sábado, julho 14, 2007

Um blog de férias

O blog sobre Processo Civil faz férias "à antiga", de 15 de Julho a 15 de Setembro, para que me possa dedicar mais a outros assuntos e (porque não?) descansar um pouco. Só haverá actualizações, durante aquele período, se surgirem novidades especialmente importantes. Em Setembro, estarei de volta a sério. Aproveitarei para pensar se se justificam alterações ao ritmo ou formato da página. O conteúdo do blog mantém-se, é claro, disponível para pesquisa (por etiquetas ou na barra superior). Até ao meu regresso, deixo a todos os visitantes - fiéis ou ocasionais - um abraço com votos de boas férias.

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 06-06-2007, proferido no processo n.º 2218/2007-4:
"Os limites objectivos do caso julgado respeitam à determinação do quantum da matéria que anteriormente foi alvo de apreciação pelo Tribunal que passa a ter o valor de indiscutibilidade atribuído pelo supra citado instituto.
O caso julgado pode incidir sobre uma acção parcial, isto é uma acção em que foi formulado um pedido parcial que não esgota a pretensão do autor.
Nesse caso quando a acção parcial foi considerada procedente, a protecção dos interesses do demandado justifica que o caso julgado só abranja a parcela apreciada, nada ficando decidido (em termos de procedência ou improcedência) quanto ao restante.
Quando a acção foi julgada improcedente, tal improcedência estende-se, com fundamento numa relação de prejudicialidade , à parte restante.
O Código de Processo de Trabalho actual , aprovado pelo DL nº 480/99, de 9 de Novembro, não contem disposição similar ao artigo 30º do CPT/81, aprovado pelo DL nº 271-A/81, de 30 de Setembro, que impunha a cumulação inicial de pedidos".

Nota - Este acórdão segue expressamente a doutrina do Professor Miguel Teixeira de Sousa a este respeito - cfr. Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa: Lex, 1997, pág. 568.
Para outras considerações sobre a força da decisão nas hipóteses de pedido parcial, cfr. a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-06-2007, proferido no processo n.º 447/2000.C2.



2) Acórdão de 27-06-2007, proferido no processo n.º 5194/2007-7:
"A lei confere hoje força executiva a todos os “ documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º (artigo 46.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil).
Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c9 do C.P.C."

Nota - Não sendo a obrigação certa, líquida e exigível, não há condições para que avance a execução.
Faltando o requisito da liquidez da obrigação (como sucedeu no caso em apreço, porque se pretendia executar uma obrigação de indemnização de montante ainda indeterminado), há que liquidá-la.
Sobre a alteração do regime do incidente da liquidação com o DL 38/2003, que passou a correr no próprio processo declarativo, cfr. especialmente os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16-04-2007, proferido no processo n.º 0750228, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 0730237, de 24-04-2007, proferido no processo n.º 0721491, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2005, proferido no processo n.º 9182/2005-8.
Note-se que, caso o contrato previsse uma cláusula penal indemnizatória, por incumprimento, haveria, em princípio, condições para executá-la (no que toca à liquidez), desde que se fizesse prova dos pressupostos do accionamento da cláusula (o incumprimento funcionará, por regra, como condição suspensiva do funcionamento da cláusula - cfr. artigo 804.º do CPC).



3) Acórdão de 25-06-2007, proferido no processo n.º 5870/2007-7:
"A produção antecipada de prova (artigo 520.º do Código de Processo Civil) justifica-se a fim de se proceder a exame de estomatologia que ficará inviabilizado pelos tratamentos a que o examinando se irá submeter para preservar a sua saúde e integridade física.
Não se pode proibir o referido exame estomatológico, em sede de produção antecipada de prova, com o argumento de que uma tal pretensão visa apenas a comodidade do interessado, está na sua disponibilidade, não existindo periculum in mora, pois, com tal proibição, ou o interessado, para ter acesso ao direito, não realiza o exame e, assim, impõe-se-lhe uma injustificada privação do direito fundamental à sua integridade física (artigo 25.º da Constituição da República) ou o interessado realiza o exame e fica desnecessariamente privado de um meio probatório fundamental.
Por isso, é de considerar que, em tais circunstâncias, porque o direito de cada um tratar da sua própria saúde é fundamental e incondicionável, estamos perante o justo receio a que alude o artigo 520.º do C.P.C. e está, portanto, justificada a necessidade de antecipação a que alude o artigo 521.º do C.P.C.
A grave dificuldade da verificação de certos factos, essenciais para a boa decisão da causa, pode resultar dum acto voluntário da própria parte, controlável por esta, desde que o mesmo corresponda ao exercício, premente e necessário, dum direito fundamental - e não seja razoável exigir-lhe a sua suspensão ou o sacrifício em que se consubstancia a sua omissão".

Nota - É muito interessante esta reflexão sobre a compatibilização entre o direito à prova e o direito à integridade física (ou à saúde, talvez, no caso em apreço).
Eis a parte mais relevante da fundamentação, a este respeito:
"Nos presentes autos, e concretamente no que tem que ver com a possibilidade legal de ordenar, antecipadamente, a perícia médica requerida, confluem dois direitos que não podem ser injustificadamente constrangidos ou sacrificados.
Por um lado, o direito conferido pelo próprio sistema processual à A., enquanto parte, de poder produzir prova dos factos que sustentam a sua pretensão.
Por outro, o direito subjectivo, de natureza substantiva, que assiste à mesma A. de promover o seu bem estar, físico e psicológico, não devendo a sua conduta processual transformar-se, autonomamente, em nova fonte de danos pessoais, como ultima ratio para salvaguardar aquele mesmo direito à prova.
O indeferimento da produção antecipada de prova, com um fundamento meramente legalista, atinge necessariamente, no seu âmago, estes dois direitos.
Ora, não parece exigível, nem razoável, que se imponha à A. uma espera, por tempo indefinido e imprevisível, com paciência e padecimento, em consonância com o despreocupado fluir dos trâmites processuais, protelando, dessa forma, o tratamento adequado e pronto das suas mazelas, como único meio legalmente admissível de conservar a possibilidade de prova quanto à situação clínica gerada pelos factos invocados na petição inicial.
Bem pelo contrário, assiste em absoluto à A. o direito a tentar recuperar, no menor espaço de tempo possível, a sua saúde e bem estar, submetendo-se a todos os tratamentos idóneos para esse efeito.
Tentar recuperar a saúde perdida não se reconduz a uma questão de mera comodidade, correspondendo diferentemente a um legítimo e pessoalíssimo direito, de consagração constitucional, que deve ser especialmente considerado, respeitado e tutelado por todas as instituições do Estado de Direito.
In casu, o legítimo exercício deste direito fundamental, acarretará, inevitável e irreversivelmente, grave prejuízo para a prova da verificação, em juízo, das lesões físicas ostentadas pela A..
Ao submeter-se aos necessários tratamentos médicos, desaparecem na pessoa intervencionada os vestígios denunciadores da anterior intervenção, que terá sido executada em termos deficientes.
A única forma de efectivar, ponderada e equilibradamente, o exercício do direito à integridade física, ao bem estar e saúde da A., conjugando-o harmoniosamente com a necessidade de conservação da prova dos factos constitutivos da pretensão formulada em juízo, consiste precisamente no recurso ao instituto produção antecipada de prova, genericamente prevista no artº 520º, e 521º, do Cod. Proc. Civil, interpretado com esta amplitude.
Ou seja, a grave dificuldade da verificação de certos factos, essenciais para a boa decisão da causa, pode resultar dum acto voluntário da própria parte, controlável por esta, desde que o mesmo corresponda ao exercício, premente e necessário, dum direito fundamental - e não seja razoável exigir-lhe a sua suspensão ou o sacrifício em que se consubstancia a sua omissão.
Tratando-se, in casu, de prova pericial, não estará em risco o princípio da imediação, encontrando-se o princípio do contraditório perfeitamente assegurado, uma vez que não há notícia nos autos da parte contrária ter suscitado a mínima oposição ao requerido pela agravante ( artsº 517º, 568º, nº 2, 578º, nº 1, do Cod. Proc. Civil).
Entende-se, ainda, que ao requerer “ o Exame Pericial à sua boca, por médicos estomatologistas, incluindo dentição, desgastes existentes, dimensão vertical perdida e ATM ( articulação temporomandibular ), a requerente definiu suficientemente o objecto dessa mesma perícia, o qual poderá, ainda, ser devidamente complementado através de quesitos que a mesma deverá indicar no prazo a fixar pelo Tribunal, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais, sempre com escrupulosa observância do princípio do contraditório, como não pode deixar de ser.
O agravo merece, pois, provimento".
O acórdão em análise faz apelo a considerações que se encontram num outro, do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-11-2003, proferido no processo n.º 1783/03-1 (citado, por lapso, como sendo de 11-12-2003).
São as duas únicas decisões que conheço em que se desenvolve, concretamente, o conceito de "justo receio" contido na norma do artigo 520.º do CPC.



4) Acórdão de 19-06-2007, proferido no processo n.º 6744/2004-7:
"Há que aplicar analogicamente o disposto no art.º 39, n.º2, do CPC , à situação de falecimento do mandatário da parte, pelo que a notificação operante a fazer a esta para aplicação da cominação prevista no art.º 284, n.º3, in fine, do CPC, pressupõe que seja pessoal.
(...)"

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sexta-feira, julho 13, 2007

Alteração do regime dos recursos em Processo Civil cada vez mais perto

O Conselho de Ministros de 12 de Julho de 2007 aprovou o projecto de Decreto-Lei que altera o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil, procedendo também à adaptação de normas tendo em vista a prática de actos processuais por via electrónica, e introduzindo alterações à LOFTJ e ao regime da injunção/acção declarativa especial. Mais informações aqui.

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 09-07-2007, proferido no processo n.º 9931/2006-1:
"É de aplicar o disposto na alínea b) nº 1 do art. 14º do CCJ - quando dispõe que a taxa de justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nas acções que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações - também às acções instauradas directamente perante os tribunais superiores".


2) Acórdão de 29-06-2007, proferido no processo n.º 5678/2007-7:
"Considerada a redacção ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que foi dada pelo DL 199/2003, de 10 de Setembro, a liquidação da sentença de condenação genérica proferida anteriormente a 15 de Setembro de 2003, ainda que não transitada em julgado, deve continuar a processar-se no âmbito da acção executiva em conformidade com o disposto no artigo 806.º do Código de Processo Civil (anterior redacção).
O novo regime aplica-se nos ou relativamente aos processos declarativos em que, até 15 de Setembro de 2003, não tivesse sido proferida sentença em 1ª instância.
Assim sendo, e porque no caso vertente a sentença exequenda é de 12 de Fevereiro de 2003, a competência para a tramitação da acção executiva, incluída a fase de liquidação, cabe ao Juízo de Execução e não à Vara Cível".

Nota - Em abono da decisão, cita-se um estudo de Paulo Pimenta, "Acções e Incidentes Declarativos na Dependência da Execução", na Revista Themis, nº 9, de 2004 (“Reforma da Acção Executiva”, vol. II), pág. 64, nota 16: "o novo regime de liquidação de condenações genéricas é aplicável mesmo a processos declarativos instaurados antes de 15-9-03, desde que até esse momento não tivesse sido proferida a sentença em 1ª instância. Nos processos em que a decisão já estivesse proferida, o regime de liquidação é o anterior à reforma".
Em sentido oposto ao aqui decidido, quanto à aplicação da lei no tempo, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-12-2004, proferido no processo n.º 3539/04.
Sobre a alteração do regime do incidente da liquidação com o DL 38/2003, que passou a correr no próprio processo declarativo, cfr. especialmente os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16-04-2007, proferido no processo n.º 0750228, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 0730237, de 24-04-2007, proferido no processo n.º 0721491, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2005, proferido no processo n.º 9182/2005-8.


3) Acórdão de 26-06-2007, proferido no processo n.º 5797/2007-7:
"(...)
O ónus da prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos cabe ao obrigado a alimentos (artigo 342.º/2 do Código Civil).
O facto de a prestação de natureza social por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores estar dependente da existência de uma sentença que fixe alimentos constitui razão justificativa para que sejam fixados alimentos às crianças deles carecidas".

Nota - Quanto ao primeiro ponto, cfr., em sentido concordante, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2000, proferido no processo n.º 0050291 (com um voto de vencido).
Quanto ao segundo ponto, este acórdão toma posição quanto a um problema que tem dividido a jurisprudência (e que acaba por decorrer da questão anterior): se não se provar a capacidade económica do requerido, deve ser fixada a quantia devida a título de alimentos?
No sentido da decisão anotada, podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2000, proferido no processo n.º 0074948, de 13-10-2005, proferido no processo n.º 6890/2005-6, e de de 29-11-2006, proferido no processo n.º 10079/2006-7 (cfr. também aqui), bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-04-2004, proferido no processo n.º 5797/2007-7.
Contra, podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 18-01-2007, proferido no processo n.º 10081/2007-2, e do Tribunal da Relação de Évora de 18-12-1990, in BMJ n.º 402, pág. 690.
Sobre um outro problema relativo a alimentos (saber se aqueles que o Estado se obriga a suportar, através do FGA, abrangem as prestações já vencidas e não pagas anteriores ao pedido contra o Fundo, se inclui apenas as vencidas após tal pedido ou se são unicamente devidas as prestações que se vencerem após a decisão), cfr. este texto anterior, em nota ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-04-2007, proferido no processo n.º 173/07-2.



4) Acórdão de 19-06-2007, proferido no processo n.º 4619/2007-7:
"As custas do procedimento cautelar em que houve oposição são suportadas pela parte vencida na acção principal ainda que esta não o tenha sido no procedimento cautelar.
O artigo 453.º/1 do Código de Processo Civil prescreve uma regra específica, quanto ao pagamento antecipado de custas pelo requerente, quando não haja oposição, custas a atender na acção respectiva sem com isso significar a contrario que, havendo oposição, a parte vencida da acção não tenha de suportar as custas do procedimento cautelar de que haja sido vencedora".

Nota - Não conheço outra decisão que analise concretamente este problema. Concordo com o teor do acórdão e aproveito para aqui deixar transcrita a parte mais relevante da fundamentação:
"A segunda parte do art.º 453.º, n.º 1, do C. P. Civil dispõe, por sua vez, que, havendo oposição, observar-se-á o disposto nos art.ºs 446.º e 447.º (do C. P. Civil).
O cerne da questão sub judice consiste em saber se nesta norma quanto ao pagamento de custas, o legislador quis estabelecer, para os procedimentos cautelares em que seja deduzida oposição, uma regra diferente da estabelecida para aqueles em que não seja deduzida oposição (que, como referimos, é, afinal, a regra geral segundo a qual é a parte vencida, no litigio, que paga as custas).
O Tribunal a quo decidiu no sentido afirmativo, extraindo do preceito citado (o art.º 453.º, n.º 1, do C. P. Civil) essa regra diferente, a qual consistiria, para efeito de custas, em isolar o procedimento cautelar da acção principal, determinando que as custas do procedimento cautelar seriam pagas pela parte nele vencida, independentemente do vencimento na acção principal.
E aportou a esse entendimento pelo confronto entre a primeira e a segunda parte do preceito, ou seja, pela valoração do elemento literal da interpretação.
Acontece, todavia que, por um lado, o texto do art.º 453.º, n.º 1 do C. P. Civil, como resulta do supra exposto, não conduz linearmente a uma tal interpretação e, por outro, como é entendimento da doutrina e se encontra consagrado no art.º 9.º do C. Civil, a letra da lei é apenas um dos elementos de interpretação a considerar pelo intérprete – bastando-se o legislador com um mínimo de correspondência verbal, na terminologia do art.º 9.º, n.º 2, do C. Civil.
E um desses outros elementos a considerar é, desde logo, o elemento racional (a ratio legis) que resulta da abordagem da norma numa perspectiva axiológica.
O método de determinação dessa ratio legis consiste na obtenção de resposta para a questão de saber qual o escopo que a norma se propõe realizar, a sua função e finalidade, o que equivale a descobrir qual (ou quais) os valores que se propõe defender.
Tratando-se de uma norma processual relativa a custas, os valores em causa só podem ser, (1) a participação dos cidadãos, que estão perante a justiça, nos respectivos custos de funcionamento (taxa de justiça) e (2) a distribuição dos custos de cada um desses cidadãos no acesso à justiça, entre si, de acordo com a contribuição que deram para a necessidade de intervenção dessa justiça (grosso modo, as suas despesas).
E tratando-se de uma norma relativa a custas no âmbito de um procedimento cautelar, os valores em causa só podem ser os do pagamento antecipado (em relação à acção principal) das quantias em causa uma vez, que, como referimos, o procedimento cautelar não tem autonomia, estando com a acção principal numa relação de instrumentalidade hipotética, no sentido que a decisão nele proferida (provisória) seguirá o destino da decisão proferida na acção (definitiva).
Ora, não só a consecução de qualquer destes valores é, perfeitamente, atingida pela regra geral segundo a qual as custas são pagas pela parte vencida, (sem prejuízo do seu adiantamento, mesmo pela parte vencedora, nos termos da primeira parte do n.º 1, do art.º 453.º do C. P. Civil) como se não vislumbra qualquer fundamento racional para o estabelecimento de uma regra especial, segundo a qual, uma das partes, apesar de obter vencimento no litígio, suportaria as custas da decisão provisória – a do procedimento cautelar – que lhe foi desfavorável.
O que na realidade se passa é que, afinal, a composição provisória do litígio não correspondia à correcta declaração do direito acerca daquele concreto litígio, e por esse facto não pode o vencedor (na acção) ser prejudicado, no que vai além da permanência, transitória, dessa decisão.
Temos assim como correcta, em face dos elementos de interpretação consagrados no art.º 9.º do C. Civil, em especial a ratio legis, a interpretação segundo a qual o art.º 453.º, n.º 1, do C. P. Civil não estabelece uma regra especial quanto ao pagamento final de custas no âmbito dos procedimentos cautelares, mas apenas uma regra específica, quanto ao seu pagamento antecipado (relativamente à conta final da acção principal) sendo que aquele (pagamento final) constitui encargo da parte vencida na acção, nos termos da regra geral do art.º 446.º do C. P. Civil, tenha, ou não, sido deduzida a oposição a que se reporta o art.º 385.º, n.º 2, do C. P. Civil.
E, assim, in casu, estando em causa a questão de saber quem deve suportar a final as custas do procedimento cautelar, a mesma deve ser resolvida no sentido de que é a parte vencida na acção que paga essas custas, independentemente do vencimento no procedimento cautelar".

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quinta-feira, julho 12, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Chamo particular atenção para a nota que deixo ao primeiro acórdão, que penso levantar uma questão muito interessante, quer para os "práticos", quer para os "teóricos".


1)
Acórdão de 25-06-2007, proferido no processo n.º 0752896:
"É admissível a reconvenção quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir em que se baseia o pedido da acção.
Também o será quando não se enquadrarem estritamente na causa de pedir da acção, mas emergem de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indirectamente se impugna os alegados na petição inicial
"
.

Nota - As presentes conclusões reproduzem, no essencial, o regime legal, pelo que não levantam qualquer dificuldade.
Mais interessante será, por isso, olhar para o caso concreto.
Objecto do recurso foi um despacho do tribunal de primeira instância, no qual se entendeu não ser admissível a reconvenção, na qual se pedia o "pagamento de quantia não inferior a € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos morais pelos mesmos sofridos por causa da instauração da acção judicial e actuação dos sócios da Autora em consequência do diferendo existente com os réus".
A primeira instância entendeu que tal pedido não preenchia os requisitos do artigo 274.º do CPC.
A Relação entendeu que o dito pedido se enquadrava no segmento normativo que refere ser admissível o pedido reconvencional emergente dos factos que integram a defesa.
Salvo melhor opinião, parece-me que a razão esteve com a primeira instância, discordando, por isso, do juízo da Relação, neste caso.
Na acção, o autor pedia a condenação dos réus no pagamento de certa quantia, devida por trabalhos num terreno destes. Os réus contestaram o crédito, impugnado-o. Pediram, como disse, em reconvenção, uma indemnização pelos danos causados pela instauração da acção.
Quando se pede a indemnização por danos causados pela instauração da acção, aponta-se o acto da instauração como ilícito (por ser abusivo, eventualmente) e causador dos danos que se querem ver indemnizados. Estes factos, em que se apoia o pedido reconvencional, nada têm que ver, em bom rigor, com os factos da defesa, na qual os réus impugnaram o crédito que os autores invocaram sobre eles. É certo que, remotamente, ambas as alegações têm a mesma origem: os réus impugnam o crédito porque, no seu entender, ele não existe; e porque ele não existe, a instauração da acção é abusiva.
Mas tudo isto não apaga a diferença eseencial: a defesa assenta na impugnação de factos constitutivos da obrigação; a reconvenção assenta no exercício abusivo do direito de acção. São factos diferentes, ainda que remotamente relacionados por uma ideia comum. Não se verifica, por isso, a meu ver, qualquer dos requisitos do artigo 274.º do CPC.
Note-se que não é a primeira vez que a questão se coloca, na nossa jurisprudência. Conheço pelo menos uma decisão precisamente sobre este assunto, que já usei como exemplo em aulas práticas.
Curiosamente, o caso era quase igual a este, até nas decisões das instâncias. A primeira instância entendeu que a reconvenção era inadmissível, mas a Relação entendeu que era admissível, por emergir dos factos que servem de fundamento à defesa. Mas o Supremo - e, a meu ver, muito bem - entendeu que não se verificava aquela conexão - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03A3141, que por sua vez invoca também o acórdão do mesmo tribunal de 02-03-1945, com nota concordante da Revista dos Tribunais, no ano 63º, pág. 169, posteriormente mantida no ano 86º, pág. 365.


2)
Acórdão de 25-06-2007, proferido no processo n.º 0712029:
"I - Nos termos do n.º 2 do art. 70º do CPT “a audiência só pode ser adiada, e por uma vez, se houver acordo das partes e fundamento legal”.
II - Não indicando o CPT quais os fundamentos legais de adiamento da audiência, é aplicável o disposto no art. 651º do C. P. Civil.
III - Se a mandatária da ré informou atempadamente o Tribunal e a parte contrária da impossibilidade de comparência e requereu o adiamento da audiência que nunca fora adiada, mostra-se preenchida a situação prevista na al. d) do n.º 1 do art. 651º do CPC, pelo que não poderia ser feito o julgamento sem se ter questionado a parte contrária sobre o seu acordo quanto ao requerido adiamento"
.

Nota - Dispõe o n.º 2 do artigo 70.º do CPT: "a audiência só pode ser adiada, e por uma vez, se houver acordo das partes e fundamento legal".
Remetendo-se, no que toca ao fundamento legal, para as normas do CPC, há que articular os artigos 155.º e 651.º deste diploma. Sobre as ditas normas, cfr.
este texto do blog, bem como os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-03-2007, proferido no processo n.º 0720357, de 05-07-2006, proferido no processo n.º 0633808, de 07-02-2006, proferido no processo n.º 0526897, e de 23-04-2007, proferido no processo n.º 0751008, do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-02-2007, proferido no processo n.º 10099/06-2, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-03-2002, proferido no processo n.º 402/2002.


3)
Acórdão de 25-06-2007, proferido no processo n.º 0515552:
"I - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicilio profissional, nos termos do art. 260-A (art. 229-A, n.º 1 do CPC).
II - As alegações de recurso não estão abrangidas pelo regime previsto no art. 229-A, n.º 1 do CPC, pelo que a sua notificação à parte contrária deve ser feita pela Secretaria do Tribunal - art. 254º,1 CPC"
.

Nota - A jurisprudência é (ou, pelo menos, foi) um pouco instável quanto à aplicabilidade do disposto nos artigos 229.º-A e 260.º-A do CPC às alegações de recurso. Sintomaticamente, esta decisão - da qual, aliás, discordo - contou com um voto de vencido.
Algumas decisões, tal como a agora anotada, pendem para a inaplicabilidade daqueles preceitos, considerando que tais peças não se encontram abrangidas pela sua letra (cfr., entre outros, os acórdãos
do STJ de 19-02-2004, proferido no processo n.º 03A4201, da Relação do Porto de 25-10-2001, proferido no processo n.º 0131 e da Relação de Coimbra de 10-05-2005, proferido no processo n.º 1128/05 e de 29-05-2001, proferido no processo n.º 1496/2000).
Outras, penso que maioritárias, sustentam que a norma deve ser objecto de interpretação extensiva, abrangendo igualmente as alegações de recurso, para as quais a sua letra não apontará à primeira vista (cfr., entre outros, os acórdãos
do STJ de 05-05-2005, proferido no processo n.º 04B419, e de 13-07-2004, proferido no processo n.º 04B590, da Relação do Porto de 03-12-2001, proferido no processo n.º 0150088, e de 11-06-2007, proferido no processo n.º 0752291, do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-06-2004, proferido no processo n.º 1781/04, e de 22-05-2002, proferido no processo n.º 1239/02, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-03-2006, proferido no processo n.º 493/06-1, de 28-01-2004, proferido no processo n.º 524/04-2, e de 22-10-2003, proferido no processo n.º 1617/03-1).
Parece verificar-se uma tendência recente para a prevalência da segunda daquelas correntes. Creio, aliás, ser a que corresponde ao entendimento mais razoável das normas em causa (cfr. a fundamentação dos dois acórdãos do STJ citados em abono de tal posição). Na verdade, não faria sentido libertar a secretaria da função de notificação aos mandatários por todo o processo após a contestação para, por uma vez só, a onerar novamente com tal tarefa apenas nas alegações de recurso.


4)
Acórdão de 04-07-2007, proferido no processo n.º 0752755:
"I - Da actual redacção do art. 94.º do CPC não se extrai que a lei tenha imposto a obrigatoriedade de que apenas quando todos os executados forem pessoas colectivas o exequente pode optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida.
II - Se um dos executados é uma sociedade colectiva que subscreveu uma livrança, sendo a ela que cabe satisfazer o cumprimento em primeiro plano, pode o exequente instaurar a execução no lugar onde a obrigação deva ser cumprida
"
.

Nota - Dispõe o artigo 94.º, n.º 1 do CPC, depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril: "Salvos os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana".
Assim, podemos esquematizar a norma do modo seguinte:
1 - O tribunal do domicílio do executado é sempre competente.
2 - O tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida poderá ser competente, quando o exequente o pretender e se verifique qualquer uma das seguintes hipóteses:
(a) ser o executado uma pessoa colectiva;
ou
(b) terem exequente e executado domicílio na mesma área metropolitana (de Lisboa ou Porto).
Assim sendo, como se refere no acórdão, nenhuma das ditas hipóteses (particularmente a (a) e a (b), que estariam aqui em causa) exige que exequente e executado sejam ambos pessoas colectivas.
No mesmo sentido, cita-se um acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-03-2007, que julgo ser
o proferido no processo n.º 0731376, no qual se decidiu que "a opção concedida ao exequente pelo artº 94º, nº 1, do CPC (redacção introduzida pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril) basta-se com o facto de ser pessoa colectiva o obrigado principal, sendo indiferente que outros (co)-executados o não sejam".
Sobre esta matéria, encontra-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 15-03-2007, proferido no processo n.º 0731000.

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quarta-feira, julho 11, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07P1999:
"I - O título executivo, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o direito aparentemente nele incorporado exista.
II- O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não.
III - Sendo o a letra de câmbio tal, como o cheque e a livrança, um título abstracto, não constando dele, por isso, a causa da obrigação que esteve na base da sua emissão, apenas pode servir de título executivo, como documento particular assinado pelo devedor, se o exequente, no requerimento executivo, invocar, expressamente, a relação subjacente que esteve na base da respectiva emissão e alegar qual a relação jurídico-negocial que esteve na base da emissão do título (relação fundamental).
IV - A mera alusão apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a “transacção comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio extracartular, por tal menção não consentir conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico formal
"
.

Nota - A conclusão III não espelha fielmente o teor da fundamentação do acórdão. Ao lê-la, fica-se com a impressão de que ali se afirmou que um cheque, uma letra e uma livrança só podem, em qualquer caso, ser títulos executivos quando seja invocada a relação subjacente. Ora, é bem sabido que assim não é (sendo títulos abstractos, a obrigação cartular, vale por si). O acórdão refere-se aos títulos de crédito prescritos, pois é em relação a estes que a jurisprudência maioritária tem entendido que poderão, ainda, constituir títulos executivos, desde que seja invocada, no requerimento executivo, a relação subjacente, e esta não consubstancie negócio jurídico formal - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64,
de 09-03-2004, proferido no processo n.º 03B4109 (com declarações de voto discordantes no que toca à possibilidade de o título prescrito poder valer como título executivo), do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2005, proferido no processo n.º 0551108, de 14-02-2005, proferido no processo n.º 0457128, e de 07-10-2003, proferido no processo n.º 0323726, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2005, proferido no processo n.º 2070/2005-6.
Não me parece ser de subscrever a doutrina do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, no sentido segundo o qual a relação subjacente se presume, na apresentação à execução do título de crédito prescrito, doutrina essa que, de forma mais mitigada, também parece surgir no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03B3056, que, analisando uma questão muito parecida com a que é objecto da decisão anotada (apresentação de título prescrito, no qual apenas se refere como causa uma "transacção comercial", sem mais detalhe), acaba por entender que, "tendo-se feito na letra menção expressa e literal a "transacção comercial/reforma de outras letras", dúvidas não restam de que, quer representem o valor de transacções comerciais propriamente ditas, quer respeitem a reformas de letras anteriores com as mesmas conexionadas, respeitam a dívidas de quem se obrigou a pagá-las e a obrigações de natureza comercial entre os sujeitos subscritores previamente estabelecidas VI. Haverá, nesta sede, que fazer funcionar (a favor do credor-exequente) o princípio da presunção de existência da relação fundamental, competindo, por isso, ao devedor-executado o encargo de demonstrar que, apesar dessa menção/alusão nos questionados documentos das respectivas fontes obrigacionais, tal relação fundamental era afinal, e na realidade, inexistente".
É precisamente num contexto semelhante que, no acórdão em análise, se entendeu que a mera invocação de uma "transacção comercial", não concretizada, é insuficiente para que se considere alegada a relação subjacente (trata-se de uma falta que podemos considerar de algum modo paralela à alegação meramente conclusiva da causa de pedir, na petição inicial).
Para uma formulação precisa e descrição da evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o conceito de causa de pedir na acção executiva, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-12-2006, proferido no processo n.º 06B3791, e, complementarmente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2006, proferido no processo n.º 6554/2005-7 (este adaptando o critério também às execuções de títulos cambiários sem invocação da relação subjacente), e do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2005, proferido no processo n.º 2270/05.
Para aplicações práticas do conceito, hoje tendencialmente ultrapassado, de que a causa de pedir, na execução, é o título, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 22-05-2001, proferido no processo n.º 0021602, de 13-03-2001, proferido no processo n.º 0021365, e de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9950873.
Não se trata de uma mera questão conceptual, havendo consequências práticas da opção tomada. Veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 14-06-2002, proferido no processo n.º 0230707: "Tem uma corrente doutrinária e jurisprudencial vindo a entender que, quando um título de crédito é apresentado como título executivo, mas enquanto mero quirógrafo, ou seja, como documento particular, consubstanciador da relação subjacente, causal ou fundamental, tem o exequente de invocar a causa da obrigação, ou seja, os factos que consubstanciam a existência de uma obrigação do executado para consigo, no requerimento inicial da execução (quando não conste do título), para, designadamente, poder ser impugnada pelo executado, não o podendo fazer posteriormente, sem o acordo do executado, por tal implicar alteração da causa de pedir (neste sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 54; Ac. do STJ, de 30.1.2001, CJ/STJ, 2001, I, 85 e da RP, de 13.1.2000, BMJ, 493º-417, entre outros)".


2)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2210:
"1. Não podem ser admitidas por acordo por falta de impugnação as afirmações de pendor puramente jurídico, meramente conclusivas ou envolventes de juízos de valor.
2. A eliminação dos meios de prova pelo decurso do tempo e um especial circunstancialismo são susceptíveis de impedir a admissão por acordo pela sociedade ré de determinados factos alegados pelo autor, não obstante a sua afirmação de ignorância sobre a concernente realidade.
3. O erro da Relação na fixação dos factos da causa com base em prova de livre apreciação excede o âmbito de apreciação do recurso de revista.
4. O incumprimento do ónus de prova do pagamento por parte do réu, como excepção peremptória de tipo extintivo, só releva contra ele se provada estiver pelo autor a constituição da obrigação de pagamento.
5. A condenação do que vier a liquidar-se posteriormente só é configurável no caso de estar provada a obrigação de prestar e só faltar a determinação do respectivo quantitativo
"
.

Nota - Quanto ao vertido no ponto 1, trata-se de matéria pacífica, pois as meras conclusões ou juízos de valor não constituem factos e, como tal, não podem ser objecto de admissão.
Mais interessante é, porém, a conclusão que aparece no segundo ponto. Ali se faz uma interpretação muito razoável do artigo 490.º do CPC, considerando-se que, certos factos, apesar de serem imputados ao réu, não devem ser considerados admitidos quando este afirme desconhecê-los, por não ser razoável presumir o seu conhecimento. No caso concreto, tratava-se de transacções comerciais alegadamente realizadas 15 anos antes dos articulados, tendo o tribunal considerado que "a lei, no artigo 40º do Código Comercial, só obriga os comerciantes a conservar os livros da sua escrituração durante dez anos. Com efeito, está assente, por um lado, que as pessoas responsáveis pela celebração dos contratos em causa já não exercerem a sua actividade, inexistem documentos que titulem as relações comerciais com o Fundo ou livros em arquivo que reflictam escrituração relativa ao período a que respeitam as operações comerciais em causa. E, por outro, que decorridos mais de quinze anos sobre os factos, não poder a recorrida precisar se recebeu e o que recebeu de cada um dos seus clientes moçambicanos relativamente a cada uma das prestações previstas para cada um dos contratos. No fundo, a recorrida afirmou - e até provou – que ignorava e não tinha obrigação de conhecer os factos realmente alegados pelo recorrente. Perante este quadro de facto, impõe-se considerar que afirmação de facto constante do quesito 12º não é de considerar pessoal da recorrida ou de que ela deva ter conhecimento, para os efeitos previstos no nº 3 do artigo 490º do Código de Processo Civil". Esta interpretação restritiva, ainda que sujeita aos requisitos apertados que atrás se enunciaram, parece-me de saudar.
Quanto ao ponto terceiro, cfr.
aqui a nota ontem ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981.
O quarto ponto é pacífico.
Quanto aos requisitos da condenação genérica, mais concretamente a necessidade de se encontrar comprovada a obrigação, desconhecendo-se apenas o seu montante, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1441, e do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2001, proferido no processo n.º 0031748.
Sobre a alteração do regime do incidente da liquidação com o DL 38/2003, que passou a correr no próprio processo declarativo, cfr. especialmente os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 16-04-2007, proferido no processo n.º 0750228, de 08-02-2007, proferido no processo n.º 0730237, e de 24-04-2007, proferido no processo n.º 0721491, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2005, proferido no processo n.º 9182/2005-8.


3)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1361:
"(...)
O artigo 291º do Código Civil não se encontra revogado, tendo um âmbito de aplicação diverso daquele que (actualmente) cabe ao artigo 5º do Código do Registo Predial;
Sendo aplicável o artigo 5º do Código do Registo Predial, não releva o prazo de três anos, previsto no nº 2 do artigo 291º do Código Civil para a propositura e registo da acção de declaração de nulidade ou de anulação;
É terceiro para os efeitos previstos no artigo 5º do Código do Registo Predial, quer na redacção decorrente do Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, que lhe aditou o nº 4, quer na sua anterior versão, aquele que compra um prédio a quem figura no registo predial como seu proprietário, apesar de já ter anteriormente alienado a outrem o mesmo prédio, por permuta não registada
.
(...)"


Nota - Sobre a diferença entre os conceitos de terceiro para efeitos de registo constantes dos artigos 291.º do CC e 5.º do Código do Registo Predial, cfr.,
neste post anterior, a nota que deixei ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-06-2007, proferido no processo n.º 07B1847.

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terça-feira, julho 10, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1981:
"O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a afirmação de facto resultante de prova de livre apreciação da Relação de que o autor, logo que recuperou das lesões sofridas, alugou por determinado preço diário uma viatura sem condutor, por ele utilizada na sua vida profissional durante certo tempo e de que experimentou incapacidade absoluta para o trabalho em certo período de tempo".

Nota - Considerou-se, apesar do uso da expressão "alugou", que se estava ainda perante matéria de facto e não de direito.
É um entendimento perfeitamente compatível com a posição maioritária na doutrina e na jurisprudência, segundo a qual, sem prejuízo do dever de evitar o uso de conceitos jurídicos na descrição dos factos, vocábulos como "comprou", "arrendou" ou "doou" podem admitir-se como encerrando um sentido comum (não técnico), que cabe na descrição factual. Tudo isto desde que a expressão em causa não interfira directamente com o problema jurídico em discussão no processo.
Sobre o assunto matéria, cfr.
este post anterior e ainda um outro.
Tratando-se de matéria factual sujeita à livre apreciação do juiz, o Supremo não pode sindicar o juízo probatório - cfr., em especial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567 (v. conclusão IV e fundamentação correspondente). Por regra, o Supremo não pode valorar a prova sujeita à livre apreciação do julgador - testemunhal ou pericial, por exemplo -, mas apenas julgar se a sua consideração para comprovação de certo facto viola ou não as regras de direito probatório material que fixam a admissibilidade e valor (legal) dos meios de prova (cfr. também, a este respeito, a jurisprudência citada em nota ao acórdão seguinte).
Cfr. também, para outras consequências da distinção entre meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador e meios de prova legais, o
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2007, proferido no processo n.º 3454/03.0TBLRA.C1 e a nota que, sobre ele, deixei aqui.


2) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A931:
"No artº 690º-A do CPC, visa o corpo das alegações propriamente ditas, apenas determinando um particular ónus de nele alegar e fundamentar – e não também um ónus de concluir – em conformidade com o comando que estabelece, ao invés do que sucede no artº 690º, ibidem, onde, relativamente à matéria de direito, impõe um ónus de alegar e um ónus de concluir".

Nota - Quanto ao conteúdo preciso do ónus de impugnação da matéria de facto, a jurisprudência maioritária tem entendido, tal como o acórdão anotado, que ele não implica que a identificação dos depoimentos concretos postos em crise conste das conclusões (bastando que se encontre nas alegações). Das conclusões devem constar obrigatoriamente, apenas, os pontos da matéria de facto que se pretendem ver alterados. No entanto, a questão não é pacífica. Sobre este assunto, podem ler-se os acórdãos do STJ de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06S3405 e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (cfr. algumas notas a este acórdão aqui). A orientação do acórdão anotado é, actualmente, dominante no STJ, encontrando-se facilmente outros acórdãos no mesmo sentido (cfr., por exemplo, os de 08-03-2006, proferido no processo n.º 05S3823, e de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567), embora seja possível encontrar jurisprudência do mesmo tribunal em sentido oposto (cfr., por exemplo, o acórdão de 05-02-2004, proferido no processo n.º 03B4145). Na Relação de Lisboa, porém, encontram-se algumas decisões a exigir que as conclusões contenham também os concretos meios de prova que levam a decisão diversa (cfr. os acórdãos de 02-06-2005, proferido no processo n.º 1598/2005-4, de 02-11-2005, proferido no processo n.º 1812/2005-4, e de 18-01-2006, proferido no processo n.º 10696/2005-4).
Quanto ao que deverá entender-se como identificação concreta do ponto da gravação onde se encontra o depoimento, cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2642, bem como o já citado de 02-05-2007, proferido no processo n.º 06S2567.


3) Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B2111:
"A consideração pela Relação do facto de a autora estar desempregada à data do acidente, ao invés do tribunal da primeira instância, não pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nem constitui a nulidade do acórdão prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d) nem infracção do artigo 659º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil.
(...)"
.

Nota - Trata-se de questão pacífica.
Sobre a impossibilidade (por regra) de controlo da matéria de facto pelo STJ, cfr. a anotação ao primeiro acórdão.
Quanto aos poderes da Relação na alteração da matéria de facto, cfr. a nota ao
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1474/05-3, que deixei aqui.
Quanto à impossibilidade (salvo raras excepções) de tal controlo, na falta de impugnação da matéria de facto, cfr. a nota ao
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1990, que ontem mesmo deixei aqui.


4) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1171:
"Sendo as conclusões da alegação de recurso instalado para o STJ uma reprodução das formuladas na alegação recursória para a Relação, não tendo esta feito uso da faculdade remissiva contemplada no artº 713º nº 5 do CPC, nem havendo lugar ao desencadear a aplicação dos artºs 722º nº 2 e 729º nº 3 do predito Corpo de Leis, confirmando-se e julgado na 2º instância quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, impõe-se o fazer uso da aludida faculdade, considerado o plasmado nos artºs 726º, 749º e 762 nº 1, todos do CPC.
Da nulidade de sentença, por vício de limite, urge saber distinguir a nulidade judicial de processo, maxime por omissão de um acto prescrito na lei, as nulidades de processo se podendo definir como quaisquer desvios ao formalismo processual ditado pela lei, por banda do formalismo processual seguido, a que aquela faça corresponder - embora de modo não expresso-, uma mais ou menos extensa invalidação de actos processuais
"
.

Nota - Aproveito para actualizar um texto anterior, quanto ao primeiro ponto.
Sobre a possibilidade de decidir por remissão, cfr. o que escrevi aqui (em anotação ao acórdão do STJ de 13-03-2007, proferido no processo n.º 07A316) e os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705, e de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B1327.
No sentido de que a decisão por remissão tem de ser unânime, cfr.
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proferido no processo n.º 06S2705 (e a anotação que a ele deixei aqui), onde se conclui, a meu ver acertadamente, que "tendo presente o teor do n.º 5 do art.º 713.º, não podemos deixar de concluir que a situação nele prevista (a elaboração do acórdão por remissão) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que o acórdão seja tirado por unanimidade; b) que a sentença recorrida seja inteiramente confirmada, quer quanto à decisão, quer quanto aos seu fundamentos. Só neste caso é que o acórdão poderá ser elaborado por remissão".
As hipóteses em que o recorrente repete, na revista, precisamente as alegações de apelação têm sido consideradas, por parte da jurisprudência, como susceptíveis de permitir uma decisão por remissão, como já referi aqui no blog (cfr. o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no processo n.º 06A4002, e a anotação que sobre ele deixei neste post anterior). Como entretanto já referi (cfr. aqui, em nota ao acórdão do STJ de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1286), existem, no essencial, três correntes jurisprudenciais sobre o assunto. Uma defende que a repetição das alegações implica a deserção do recurso; outra que justifica o uso da faculdade de decidir por remissão; a terceira, variante desta última, no entanto, entende que essa faculdade remissiva não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou. No texto anterior já referido, enumerei algumas decisões que se inscrevem nas duas primeiras correntes (a que se acrescentam, pela segunda, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2007 e de 27-03-2007, já citados, de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A3431 e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 06A2993). Quanto à terceira posição (segundo a qual o uso da faculdade remissiva pelo STJ não é possível nos casos em que a própria Relação já a utilizou), pode ser encontrada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2006, proferido no processo n.º 06B1346, de 11-12-2003, proferido no processo n.º 03A3797, de 21-12-2005, proferido no processo n.º 05B2188, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B2645.
A jurisprudência sobre o segundo ponto (distinção entre nulidades processuais e nulidades intrínsecas dos actos) é interminável - vejam-se apenas, como (bons) exemplo, os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-06-2004, proferido no processo n.º 04B1072 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2007, proferido no processo n.º 4569/2007-7.

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segunda-feira, julho 09, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 3)

1) Acórdão de 28-06-2007, proferido no processo n.º 07B991:
"Para a admissibilidade do recurso contemplado no artº 678 nº 4 do CPC, impõe-se, entre outros requisitos, a menção do(s) acórdãos) - fundamento no requerimento de interposição do recurso".

Nota - Dispõe assim o n.º 4 do artigo 678.º do CPC: "É sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça".
No
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1376, decidiu-se que "a excepção do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil pressupõe que a decisão tenha sido proferida em causa de valor superior à alçada do tribunal “a quo”, e que a recorribilidade-regra seja afastada por razoes alheias ao valor", encontrando-se em linha com os acórdãos do mesmo tribunal de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1379, de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07B1480, de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07B1215, de 17-05-2007, proferido n.º processo n.º 07B1379, de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1100, e de 20-06-2000, proferido no processo n.º 00B360.
Sobre os requisitos dos recursos especiais previstos no artigo 678.º do CPC, cfr. o acórdão do STJ
de 15-06-2005, proferido no processo n.º 04S3167.
Em pormenor sobre o que deve entender-se por contradição de acórdãos para efeitos de aplicação daquela norma, cfr. os acórdãos do STJ
de 23-03-2006, proferido no processo n.º 05B3080, de 10-02-2005, proferido no processo n.º 04B4416, e de 13-01-2005, proferido no processo n.º 04B4074.


2)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1746:
"A acção de reivindicação, tal como está configurada no art. 1311º do CC, obriga a que o seu autor formule dois pedidos: o reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e a restituição da coisa, por outro (o pedido de indemnização poderá vir por acréscimo).
Cabe, pois, ao reivindicante o ónus de alegar e provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou detenção do R.. A este, por sua vez, com vista a obstar o êxito da acção, cabe alegar e provar que é titular de um direito (real ou obrigacional) que legitima a ocupação.
Não tendo os AA. provado que a R. “FF” ocupa o terreno reivindicado, como efectivamente não provaram, naturaliter improcede a acção contra ela dirigida".


Nota - Quanto aos dois pedidos na acção de reivindicação, parece-me que nada impedirá que, na falta do primeiro (declaração de ser o autor proprietário), em condições normais, ele se considere implicitamente contido no segundo - cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14-05-1981, in BMJ n.º 307, pág. 235, e do Tribunal da Relação do Porto
de 18-01-2007, proferido no processo n.º 0636918, e de 07-11-2002, proferido no processo n.º 0231012. Aqueles dois pedidos são, na expressão feliz de Alberto dos Reis, "duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção" (cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 148, onde o autor também defende que o primeiro pedido pode considerar-se implícito no segundo).


3)
Acórdão de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07A1990:
"A Relação não pode dar como provados certos e determinados factos com base em pseudo não impugnação de documentos meramente particulares.
É que os documentos particulares são meios de prova (de livre apreciação, aliás) e não factos. Só em relação a estes é que tem total cabimento a doutrina do nº 3 do art. 659º do CPC.
Aliás, não tendo a parte recorrente pedido a reapreciação do juízo probatório feito pelo tribunal de 1ª instância, nos termos no art. 712º do CPC, tal tarefa estava vedada ao Tribunal da Relação.
(...)"


Nota - Bastaria a consideração constante do segundo parágrafo para concluir pela impossibilidade de alteração da matéria dada como provada pela primeira instância (pondendo a Relação apenas fazer uso ex officio dos poderes constantes do n.º 4 do artigo 712.º do CPC) - cfr., neste sentido, a título exemplar, pois trata-se de matéria pacífica, os acórdãos do STJ
de 03-06-2004, proferido no processo n.º 04B1210, e de 25-06-2002, proferido no processo n.º 01S3722.
Quanto à força probatória dos documentos particulares, impõe-se, a meu ver, uma precisão. Quando se estabeleça a genuinidade do documento particular (por não ter sido validamente impugnada ou por ter sido impugnada mas provada pela parte que o apresenta), ele faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no artigo 376.º, n.º 1 do CC - cfr., sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 13-02-2003, proferido no processo n.º 02B4551, de 26-06-1984, proferido no processo n.º 071793, de 03-05-1987, in BMJ n.º267, pág. 125, de 10-03-1980, in BMJ n.º 295, pág. 345, e de 03-02-1994, in BMJ n.º 434, pág. 547.

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sábado, julho 07, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 19-04-2007, proferido no processo n.º 173/07-2:
"Os alimentos a que o Estado se obriga a suportar são fixados ex novo e são devidos, apenas, desde a propositura da respectiva acção contra o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores".

Nota - Sobre esta matéria, havia três correntes jurisprudenciais diferentes. Como tive já oportunidade de referir
anteriormente, era possível encontrar decisões que sustentavam que a obrigação do Estado abrange as prestações já vencidas e não pagas anteriores ao pedido contra o Fundo, outras defendendo que inclui apenas as vencidas após tal pedido e, finalmente, uma terceira corrente entendia que só eram devidas as prestações que se vencessem após a decisão.
Citando o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2006, proferido no processo n.º 0636008, aqui fica um levantamento de algumas delas.
"São já muito numerosas as decisões dos tribunais superiores sobre a questão do momento a partir do qual recai sobre o Fundo a obrigação de pagar a prestação de alimentos. E três correntes se têm perfilado.Uma sustenta que a condenação abrange apenas as prestações vencidas a partir do mês seguinte à data da notificação da decisão (de que são exemplo os muitos arestos citados pelo recorrente e, além de outros, o recente
acórdão do STJ, de 6.7.2006, www.dgsi.pt, proc. 05B4278); outra, para quem o pagamento, embora só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi apresentado pedido contra o Fundo (neste sentido, Acs. RC, de 12.4.2005, proc. 265/05, e de 3.5.2006, proc. 805/06; da RG, de 1.6.2005, proc. 587/05-1 e de 11.2.2004, proc. 2269/03-2; da RE, de 30.3.2006, proc. 147/06-2, todos em www.dgsi.pt); e, uma terceira, que defende que o Fundo pode ser condenado a pagar as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos (neste sentido, Ac. da RL, de 12.7.2001 - confirmado pelo Ac. do STJ, de 31.1.2002 (revista nº 4160/01-2ª), e da mesma Relação, de 24.11.2005 e de 9.6.2005, www.dgsi.pt, procs. 9132/2005-6 e 3645/2005-8; da RC, de 15.11.2005, www.dgsi.pt, proc. 2710/05; da RP, de 25.10.2004, 21.9.2004 e 22.11.2004, www.dgsi.pt, procs. 0454340, 0453441 e 0455508; e desta mesma Relação, de 19.9.2002, este in CJ, 2002, IV, 180, relatado pelo ora também relator)."
Prossegue o acórdão: "A divergência de decisões tem ocorrido mesmo nesta Secção da Relação do Porto. O que – há que reconhecê-lo – em nada é prestigiante para os tribunais e não deixará de causar alguma perplexidade nos menos entendidos em assuntos de justiça.Entendeu-se, porém, agora, nesta Secção, após análise conjunta da questão, dever assumir-se uma posição consensual e uniforme, esta no sentido de que as prestações de alimentos são devidas desde a data da propositura do respectivo pedido contra o Estado (embora o respectivo pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão que fixe a prestação mensal)."
A argumentação, partindo da omissão de lei reguladora do funcionamento do Fundo, passa por aplicar a regra do artigo 2006.º do CC: "os alimentos são devidos desde a proposição da acção (...)".
O acórdão do Tribunal da Relação de Évora agora anotado segue no mesmo sentido. Penso que esta posição tenderá a tornar-se maioritária.



2)
Acórdão de 19-04-2007, proferido no processo n.º 2937/06-2:
"Há concorrência de culpas se um cidadão, ao pretender entrar numa carruagem do comboio, quando este já vai em movimento, caiu para a linha e foi apanhado pelo rodado do mesmo e a empresa exploradora por não ter impedido tal embarque.
Tendo havido gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a impugnação de respostas dadas à base instrutória deve obedecer ao que dispõe o artigo 690º-A, nº 1, alínea a) e nº 2, do C.P.C."
.

Nota - Sobre o ónus previsto no artigo 690.º-A do CPC, cfr. os acórdãos do STJ
de 10-05-2007, proferido no processo n.º 06B1868 (e a nota que a ele deixei aqui), do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1 (e a nota que a ele deixei aqui), e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455 (e a nota que a ele deixei aqui).


3)
Acórdão de 19-04-2007, proferido no processo n.º 2771/05-2:
"Não existe qualquer contradição quando o valor fixado na sentença e que foi acordado entre as partes, não inclui outros que foram objecto da base instrutória e aos quais o Tribunal respondeu “não provado”".

Nota - O sumário não é, neste caso, muito esclarecedor. Tratava-se, aqui, de um contrato de empreitada cujo valor foi determinado a partir de vários factos que se espalhavam por diversos artigos da base instrutória. A uns, o tribunal respondeu "provado"; a outros, respondeu "não provado", tendo concluído pelo valor da empreitada a partir da soma das parcelas dadas como provadas e daquelas objecto de admissão pela ré.
Para o recorrente, tal circunstância fazia a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea c) do artigo 668.º do CPC. Como é evidente, a alegação não tem grande sustentação.


4)
Acórdão de 19-04-2007, proferido no processo n.º 1466/06-3:
"Se antes de ser proferida uma sentença transitada em julgado as partes tinham conhecimento de certa situação factual, não pode depois vir uma delas invocar essa factualidade como fundamento de revisão".

Nota - A decisão está correcta, embora deva fazer-se uma única precisão: pode o documento ter sido conhecido antes do trânsito em julgado da decisão mas já não a tempo de poder ser feito uso dele (por exemplo, por já ter sido encerrada a discussão) na acção e, neste caso, é possível que venha a constituir fundamento de um recurso de revisão. De qualquer forma, tal circunstância não ocorria nesta hipótese.
No mesmo sentido da decisão anotada, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2006, proferido no processo n.º 0516966.
O documento em causa tem que ser suficiente, só por si, para conduzir a solução diferente da adoptada na decisão recorrida - o que será, quase sempre, muito difícil.
Ainda sobre esta matéria, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-02-1993, proferido no processo n.º 082663 ("Não cabe no conceito de documento, para efeitos do artigo 771 alínea c) do Código de Processo Civil de 1967, a certidão que contém, apenas, uma decisão Judicial", posição que pode encontrar-se também nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 31-10-2006, proferido no processo n.º 0655118 e de 19-05-2005, proferido no processo n.º 0533022), de 10-04-2003, proferido no processo n.º 03B820, do Tribunal da Relação do Porto de 31-10-2006, proferido no processo n.º 0625465 ("É fundamento para um recurso de revisão de uma sentença de reconhecimento de paternidade um exame sanguíneo posteriormente realizado à menor, à mãe dela e a seu pretenso pai, quando no decurso da respectiva acção de investigação de paternidade, este último se recusou a realizar tal exame"), de 09-05-2005, proferido no processo n.º 0552007 ("A transcrição de um depoimento testemunhal não integra o “documento” a que alude a al. c) do art. 771º do Código Processo Civil."), de 12-07-1993, proferido no processo n.º 9130519 ("Deve ser condenado como litigante de má fé o recorrente que, contra a verdade, afirma o desconhecimento da existência do documento durante a pendência do processo em que foi proferida a sentença que se pretende rever."), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-01-2007, proferido no processo n.º 5105/2006-4 ("Se o novo documento já se encontrava anteriormente na posse da sociedade apresentante mas não tinha sido até então encontrado pelas pessoas encarregues da sua localização, não se verifica a impossibilidade da sua apresentação no âmbito do processo em que foi proferida a decisão revidenda."), e de 09-11-2005, proferido no processo n.º 9962/2005-4 ("Superveniente tanto pode ser o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida, sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.").

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