que fixou a matéria de facto dada como provada ou assente, mas já não se justifica essa não indicação no texto da sentença de mérito, concretamente no local em que esta peça processual procede ao elenco dos factos que vão servir de base à aplicação do direito e à decisão da causa.
Na sentença, o juiz deve considerar, além dos factos dados como provados e cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador, os outros factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção de um meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante, independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase de condensação"
.

Nota - É pacífico o que aqui se decidiu, face ao disposto nos artigos 659.º, n.º 3 do CPC, que separa: (i) factos admitidos por acordo; (ii) factos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito; e (iii) factos que o tribunal colectivo deu como provados.
Como refere Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pág. 175, "a distinção entre meio de prova legal e meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (meio de prova livre) leva a uma repartição de funções entre o juiz da matéria de facto e o juiz que profere a sentença".
O acórdão tem ainda outras indicações doutrinárias relevantes.



3) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 874/03.3TMAVR-B.C1:
"Perante a alteração das circunstâncias, admite-se a modificabilidade da decisão homologatória do acordo de atribuição da casa de morada de família no âmbito de processo de divórcio".

Nota - Trata-se de uma questão controvertida, na jurisprudência. Pela imodificabilidade (seguindo a recolha do acórdão anotado que, pelo que constatei, é bastante completa), encontramos os acórdãos da Relação de Lisboa, de 18-02-1993, proferido no processo n.º 0071432, com texto completo in CJ t. I, pág. 149, e de 13-02-2003, in CJ, tomo 1, pág. 101, da Relação do Porto de 17-02-2000, in CJ, tomo I, pág. 218 (na internet apenas se encontra o sumário) e de 05-05-2005, proferido no processo n.º 0531717, também in CJ, tomo III, pág. 160, do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-05-2003, in CJ, t. III, pág. 279, e do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2003, proferido no processo n.º 03B1727, também in CJ, t. III, pág. 74 (com um voto de vencido).
Para além destes citados, encontrei ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-03-2002, proferido no processo n.º 02B555, do Tribunal da Relação do Porto de 22-11-2005, proferido no processo n.º 0525693, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2001, proferido no processo n.º 0052456 (com um voto de vencido).
No sentido da decisão anotada, foram indicados na decisão os acórdãos da Relação do Porto,
de 30-09-2002, proferido no processo n.º 0250994, e da Relação de Lisboa, de 27-05-2003, proferido no processo n.º 00106767, com texto completo in CJ, t. III, pág. 91.
Para além destes, pode ler-se o d Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2006, proferido no processo n.º 0634785, de 03-03-2004, proferido no processo n.º 0322808.
No acórdão agora anotado faz-se uma análise detalhada da jurisprudência oposta, cuja leitura se recomenda e aqui não vou, hoje, desenvolver. Ficará para outra oportunidade. No entanto, deve ser chamada a atenção para o facto de este prtoblema não se confundir: (i) com o da alteração do acordo provisório quanto ao destino da casa de morada de família na pendência do divórcio; nem, (ii) com o da atribuição do direito ao arrendamento a um dos cônjuges.

Etiquetas: , , , ,

Lançamento do primeiro livro da AJP

É já amanhã, pelas 18H30, na livraria da Coimbra Editora sita na Rua Cândido dos Reis, 85, no Porto, que será lançado o primeiro livro da Associação Jurídica do Porto. Lá estarei, para dirigir aos presentes algumas palavras breves.



Estes são os artigos ali publicados.

Paulo Castro Rangel - A reforma do mapa judiciário no contexto da política de justiça.

Nuno Coelho - A organização do sistema judiciário e a administração judiciária: os tópicos actuais do debate da reforma da justiça.

Elsa Pacheco/Nuno Azevedo - Uma leitura geográfica sobre o distrito judicial do Porto - notas para a reorganização judiciária.

Mariana França Gouveia - A acção especial de litigância de massas.

António Santos Abrantes Geraldes - Processo experimental de litigância de massas.

Nuno Lemos Jorge - Notas sobre o regime processual experimental.

José Lebre de Freitas - Experiência-piloto de um novo processo civil.

Armindo Ribeiro Mendes - Sobre o anteprojecto de revisão do regime de recursos em processo civil.

Carlos Lopes do Rego - A reforma dos recursos em processo civil.

Belmiro de Azevedo - O impacto económico da morosidade judicial - Reflexões para uma reforma urgente.

quarta-feira, abril 18, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 20-03-2007, proferido no processo n.º 2042/06.3TBACB.C1:
"A lei admite que, excepcionalmente, possam ser executados bens de terceiro, do mesmo modo que admite, excepcionalmente, também, o seu arresto. É o que sucede por força do estatuído no nº2 do art.619º do C.Civil e nº 2 do art.º 407º do C.P.Civil, relativamente a terceiros que hajam adquirido bens do devedor, desde que a respectiva transmissão tenha sido objecto de impugnação judicial ou, quando ainda não impugnada, se demonstre a probabilidade da procedência da impugnação".

Nota - Sobre a mesma questão e analisando também o âmbito da remissão do arresto para as regras da penhora, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-02-2001, proferido no processo n.º 00A3812.
Sobre a distinção entre o arresto de bens de terceiro e o arresto de bens do devedor em poder de terceiro, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 23-05-2005, proferido no processo n.º 0552012.
Sobre a questão (bastante complexa) do arresto dependente da acção pauliana, em especial quanto à legitimidade, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 19-10-2006, proferido no processo n.º 6767/2006-2 (Transcrevo a parte mais importante do sumário: "Tendo a Requerente da providência intentado uma acção declarativa visando a condenação da primitiva proprietária dos imóveis arrestandos no pagamento de um crédito, e tendo esta procedido à transmissão a terceiro de tais bens que deu origem a uma posterior acção de impugnação pauliana, a providência cautelar de arresto contra o adquirente, ou adquirentes subsequentes, deverá ser intentada por apenso a esta acção de impugnação e não aqueloutra de cumprimento, onde os adquirentes dos bens do devedor nem sequer são parte").
Sobre a proporcionalidade do arresto, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 08-03-2006, proferido no processo n.º 3013/05 (na parte final do acórdão).
Sobre a hipótese, também particularmente complexa, do arresto dependente de acção pauliana dirigida contra a partilha (na sucessão mortis causa), cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 29-11-2005, proferido no processo n.º 3214/05.
Sobre a determinação da titularidade de acções de uma sociedade anónima com base no seu registo no livro social (relevante para determinar se se arrestam acções do devedor ou do terceiro) cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-1995, in CJ, t. III, pág. 213..

2) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 593/05.6TTAVR.C1:
"A alínea p) do artº 85º da L.O.F.T.J. prescreve que os Tribunais do Trabalho são competentes, em matéria cível, para conhecer “das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior…”
A alínea o) do citado preceito refere-se a relações conexas com a relação de trabalho por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
Trata-se de questões de que os Tribunais do Trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que, em caso de reconvenção, a lei lhes possibilita o conhecimento quando se liguem à acção do modo assinalado, para a qual o Tribunal é directamente competente.
Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.
(...)"
.

Nota - Para que se perceba o âmbito da decisão, talvez convenha esclarecer o objecto da acção.
A autora (trabalhadora) pediu que fosse declarada a licitude da resolução do contrato de trabalho pela verificação dos pressupostos da justa causa e a condenação da Ré a pagar a quantia global de €65.995,44 relativa à indemnização devida pela resolução do contrato e créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento. A ré alegou que a resolução do contrato de trabalho não foi fundada em justa causa. Pediu a improcedência da acção e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de €2.414,44, correspondente a indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévio para “denúncia” do contrato, bem como a quantia de €50.000,00 por indemnização decorrente da violação do direito ao bom nome, crédito e imagem da ré. Pediu ainda que a autora fosse condenada como litigante de má fé.
O juiz não admitiu a reconvenção, "porque tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento da acção, antes emerge de uma invocada conduta da Autora susceptível, na perspectiva da Ré, de integrar os pressupostos da responsabilidade civil contratual".
Esta decisão foi confirmada pela Relação, que analisou as alíneas o) e p) do artigo 85.º da LOFTJ, que atribuem competência aos tribunais do trabalho para conhecer: "o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente; p) Das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão".
Citando Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 1989, pág. 71 e seguintes), concluiu-se: "a unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho. Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais de trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (...). De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos".
É na falta desta conexão que se apoia a decisão (que me parece acertada).
Analisando uma questão algo semelhante, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-05-2006, proferido no processo n.º 06S251.
Se os factos que fundamentam o pedido indemnizatório reconvencional forem os mesmos em que assenta a suposta ilicitude do despedimento, será de admitir a reconvenção (embora a questão se coloque, aqui, em termos diversos) - cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 26-01-2006, proferido no processo n.º 05S1175.
Finalmente, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-03-1987, in CJ, t. II, pág. 126, entendeu-se que "em acção de impugnação de despedimento não é admissível o pedido reconvencional de indemnização por prejuízos causados por deficiente e negligente execução de serviços, pois que não é possível estabelecer uma relação de conexão eficaz entre o despedimento e os prejuízos alegados, nem colocar os segundos em relação ao primeiro numa posição acessória, complementar ou de dependência".


3) Acórdão de 20-03-2007, proferido no processo n.º 2627/04.2TJCBR.C1:
"Havendo uma absoluta falta de indicação das razões jurídicas que servem de apoio para a solução adoptada pelo julgador no que concerne à reconvenção, a sentença é nula na parte em que omite a fundamentação de direito da decisão sobre a reconvenção".

Etiquetas: , , , , ,