quarta-feira, outubro 31, 2007

A piada do dia...

...já está por toda a parte, mas não resisto a deixar aqui le CPP (na versão rectifiée).

Acórdão do Tribunald da Relação de Coimbra (parte 2 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2007, proferido no processo n.º 382/1999.C1:
"A Relação pode suprir a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, em consonância com a factualidade decorrente dos autos, e de acordo com o estipulado pelo artigo 668º, nºs 3 e 4, do CPC, conhecendo, oportunamente, do pedido que não foi objecto de apreciação pelo Tribunal «a quo».
Encontrando-se já efectuada a graduação de créditos, aquando da venda, o credor adquirente de bens na execução não é obrigado a depositar a parte o preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele, isto é, não é obrigado a depositar aquilo que, mais tarde, teria direito a receber.
Não obstante a força de caso julgado da sentença de graduação de créditos não ser atingida com a posterior declaração de inconstitucionalidade da norma que considera que o privilégio imobiliário geral conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do disposto pelo artigo 751º, do Código Civil, a declaração de falência dos executados provoca a extinção imediata daquele privilégio creditório, por não ter sido constituído no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência, passando o respectivos crédito a ser exigido como crédito comum, o que determina a graduação, em primeiro lugar, do crédito garantido pela hipoteca, com a consequente dispensa do exequente, que dele beneficia, de proceder ao depósito de qualquer quantia."


Nota - Quanto ao conceito de omissão de pronúncia, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 31-10-2006, proferido no processo n.º 06A2900, de 20-06-2006, proferido no processo n.º 06A1443, e de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1838. Podem encontrar-se outras hipóteses em que a Relação supriu a omissão de pronúncia da primeira instância em inúmeros acõrdãos, por exemplo os do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-11-2005, proferido no processo n.º 29-11-2005, de 28-10-2003, proferido no processo n.º 1592/03, do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006, proferido no processo n.º 2407/2005-6, de 04-11-2004, proferido no processo n.º 8034/2004-6, de 15-12-2005, proferido no processo n.º 11243/2005-6, de 01-02-2001, proferido no processo n.º 00111216, do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2006, proferido no processo n.º 0630780, de 12-07-2005, proferido no processo n.º 0520789, de 24-05-2005, proferido no processo n.º 0520792, e de 01-03-2001, proferido no processo n.º 0130224.
Quanto ao segundo ponto, e apesar de não ter chegado a analisar-se o confronto entre a hipoteca e o privilégio imobiliário (pois o crédito da Segurança Social foi considerado comum, na falência), aproveito para relembrar a jurisprudência tem afirmado quanto ao dito confronto.
Sobre o tratamento que o Tribunal Constitucional tem reservado à relação de preferência da hipoteca sobre o privilégio imobiliário geral e vice-versa, cfr.
este post anterior, na parte em que se anota o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2007 e n.º 287/2007. Cfr. ainda, em particular, este post (anotação ao terceiro acórdão), e ainda este, e este.
Como já referi no texto que se encontra na primeira ligação, tanto se encontram hipóteses, na jurisprudência, em que a hipoteca preferiu ao privilégio imobiliário geral como hipóteses opostas. Resumidamente, entendeu o STJ, na vigência do CPEREF, que:
- o privilégio imobiliário geral em benefício da administração fiscal previsto no Código do IRS poderia sobrepor-se à penhora, mas não à hipoteca - cfr.
acórdão de 27-03-2007, proferido no processo n.º 07A760, bem como a anotação que a ele deixei aqui, e ainda a nota que sobre a mesma matéria deixei aqui, em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/2007, e ainda o acórdão do STJ de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07P580;
- os créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral, graduavam-se acima dos devidos à segurança social e garantidos por hipoteca legal - cfr. acórdão
de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A1984, mas o privilégio imobiliário geral previsto para a Segurança Social não se sobrepunha à hipoteca -cfr. acórdão de 11-10-2007, proferido no processo n.º 07B3427;
- o privilégio imobiliário geral que garante os créditos dos trabalhadores não se sobrepunha à hipoteca - cfr. acórdãos
11-09-2007, proferido no processo n.º 07A2194, de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871, de 08-11-2005, proferido no processo n.º 05A2355, de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606 (com um voto de vencido), de 05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613, e de 12-06-2003, proferido no processo n.º 03B1550. Contra (antes da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto), cfr. acórdão de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99B848.
Cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 17-05-2007, proferido no processo n.º 07B1309.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-10-2007, proferido no processo n.º 1543/05.5TBFIG-A.C1:
"Se o indigitado progenitor - no processo de averiguação oficiosa de paternidade - foi devidamente notificado para comparecer, a fim de ser realizado o exame hematológico, e não compareceu, nem justificou a sua não comparência, deverá ficar incurso na sanção prevista no artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Não é legítimo que se ordene a emissão de mandados de condução sob custódia, a fim de que o indigitado progenitor compareça, no Instituto de Medicina Legal, com vista à realização de exame hematológico
."


Nota - É esta a posição que tem vindo a vingar na jurisprudência (em matéria cível), no que toca aos exames de ADN: o réu não pode ser obrigado a realizar os exames, sendo todavia a recusa livremente apreciada.
Cft. ainda o
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/98, sobre a aplicação do n.º 2 do artigo 519.º do CPC, no confronto entre o direito à historicidade pessoal e o direito à integridade física, os acórdãos do STJ de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99B129 (também no BMJ 485-418), e de 28-05-2002, proferido no processo n.º 02A1633 (também na CJ, 2002, tomo II, pág. 92) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2002, na CJ, 2002, tomo I, pág. 18, bem como o estudo do desembargador Távora Vítor intitulado "Investigação de paternidade – breves notas sobre a sua evolução", na CJ (STJ), 2003, tomo III, pág. 14.
No mesmo sentido da decisão anotada, e para além dos inúmeros acórdãos nela citados, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2736, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-12-2006, proferido no processo n.º 562/2002.C1.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-10-2007, proferido no processo n.º 554/04:
"Como decorrência do disposto no art. 385º, CPC, a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido, ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade, aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar.
O que o DL 329-A/95 trouxe de novo foi a exigência de que o perigo seja sério: o aumento do perigo de lesão deve ser objectivo (tal como o periculum in mora) e substancial. Além disso, configurando o preceito como norma geral, subsidiariamente aplicável aos procedimentos nominados dos arts. 393 e ss. (art. 392-1), deu-lhe um alcance que até então ele não tinha.
Há procedimentos cautelares nominados que, pela sua natureza, devem ser sempre decretados sem audiência do requerido: é o caso do arresto (art. 408-1) e da restituição provisória de posse (art. 394). Quanto aos restantes, entendia-se, na vigência da lei anterior, que alguns havia (os alimentos provisórios a suspensão de deliberação social) em que a lei impunha a audiência do requerido e outros em que ao juiz cabia, prudentemente, decidir se ele deveria ser ou não ouvido, entendendo-se, com base na redacção dos preceitos legais, que, no embargo de obra nova e no arrolamento, a lei atribuía ao juiz maior margem de arbítrio do que no procedimento de providência não especificada).
A lei actual fugiu a estabelecer outros parâmetros que não sejam os do n.° 1, do art. 385º, sob análise, sem prejuízo de a obrigatoriedade da audiência do requerido se poder retirar, desde que com segurança, das disposições específicas reguladoras de determinado procedimento nominado (ver arts. 400 e 404, CPC).
Na apreciação do risco da audiência do requerido, o juiz não está dependente da iniciativa do requerente da providência: mesmo que este o não tenha requerido, os factos por ele alegados e provados podem levar o juiz a dispensar oficiosamente a audiência imediata do requerido, se necessário após diligências complementares que lhe permitam uma decisão conscienciosa, desde que com elas não se ponha em causa a celeridade da providência e, portanto, a sua utilidade.
O critério legal (correcto) de conceder um amplo poder de apreciação ao juiz deve ser aplicado considerando as regras gerais da experiência e as particularidades do caso concreto, equacionando o equilíbrio a observar entre os valores da contraditoriedade e os da eficácia da Justiça e não esquecendo que, se o princípio do contraditório é a regra (art. 3-1), o domínio das providências cautelares é, já ele, de excepção (art. 3-2)."


Nota - A decisão anotada parece ponderar bem os interesses em jogo.

Sobre a matéria (conexa) do delicado equilíbrio entre a prova já produzida por iniciativa do requerente e a prova posteriormente produzida por impulso do requerido, não ouvido antes da decisão, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02-10-2007, proferido no processo n.º 554/04.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2007, proferido no processo n.º 483/05.2TBILH.C1:
"Solicitado pelo Réu o Apoio Judiciário ao abrigo da Lei 34/2004 de 29 de Julho, deve ser determinada a interrupção do prazo para contestar, a qual só cessa com a notificação da decisão que põe fim ao incidente.
Interposto recurso do decidido pela Segurança Social a respeito de Apoio Judiciário o requerente-Réu tem o prazo de 15 dias para apresentar a sua alegação.
Os prazos aplicáveis por força da Lei 34/2004 de 29 de Julho são contínuos, não se lhes sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Civil nomeadamente quanto à dilação.
Notificado o Réu impetrante a 18 de Outubro de 2005 de que lhe fora indeferido o pedido de Apoio Judiciário teria prazo para impugnar a decisão administrativa até 2 de Novembro do mesmo ano.
Não o tendo feito, o prazo para contestar a acção de 20 dias começou a correr desde a data em que lhe foi notificada a decisão da Segurança Social ou seja 18 de Outubro de 2005.
Na falta de contestação da acção mostrou-se correcta a condenação do Réu no pedido."


Nota - A decisão é correcta, a meu ver, pois deve entender-se que o prazo para impugnar a decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono é contínuo, contando-se nos termos do CPC (isso parece resultar da conjugação dos artigos 38.º e 27.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004. Aliás, a jurisprudência que se encontra considerando aplicáveis ao procedimento de apoio as regras do Código do Procedimento Administrativo diz respeito às formas de notificação (na fase procedimental) e não propriamente à contagem dos prazos - cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 08-10-2007, proferido no processo n.º 0753661, e (não tão explicitamente) de 13-10-2005, proferido no processo n.º 0533883, aplicando a lei n.º 30-E/2000, porém louvando-se num princípio que se consagra também hoje na Lei n.º 34/2004.

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terça-feira, outubro 30, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2007, proferido no processo n.º 1206-C/1993.C1:
"A interrupção da instância deve ser declarada pelo Tribunal e o despacho notificado às partes.
Só com a notificação de tal despacho é que a interrupção produz efeitos, efeitos esses declarativos.
Não tendo sido notificado o despacho a declarar interrompida a instância, não corre o prazo para a deserção da instância, supondo esta a interrupção da instância durante dois anos
."


Nota - Há que distinguir, quanto a este problema, duas questões distintas, que, à primeira vista podem confundir-se: se a interrupção da instância necessita de ser declarada por despacho do juiz; e se a deserção da instância necessita de ser declarada por despacho do juiz.
A jurisprudência tem entendido que a interrupção da instância deve ser declarada por despacho (ainda que este não tenha natureza constitutiva, ou seja, limita-se a declarar a interrupção mas não marca o início do prazo desta, para efeitos de deserção), e que a deserção opera por mero decurso do prazo previsto no artigo 291.º do CPC - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 15-06-2004, proferido no processo n.º 04A1992, de 13-05-2003, proferido no processo n.º 03A584 (trata apenas da vertente da interrupção), de 29-04-2003, proferido no processo n.º 03A955 (idem), do Tribunal da Relação do Porto de 12-12-2006, proferido no processo n.º 0625685, de 01-06-2006, proferido no processo n.º 0633112, de 02-05-2005, proferido no processo n.º 0552005 (trata apenas da vertente da interrupção), do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-4-2003, in CJ, II, pág. 119, de 12-06-2006, proferido no processo n.º 7507/2006-6, de 17-05-2007, proferido no processo n.º 3912/2007-6, de 07-11-2006, proferido no processo n.º 8568/2006-7, de 17-10-2006, proferido no processo n.º 5238/2006-7, de 14-09-2006, proferido no processo n.º 5447/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3890/2006-8, de 28-06-2005, proferido no processo n.º 5822/2005-7, do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-07-2007, proferido no processo n.º 918/2002.C1, e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 404/2000.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-05-2006, proferido no processo n.º 746/06-2, e do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2006, proferido no processo n.º 1312/05-3, e de 28-06-2005, proferido no processo n.º 1163/05-2.
No entanto, ainda que opere por mero decurso do prazo, tem-se entendido que a deserção da instância deve ser declarada no despacho que declare extinta a instância (embora este não tenha natureza constitutiva) - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 16-10-2003, proferido no processo n.º 03B2796, ("A obrigatoriedade de despacho a declarar a deserção e consequente extinção da instância não pretende significar que só a partir dele se produzem os efeitos da deserção; tal obrigatoriedade é, antes, o resultado da necessidade do controlo judicial de um fenómeno capital da vida (morte) do processo"), de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06B3632, e de 17-06-2004, proferido no processo n.º 04B1472, do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-12-2006, proferido no processo n.º 7356/2006-7.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2007, proferido no processo n.º 430-A/2002.C1:
"Ainda que o embargante tenha obtido ganho de causa, por serem julgados procedentes os embargos de executado por si deduzidos, pode ser condenado como litigante de má-fé, muito embora incurso na situação de dolo material indirecto e não de dolo instrumental, verificada que foi a revogação do nº 3, do artigo 456º, do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 180/96, de 25 de Setembro.
Tendo o embargante afirmado, falsamente, contra o que se veio a demonstrar, e era por si sabido, não lhe pertencer a assinatura aposta em declarações confessórias de empréstimo, mostra-se verificada a factualidade determinante da sua responsabilidade processual subjectiva, com base em litigância de má fé
."


Nota - O regime da litigância de má fé não exclui necessariamente a sua aplicabilidade a quem obteve ganho de causa (cfr. o relatório do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 10-10-2007, proferido no processo n.º 07S048, em processo no qual a Relação assim o havia entendido, e ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-02-2004, proferido no processo n.º 8846/2003-7). É certo que, em tais circunstâncias, não se preencherá a hipótese de dedução de pretensão cuja falta de fundamento não se devesse desconhecer, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 456.º do CPC (a não ser em caso de procedência parcial, tendo ficado a parte vencida em alguma pretensão), mas pode colocar-se a hipótese de verificação de uma das restantes alíneas, principalmente as b) e c). Não sendo uma situação comum, a sua ocorrência não será impossível.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-10-2007, proferido no processo n.º 2134/04.3TBPBL.C1:
"No processo de fixação judicial de prazo, o autor apenas tem de justificar o pedido de fixação de prazo, estando excluídas do seu objecto de apreciação e decisão outras questões de carácter contencioso, como as da nulidade ou inexistência da obrigação, bem como, as da eventual impossibilidade de cumprimento de um contrato-promessa celebrado.(...)"

Nota - Parece-me ser indiscutível, esta posição, por ser a única compatível com a natureza de jurisdição voluntária daquele processo. No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 14-11-2006, proferido no processo n.º 06B3435, e do Tribunal da Relação do Porto de 23-10-1990, proferido no processo n.º 0407569,
Cfr. ainda, sobre os critérios para a fixação judicial, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 29-05-2007, proferido no processo n.º 0722288.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2007, proferido no processo n.º 220/05.1TBCBR.C1:
"Recaindo sobre o réu, enquanto devedor, no quadro da responsabilidade civil contratual, o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, e não sobre o autor, na qualidade de credor, o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela produção do dano, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do Código Civil".

Nota - A conclusão é pacífica.
A presunção contida no artigo 799.º do CC faz recair sobre o incumpridor o ónus da prova da falta de culpa. Se não lograr essa prova, e por força da presunção, a culpa (alegada) deve dar-se como provada.
Cfr., por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 31-05-1984, proferido no processo n.º 071780.
Note-se que, naquela norma, não está prevista uma presunção de incumprimento, mas tão-só uma presunção de culpa (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 20-06-2002, proferido no processo n.º 0230587).

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segunda-feira, outubro 29, 2007

Jurisprudência constitucional

Deixo aqui uma nota breve sobre alguns acórdãos recentes do Tribunal Constitucional. Chamo a atenção, em particular, aos meus leitores advogados, para o acórdão indicado em último lugar.

1) No acórdão
n.º 381/2007, de 3 de Julho, o Tribunal Constitucional reafirmou aquela que, depois de algumas hesitações, parece firmar-se como a posição definitiva daquele órgão quanto às aplicação de multas por prática de contravenção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio (utilização de transporte público sem bilhete). Já anteriormente (cfr. aqui) tive oportunidade de analisar em detalhe a posição do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria. A posição a reter, do Tribunal, desde o acórdão (do plenário) n.º 344/2007 (por sete votos contra cinco), parece ser, pois, no sentido da não inconstitucionalidade da previsão das referidas multas, apesar de serem previstas em montante fixo, não adaptável à culpa concreta do infractor e às demais circunstâncias da prática da infracção.

2) Continua a correr jurisprudência sobre a confusa saga da alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ. Pelos acórdãos do Tribunal Constitucional números
43/2007, 690/2006, 692/2006, 43/2007 e 85/2007, sobre os quais escrevi aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, e ainda pelos acórdãos 88/2007, 130/2007 e 131/2007, foi julgada inconstitucional a norma constante do artigo 29.º do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em suma por se tratar de matéria compreendida na reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo legislou sem para tal estar autorizado por aquele órgão.
O Governo, entrentanto, alterou novamente a norma, através do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, repondo a redacção anterior à alteração indevida, o que fez com que se levantasse novamente o problema da necessidade de autorização da Assembleia da República, agora para permitir esta última alteração.
Colocado face a este novo problema, o Tribunal Constitucional não o apreciou nos acórdãos números
482/2007 e 485/2007, por considerar não estar em causa, naqueles processos, a redacção emergente do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, mas apenas a que resultou do Decreto‑Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, reiterando a posição do Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da norma de alteração contida neste último diploma.
No entanto, no acórdão n.º
483/2007, apreciou-se a questão, tendo-se concluído no sentido da não inconstitucionalidade da alteração que resulta do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, na medida em que se limitou a repristinar a redacção anterior (logo, não tendo carácter inovatório), na linha dos pareceres da Comissão Constitucional n.º 2/79 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º volume, pp.192-193), e n.º 17/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 10.º volume, p. 256), e dos acórdãos do Tribunal Constitucional números 1/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º volume, p. 173 e ss. - “(…) para hipóteses deste teor de pura reprodução de um normativo organicamente inconstitucional tem sido entendido que não há fundamento bastante para que nelas se detecte uma inconstitucionalidade orgânica.”), n.º 423/87 (in DR, I Série, de 26 de Novembro de 1987 - “(…) o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da competência parlamentar não determina, por si só e automaticamente, a verificação de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito, desde que tais normas não criem um ordenamento diverso do já existente, limitando-se a retomar e reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanado do órgão de soberania competente, é de entender, em tais circunstâncias, não existir invasão daquela esfera de competência reservada.”) e n.º 137/2003 (também in DR, II Série, de 24 de Maio de 2003 - "(…) tal como tem sido entendido por este Tribunal, o eventual juízo de inconstitucionalidade tem por consequência a repristinação das normas anteriores, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição – o qual, embora referido aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deixa de ser aplicável aos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, como no caso presente (cf., entre outros, Acórdão n.º 103/87, cit., e Acórdão n.º 490/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., pp. 197 e segs.). Ora, o que se verifica é que a norma em causa não é inovatória, antes se limita a reproduzir o que a norma anterior – ou seja, a norma a repristinar – já dispunha na matéria.”).

3) Já
aqui tinha chamado a atenção para os julgamentos de inconstitucionalidade de algumas normas do Código das Custas Judiciais, quando interpretadas no sentido em que, no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo serão suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte. Este juízo surge agora reiterado nos acórdãos números 128/2007 (com dois votos de vencido), 519/2007 e 521/2007, com os mesmos argumentos já usados nas decisões anteriores, dos quais dei conta na ligação supra referida.

4) Ainda quanto a custas, continua o nosso Tribunal Constitucional (e bem, a meu ver), a julgar inconstitucionais algumas normas do Código das Custas Judiciais quando interpretadas no sentido de, em certos casos, não ser aplicado um tecto máximo para o valor devido a título de custas. Este problema, analisado nos acórdãos
n.º 643/2006, de 28 de Novembro, n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, n.º 128/2007, de 27 de Fevereiro, e n.º 301/2007, de 15 de Maio (só no acórdão n.º 40/2007, de 23 de Janeiro, é que a decisão foi unânime, pois em todos os outros houve votos de vencido), e já desenvolvido no blog, aqui, aqui e aqui, foi retomado nos acórdãos números 470/2007 e 471/2007.
No primeiro, em processo de expropriação, foi julgada inconstitucional, "por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novem­bro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00".
No segundo, foi julgada inconstitucional, "por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de € 123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante".
Ambas as decisões são de aplaudir, a meu ver.

5) Finalmente, uma breve nota para os leitores advogados: pelo acórdão n.º 518/2007, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional "a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sen­tido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, se não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram".

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sexta-feira, outubro 26, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 3 de 3)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2673:
"Só no caso de se estar já fora da relação jurídica subjacente ao negócio cartular, quando se entra no domínio das relações mediatas, onde há já interesses de terceiros em jogo, se deve colocar, de forma mais inquestionável, a afirmação dos princípios da autonomia, abstracção e literalidade, que caracterizam os títulos cambiários.
Nesses casos sobrepõem-se como prevalentes esses princípios, impossibilitando-se que o obrigado cambiário originário - mesmo sendo alegada vítima do preenchimento abusivo - possa vir a opor ao portador a violação do pacto de preenchimento, a menos que o novo portador tenha também ele adquirido o título de má fé ou cometido falta grave ou tenha, com a sua aquisição, procedido conscientemente em detrimento do devedor.- cfr. arts. 10.º e 17.º da LULL.
Assim, estando-se no domínio da relação cambiária primitiva, não tendo a livrança saído das relações imediatas, e alegando a executada o comportamento gravemente censurável da exequente com o alegado preenchimento abusivo, não deve a oposição à execução ser liminarmente indeferida, antes devendo ser dada oportunidade de fazer prova dessa matéria."


Nota - É pacífico que o preenchimento abusivo, por violação do pacto, pode ser invocado nas relações imediatas, nas letras e nas livranças. Cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06A2470 (analisando em pormenor o problema do ónus da prova, nestes casos), de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2589, de 24-05-2005, proferido no processo n.º 05A1347, de 03-05-2005, proferido no processo n.º 05A1086, de 28-05-1996, proferido no processo n.º 96A033 (in BMJ n.º 457, pág. 401), do Tribunal da Relação do Porto de 14-11-2006, proferido no processo n.º 0622843, de 18-10-2005, proferido no processo n.º 0520292, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 0530256, de 02-12-2003, proferido no processo n.º 0325113 (analisando o problema da inversão do ónus da prova do preenchimento abusivo), de 05-11-1996, proferido no processo n.º 9520433 (sobre a articulação entre o preenchimento abusivo e a confissão da causa debendi), de 07-07-1998, proferido no processo n.º 9820725, do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-11-2006, proferido no processo n.º 9208/2004-6, de 03-03-2005, proferido no processo n.º 8778/2004-8, do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-02-2006, proferido no processo n.º 3197/05.
Assim não seria, no entanto, se a relação em causa fosse entre o portador e o avalista (cfr.,
neste post anterior, a nota ao quarto acórdão - contra, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-11-2006, proferido no processo n.º 0636133), a não ser que o próprio avalista tenha subscrito o acordo de preenchimento e o título se mantenha nas relações imediatas (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-06-2007, proferido no processo n.º 0732705, de 23-04-2007, proferido no processo n.º 0656357, e o já citado de 07-07-1998, proferido no processo n.º 9820725).


2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2956:
"(...)
Não se forma caso julgado contra leis da natureza "


Nota - Caso curioso, este. Uma divergência na identificação do artigo matricial (mas não na identificação física do prédio) estava a dificultar a adjudicação ao autor de um prédio cuja reversão, em todos os demais elementos identificativos se constatou ter sido autorizada.
Como se escreve na decisão anotada, "na identificação de um prédio a reverter, o que tem efectivamente valor determinante, isto é, o que constitui os seus elementos essenciais, é a sua realidade e compatibilidade física, dada pela situação, área e confrontações. É necessário que o prédio a reverter seja fisicamente sobreponível ou se encaixe (em caso de reversão parcial) com a situação espacial e identificativa traçada no processo de expropriação, e não necessariamente com um artigo matricial".
E assim prossegue: "O que se mostra verdadeiramente importante é que não haja dúvidas que o título de autorização de reversão incide efectivamente sobre o prédio anteriormente expropriado ao revertente ou a um seu antecessor e não a uma terceira pessoa.
A autorização de reversão não pode, por outro lado, incidir sobre prédio que nunca foi expropriado, nem muito menos sobre prédio de que nunca tivessem sido donas as revertentes ou seu(s) antecessor(es), como afirmam as AA. relativamente ao art. 39.º.
O suposto erro material (a que as AA. chamam grosseiro) pode vir a ser livremente corrigidos pelo Tribunal adjudicante, se porventura vier a verificar-se que o artigo 39.º a que se reporta não lhe corresponde por impossibilidade física.
O Direito não tem a possibilidade de mudar as leis da natureza, pelo que não pode definir-se (maxime, constituir ou formar-se caso julgado) em contradição com esta. Essencial é que no presente processo venha a constatar-se que a peticionada adjudicação a que se reporta a autorização de reversão se encaixa (porque se trata de uma reversão parcial) no espaço físico do imóvel bem expropriado à referida BB.- o que pode ser feito, designadamente, por sobreposição das cartas topográficas ou ortofotogramétricas à mesma escala, e que podem consultar-se em ambos os processos.
A partir daí, e respeitando sempre a descrição integral do prédio cuja autorização de reversão foi concedida, com a área, denominação e situação física aí definida, nada pode obstar que o Juiz rectifique o artigo que lhe foi feito corresponder e o substitua por aquele que, em termos físicos, de acordo com a natureza, actualmente lhe corresponde. Embora o caminho preconizado pelo Acórdão da Relação - de suscitar o problema junto da entidade que autorizou a reversão fosse absolutamente válido (e talvez o mais directo) - , nem por isso deve o Tribunal recusar a hipótese de poder ser ele mesmo a rectificar o suposto erro, pois não se trata de definir um novo direito em contradição com o já julgado, mas sim o de alterar um número de artigo administrativamente atribuído como índice ou referência daquele.
O direito está no objecto, e não na referência que o artigo lhe faz."
Em poucas linhas, uma lição para meio mundo, que aí anda pensando que a formalidade é tudo, atrasando a vida da outra metade.


3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A3119:
"Tendo sido celebrado um contrato de compra e venda entre uma sociedade comercial sedeada em Portugal – a vendedora – e outra sedeada na Alemanha – a compradora – onde as mercadorias deveriam ter sido entregues, existindo litígio acerca do pagamento do preço a competência internacional radica nos Tribunais alemães.
(...)"


Nota - É uma questão complexa, a que aqui se analisa, obrigando à determinação do que seja, neste caso, o local de cumprimento da obrigação, à luz do artigo 5.º do Regulamento (CE) 44/2001, no contrato de compra e venda.
A decisão anotada considerou que o local em causa é o da entrega dos bens, em linha com os acórdãos do mesmo tribunal
de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, de 10-05-2007, proferido no processo n.º 07B072 (este precisando, e bem, que não tendo sido arguida a incompetência na contestação, o tribunal pode considerar-se competente, por extensão), de 11-05-2006, proferido no processo n.º 06B756, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 3142/04.0TBVIS-A.C1, e do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2007, proferido no processo n.º 0731617 (lembrando que o local da entrega não coincide, necessariamente, com o local de destino), do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-09-2007, proferido no processo n.º 1586/07-1.
Em todas estas decisões, tal como na anotada, "no que respeita aos contratos de compra e venda e prestação de serviços, o Regulamento acolheu um definição “autónoma” de lugar do cumprimento das obrigações emergentes daqueles contratos, dando ênfase, no caso de venda de bens, ao lugar do cumprimento da obrigação de entrega, irrelevando o lugar do pagamento do preço, apesar do pedido se fundamentar no incumprimento dessa obrigação".



4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2007, proferido no processo n.º 07A2736:
"O estabelecimento da filiação é um direito constitucional.- art. 26.º
O Tribunal Constitucional já declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do art. 1817.º-1 para a propositura da acção de investigação com base na investigação biológica pura, referindo que a acção pode ser proposta a qualquer momento independentemente do prazo.
Devem também considerar-se inconstitucionais os demais números do mesmo artigo, uma vez que no seu núcleo está precisamente o mesmo direito constitucional à identidade e dignidade pessoal, ao bom nome, reputação e à identidade genética, consagrados no art. 26.º da Constituição, cuja natureza é inalienável e imprescritível.
Assim, os n.ºs 4 e 5 do art. 1817.º do CC., que estabelecem prazos para a propositura da acção de investigação de paternidade/maternidade sob pena de caducidade baseados na posse de estado ou sua cessação, devem também eles considerar-se como inconstitucionais.
Os Tribunais estão obrigados a recusar a aplicação de normas inconstitucionais.- art. 220.º da Constituição.
O investigado não pode ser obrigado a submeter-se a perícia científica (exames hematológicos ou a outros exames, mesmo não evasivos - como o do ADN (em cabelos, unhas, saliva ou suor) para determinação dos níveis de correspondência biológica com o investigante, mas a sua recusa em submeter-se aos exames que forem determinados será apreciada livremente pelo Tribunal
."


Nota - Sobre a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil, cfr. acórdão do STJ de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2489. Pode ler-se também, sobre a acção de paternidade, o que aqui escrevi a propósito do acórdão n.º 209/04 do Tribunal Constitucional.

Cft. ainda o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/98, sobre a aplicação do n.º 2 do artigo 519.º do CPC, no confronto entre o direito à historicidade pessoal e o direito à integridade física, os acórdãos do STJ de 11-03-1999, proferido no processo n.º 99B129 (também no BMJ 485-418), e de 28-05-2002, proferido no processo n.º 02A1633 (também na CJ, 2002, tomo II, pág. 92) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2002, na CJ, 2002, tomo I, pág. 18, bem como o estudo do desembargador Távora Vítor intitulado "Investigação de paternidade – breves notas sobre a sua evolução", na CJ (STJ), 2003, tomo III, pág. 14.

O n.º 1 do artigo 1817.º do CC foi julgado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, após umas quantas decisões semelhantes em sede de fiscalização concreta (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 486/2004, de 7 de Julho de 2004).

Tal juízo sobre a caducidade do direito de investigar a paternidade tem sido alargado pela jurisprudência à impugnação da paternidade (cfr., neste sentido, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4303).

No acórdão do STJ de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06A2489, retiraram-se ainda outras consequências da mesma decisão de inconstitucionalidade, recusando a aplicação dos n.ºs 1 e 4 daquele artigo "ao caso em que o autor não conseguiu demonstrar a posse de estado em que se apoiou, na medida em que, indirecta ou directamente, estabelecem o prazo de caducidade de dois anos para a caducidade do direito de investigar".

Sobre a questão (diferente) do prazo para pedir a revisão de um acção de paternidade, cfr. aqui a nota que deixei ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2007, proferido no processo n.º 609-A/1998.C1.

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quinta-feira, outubro 25, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 3)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 06B3818:
"Se dois comerciantes se confrontam em juízo em factos do seu comércio a escrituração comercial de cada um deles pode ser exibida como prova por si próprio ou contra o outro, nos termos regulados no art. 44º do CComercial.
Mesmo aí, na controvérsia entre comerciantes em factos de seu comércio, os livros de escrituração comercial não fazem prova plena
podendo até mesmo o próprio comerciante proprietário dos livros, arrumados produzir prova em contrário dos seus lançamentos.
Quando não é dessa controvérsia que se trata, mas da responsabilidade extra-negocial de um banco que, ao fazer obras nas suas instalações, provoca danos no estabelecimento da sociedade comercial vizinha, por maioria de razão a escrita comercial é apenas mais um meio de prova a valorar em livre convicção probatória."


Nota - O artigo 44.º do Código Comercial estabelece o seguinte:
"Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.º Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que de tais assentos quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.º Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.º Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaisquer provas do processo;
4.º Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em direito admissíveis.§ único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo".
Quando se satisfaçam os requisitos ali apontados, presume-se correcta a informação contabilística deles constante - presunção "ilidível pela apresentação de assentos opostos em livros também regularmente arrumados ou por outra prova em contrário" (cfr. ponto "5." da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318).
Cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2002, proferido no processo n.º 01S4428 ("Os relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização (bancária) não cabem na categoria de livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos"), de 23-01-1996, proferido no processo n.º 087747 ("Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos a fazer prova dos factos relativos ao comércio entre os respectivos comerciantes mas isso não significa que tal prova só possa ser feita por esse meio."), de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1673 ("As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do art. 44º do CCom." - mas isto, note-se, não impede que, enquanto documentos particulares, possam gozar de força probatória plena, como se salienta no acórdão do mesmo tribunal de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318), e do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634459 ("O artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares.").
Convém ter cautela, na busca de jurisprudência sobre esta matéria, com a relação entre o princípio da colaboração na descoberta da verdade e o respeito pelo segredo da escrituração comercial, pois houve alterações relevantes, a este respeito, com a reforma do CPC de 1995/96 - cfr., desenvolvidamente, e com abundante citação de jurisprudência, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2006, proferido no processo n.º 1572/2006-7.
Quanto à força probatória da escrituração comercial, cfr., no sentido da decisão anotada (ou seja, entendendo que não tem força probatória plena, encontrando-se sujeita a livre apreciação do tribunal), cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-07-1969, in BMJ n.º 189, pág. 317, de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03B1001, de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B736, e o já referido de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318.


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B3064:
"Se o réu, ao contestar, entende e factualiza por completo a alegação de um facto que o autor fez por forma inadequada, por simples remissão para uma disposição da lei, impõe-se que se leve à base instrutória o facto alegado pelo autor com a enunciação verbal da factualização do réu."

Nota - Neste caso concreto, sucedeu o seguinte.
Numa acção em que a autora pretendia exercer o direito a alimentos por ter vivido em união de facto com outrem, entretanto falecido, esta alegou que "não tem familiares que lhe possam prestar alimentos nos termos do art. 2009.º e 2020.º".
O réu, na contestação, considerou que "a autora deveria ter alegado todos os factos integradores do direito que se arroga, nomeadamente que não tem irmãos, pais e filhos em condições de lhe prestar alimentos".
Discutiu-se, então, se, não sendo suficiente a alegação da autora, as suas omissões se deveriam considerar integradas por aquele segmento da contestação, em que o réu mostrou entender - e concretizou mesmo - o que estava em causa com a remissão feita pela autora.
Creio que foi acertado a solução do Supremo, neste caso, ao considerar que "não podemos nem devemos desaproveitar essa alegação quando ela é perfeitamente entendida pelo réu (...) De algum modo é o réu a factualizar uma alegação fáctica feita de um modo tecnicamente inadequado por referência ao direito. É o réu a facilitar e permitir (e por isso a impor) ao tribunal, ao abrigo de um princípio de aquisição processual, a tradução factual da alegação feita pela autora no art. 10.º da sua petição inicial."
Mostrando o réu haver compreendido perfeitamente a causa de pedir, seria bizantino considerar ter faltado a alegação da mesma. Note-se que a superação da dita falta, pela correcta alegação de toda a causa de pedir, passaria pela repetição daquilo que o réu já havia afirmado na contestação.
Aqui, não faltaria toda a causa de pedir. Quando muito, faltaria parte dela, sendo que, nestes casos, rege o n.º 3 do artigo 193.º do CPC, segundo o qual não há ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se o réu, na contestação, interpretar correctamente a petição inicial - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2003, proferido no processo n.º 02S3742 ("Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do artº. 193 do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição (ouvindo para tanto o autor, se necessário) e isto quer o mesmo réu tenha ou não suscitado a questão da ineptidão."), do Tribunal da Relação do Porto de 15-03-2007, proferido no processo n.º 0730168, de 25-11-2003, proferido no processo n.º 0325606, e do Tribunal da Relação de Évora de 15-02-2007, proferido no processo n.º 2415/06-2, entre muitos outros.


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B3616:
"Prescrito o direito de crédito que consubstanciavam, não podem os cheques valer como títulos executivos cambiários.
Os cheques mencionados sob 1 que se limitem inserir uma ordem de pagamento dirigida a uma instituição de crédito são insusceptíveis de significar a declaração de constituição ou de reconhecimento de obrigações pecuniárias a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Os cheques mencionados sob 2 não podem ser considerados títulos executivos e, consequentemente, não podem servir de fundamento à instauração da acção executiva para pagamento de quantia certa."


Nota - É uma questão antiga a de saber se o cheque prescrito pode valer como título executivo, quando o exequente alegue a relação subjacente e esta não consubstancie negócio jurídico formal.
A jurisprudência divide-se entre a pura negação da susceptibilidade de o cheque prescrito valer como título executivo (corrente minoritária, nela se inserem a decisão anotada e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-05-1999, in BMJ n.º 487, pág. 240, de 29-02-2000, in CJ, tomo I, pág. 124, de 23-01-2001, de 18-01-2001, de 05-07-2001, de 16-10-2001, estes últimos nos Sumários do STJ online, do Tribunal da Relação do Porto de 01-03-2005, proferido no processo n.º 0520778 (num caso de letra, mas referindo o cheque na fundamentação), de 01-03-2005, proferido no processo n.º 0520883, de 11-06-2002, proferido no processo n.º 0220807, de 14-12-99, proferido no processo n.º 9921433, e de 25-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 192, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-03-2007, proferido no processo n.º 10789/2006-7, e do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2004, proferido no processo n.º 70/04-3) e a sua aceitação como título, desde que se alegue a relação subjacente, o que só pode acontecer, todavia, nas relações imediatas (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2004, proferido no processo n.º 03A3881, de 13-11-2003, proferido no processo n.º 03B3089, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2600, de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03A1404, de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03B1281, de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64, de 18-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 71, de 30-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 85, de 23-01-2001, proferido no processo n.º 2488/2000, da 6.ª secção, de 27-09-2001, proferido no processo n.º 2089/01, da 7.ª secção, de 30-10-2001, proferido no processo n.º 3317/01, da 6.ª secção, de 29-11-2001, proferido no processo n.º 2487/01, da 7.ª secção, e de 04-07-2002, proferido no processo n.º 1808/02, da 7.ª secção, estes últimos nos Sumários do STJ online, do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-04-2005, proferido no processo n.º 9012/2004-8 (sobre um caso de livrança, mas entendendo que o mesmo juízo se estende ao cheque), de 22-04-1999, in BMJ n.º 486, pág. 359, do Tribunal da Relação do Porto de 13-02-2007, proferido no processo n.º 0627123, de 19-06-2006, proferido no processo n.º 0653378, de 07-04-2005, proferido no processo n.º 0531550, de 26-10-2004, proferido no processo n.º 0423028, de 08-01-2004, proferido no processo n.º 0336130, de 03-07-2003, proferido no processo n.º 0322659, de 20-02-2003, proferido no processo n.º 0330757, de 01-04-2003, proferido no processo n.º 0321068 (com um voto de vencido), de 10-03-2003, proferido no processo n.º 0250422, de 28-10-2002, proferido no processo n.º 0220402, de 01-07-2002, proferido no processo n.º 0250593, de 14-02-2002, proferido no processo n.º 0230116 (com um voto de vencido), de 12-06-2001, proferido no processo n.º 0120352, de 03-05-2001, proferido no processo n.º 0130513, de 02-11-2000, proferido no processo n.º 0030922, de 24-04-1999, in BMJ n.º 486, pág. 365, do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2000, in CJ, tomo III, pág. 37).
Uma terceira posição, assente no entendimento segundo o qual o cheque prescrito vale como documento particular assinado pelo devedor mesmo sem alegação da causa debendi foi praticamente abandonada pela jurisprudência (encontrava-se, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, de 15-05-2003, proferido no processo n.º 0330567, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-12-1997, in CJ, tomo V, pág. 129, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-12-1998, in CJ, tomo V, pág. 33, parecendo subsistir no acórdão do mesmo Tribunal de 03-10-2006, proferido no processo n.º 2736/04.8TJCBR-A.C1 - sobre o abandono da corrente jurisprudencial referida, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-04-2006, in CJ, tomo II, pág. 27).


4)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07A2741:
"Havendo recurso de apelação de ambas as partes – art. 690º-3 CPC -, alega em primeiro lugar o apelante assim considerado segundo a ordem de interposição dos recurso, e, seguidamente, o segundo apelante, contando-se o início do respectivo prazo da notificação da apresentação da alegação do primeiro recorrente.
(...)"


Nota - No mesmo sentido, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 20-09-2007, proferido no processo n.º 9151/2006-6.
Na decisão anotada, chama-se a atenção para a circunstância de o sumário disponível online do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-2003, proferido no processo n.º 03A1360, poder ser um pouco enganador, pois, à primeira vista, parece concluir em sentido oposto ao defendido naquela, mas na verdade é com ela coincidente, limitando-se a criticar o regime vigente, sem todavia deixar de o aplicar.
Cfr. ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2007, proferido no processo n.º 1921/2007-2 (que analisa também o regime a seguir quando o primeiro apelante não alegar), e de 26-11-1998, proferido no processo n.º 0052716 (analisando em pormenor todo o regime do artigo 698.º do CPC).

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